Em 2020 foram 2.054 ocorrências de conflitos no campo, envolvendo quase 1 milhão de pessoas. Além disso, foram 1.576 ocorrências de conflitos por terra, o que equivale a uma média diária de 4,31 conflitos por terra, que envolveram 171.625 famílias brasileiras, em um contexto de grave pandemia. Esses números de ocorrências foram os maiores já registrados pelo Centro de Documentação da CPT – Dom Tomás Balduino (Cedoc). 81.225 famílias tiveram suas terras e territórios invadidos em 2020. É o maior número da série histórica registrada pela CPT desse tipo de violência. Nesse ano foram mortas 4 pessoas em conflitos pela água, maior número já registrado nesse tipo de conflitos, e todas foram vítimas do mesmo crime, que ficou conhecido como Massacre do Rio Abacaxis, no Amazonas.
Além disso, o contexto político somado ao grave momento pandêmico que vivemos evidenciou a fragilização a que os trabalhadores e trabalhadoras estão expostos. Essa realidade ficou clara com o aumento dos conflitos trabalhistas, 96 ocorrências, o maior número em 6 anos. 1.104 trabalhadores e trabalhadoras estavam nessas ocorrências, um aumento de 25% em relação ao ano de 2019.
Desde o início do ano de 2020, acompanhamos a trágica crise mundial sanitária, com alto grau de crueldade no caso do Brasil, por conta do projeto político que temos em andamento.
Os dados gerais de conflitos no campo mostram que o número de ocorrências passou de 1.903 em 2019, para 2.054 em 2020, um aumento de 8%. Esse é o maior número de ocorrências de conflitos no campo já registrado pela CPT, desde 1985. O número de pessoas envolvidas nesses conflitos passou de 898.635, em 2019, para 914.144, em 2020, um aumento de quase 2%.
A CPT documentou e sistematizou, também, 1.576 ocorrências de conflitos por terra em 2020, o maior número desde 1985, quando o relatório começou a ser publicado, 25% superior a 2019 e 57,6% a 2018. Esses conflitos envolveram 171.625 famílias. Os dados são ainda mais assustadores quando analisados apenas os números referentes aos povos indígenas no Brasil nesse tipo de conflito: 656 ocorrências (41,6% do total), com 96.931 famílias (56,5%).
Comparando o número de ocorrências de conflitos por terra de 1985 a 2020, percebe-se um aumento considerável da violência no campo, de maneira especial nos últimos dois anos. O relatório de Conflitos relativo aos dados de 2019 apresentava um aumento de 26% comparado com os dados de 2018 (de 1.000 ocorrências passou-se para 1.260). Em 2020, o aumento foi de 25%, alcançando 1.576 ocorrências, perfazendo um total de 21.801 ocorrências nesses 35 anos. Tal quadro de agravamento dos conflitos fica mais evidente quando comparadas as porcentagens dos conflitos: se entre 1985 e 2009 a média anual das ocorrências era quase sempre abaixo de 3,0% do total, a partir de 2010, essa porcentagem foi sempre superior a 3,0%, tendo aumentado consideravelmente em 2019 (5,78% do total) e em 2020 (7,23%). O número de conflitos por dia, que tinha sido de 2,74 por dia em 2018, passou a 3,45 em 2019 e 4,31 em 2020.
Os maiores números de ocorrências de conflitos por terra foram registrados em 2020, em seguida 2019, ou seja, os dois anos de governo de Jair Bolsonaro. Em terceiro lugar, está o ano de 2016, ano do golpe que retirou Dilma Rousseff da presidência e instituiu Michel Temer. Essa conjuntura política desastrosa dos últimos anos tem aumentado a violência no campo.
É importante destacar que a CPT sistematiza “ocorrências”, isto é, violências documentadas num determinado momento histórico: o que se percebe é que muitos conflitos perduram ao longo do tempo, em alguns casos por anos ou, até, por décadas, sobretudo quando envolvem populações tradicionais.
No caso das famílias cujos territórios foram invadidos, houve um aumento de 102,85% de 2019 para 2020. 81.225 famílias tiveram suas terras e territórios invadidos em 2020. É o maior número desse tipo de violência já registrado pela CPT. 58.327 dessas famílias são de indígenas, ou seja, 71,8%.
Conflitos pela Água: recorde de assassinatos
Em 2020, o número de ocorrências de conflitos pela água diminuiu cerca de 30% em relação ao ano anterior. Isso se deve muito por conta de dois eventos de grande magnitude e com forte caráter conflituoso que aconteceram em 2019: o derramamento de óleo no litoral brasileiro, em especial na Região Nordeste, e o desastre provocado pelo rompimento da barragem B1 da mineradora Vale S.A, em Brumadinho (MG).
Entretanto, foram registrados quatro assassinatos nesse tipo de conflito, e esse foi o maior número de mortes em conflitos por água já registrados pela CPT, desde que ela passou a fazer o registro desse tipo de conflito, separado de “terra”, em 2002.Os quatro assassinatos ocorreram no que ficou conhecido como Massacre do Rio Abacaxis. Em agosto de 2020, Josimar Moraes Lopes, indígena Munduruku, e 3 ribeirinhos foram assassinados na região do Rio Abacaxis. Consta ainda o assassinato de dois policiais militares e, possivelmente de um traficante. Agentes da CPT Amazonas relataram se tratar de uma situação complexa, que envolve camponeses e indígenas, de um lado, pescadores ilegais e policiais do outro, e ainda um terceiro grupo formado por traficantes de drogas. Conforme o Ministério Público Federal (MPF), desde o ano de 2007 os indígenas denunciam a ocorrência de conflitos na região, causados pelo turismo de pesca esportiva, o garimpo irregular, o tráfico de drogas e o uso de armas de fogo. Nesse contexto, as comunidades locais são ameaçadas.
Segundo os dados do Cedoc, os conflitos pela água na última década apresentaram uma curva ascendente, aumentando mais de sete vezes, com agravamento a partir de 2018. Passando de 69 ocorrências, em 2011, para 502, em 2019, maior número contabilizado. Por mais que em 2020 tenha havido uma queda no total de ocorrências, o ano ainda é o segundo com mais conflitos pela água (350) e indica a manutenção do incremento da disputa por água.
Essa curva ascendente também é registrada se analisados os dados de famílias envolvidas em conflitos pela água. Se em 2011 foram contabilizadas 28.057 famílias envolvidas em conflitos, em 2019 esse valor praticamente triplicou, com 79.381 famílias. No período analisado, identificou-se um salto no envolvimento de mais famílias a partir de 2018. O caráter crescente da curva, tanto de conflitos pela água, como de famílias envolvidas, evidencia a importância de um olhar atento à questão da água. Afinal, a existência de conflitos indica tensões sobre a apropriação da água e seus usos.
Conflitos Trabalhistas: pandemia agudizou a vulnerabilidade dos trabalhadores e trabalhadoras
Em 2020 foram registradas 96 ocorrências de conflitos trabalhistas, um número quase 7% maior que em 2019, quando foram registrados 90. É o maior número dos últimos seis anos. Em 2020 esses conflitos atingiram 25% mais trabalhadores e trabalhadoras na denúncia do que no ano anterior. Foram 1.104, enquanto em 2019 tinham sido 883. Todos os anos, desde 2015, cresce o número de pobres e, contraditoriamente, cai o número de pessoas beneficiadas pelo programa Bolsa Família ou outro programa de assistência social. Essa realidade piorou com a pandemia da COVID-19.
Thiago Muniz, procurador do trabalho, analisa em texto publicado no relatório, que “a partir de 2016, no entanto, tudo piorou. O golpe parlamentar é um marco muito nítido, um verdadeiro divisor de águas no enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo: a partir de então, a desigualdade aumentou, os assentamentos diminuíram, o autoritarismo renasceu, a proteção sociolaboral evaporou e as políticas de enfrentamento têm sido paulatinamente corroídas”. Somamos a tudo isso, a realidade pandêmica de desassistência aos trabalhadores e povo pobre, tanto das cidades quanto do campo, aumentando, assim, a vulnerabilidade dessas pessoas que acabam, por falta de perspectivas, sendo aliciadas para essa prática criminosa.
Fonte: CPT