O ataque ocorreu próximo à comunidade de Napolepi, no rio Uraricoera (RR), na madrugada do domingo (2); os indígenas temem sofrer novos ataques
Por Lígia Kloster Apel e Marina Oliveira, da Assessoria de Comunicação do CIMI
Na madrugada do último domingo (2), cerca de cinco indígenas do povo Xirixana, da comunidade Napolepi, na Terra Indígena (TI) Yanomami (RR), foram atacados por um grupo de garimpeiros. De acordo com uma nota publicada pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), os indígenas estavam em um espaço construído pelos garimpeiros para a venda de itens de alimentação – a cantina do Dentinho – local próximo à comunidade de Napolepi, no rio Uraricoera.
“O dono da cantina alertou que um grupo de garimpeiros, membros de uma facção, estavam vindo para atacá-los. Diz-se que o garimpeiro soube do ataque iminente em grupos de Whatsapp, por onde se comunicam os garimpeiros que ‘atacam pessoas’, que se denominam ‘lobos’. Antes que [os indígenas] pudessem se esconder, um grupo grande de garimpeiros chegou em dois barcos”, diz um trecho do documento.
“Antes que [os indígenas] pudessem se esconder, um grupo grande de garimpeiros chegou em dois barcos”
Na ocasião, os garimpeiros dispararam tiros de arma de fogo contra os indígenas, resultando em uma morte, da liderança Cleomar Xirixana – que foi atingido na testa e no tórax. Além disso, um adolescente ficou gravemente ferido após ser baleado no rosto e na nuca. Para tentar escapar do ataque, os indígenas chegaram a se jogar na água.
De acordo com a nota da Hutukara, o motivo do ataque ainda é desconhecido. Uma das suspeitas teria relação com o sumiço de uma caixa de bebida alcóolica. Os garimpeiros acusam os indígenas de cometerem o furto.
“Informaram também que os garimpeiros instalados próximos à comunidade de Napolepi negaram terem organizado o ataque, e que este teria sido promovido por garimpeiros membros da facção que estão instalados rio acima”, diz a nota.
Agora, os moradores da comunidade temem sofrer novos ataques. O cenário de insegurança da TI Yanomami é consequência da presença ostensiva dos garimpeiros na área, o que já foi exaustivamente denunciado pela Hutukara e pelos próprios indígenas aos órgãos de Segurança do Estado e à Fundação Nacional do Índio (Funai) – responsável pela proteção dos territórios e dos povos indígenas.
No final da nota, Dário Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara, afirma que “é urgente que se proceda com a desintrusão total do garimpo na Terra Indígena Yanomami”. “Urgente, ainda, a presença da Força Nacional na região para impedir novos ataques de garimpeiros contra as comunidades Yanomami, e neutralização de membros de facção que se organizam nos focos garimpeiros instalados no rio Uraricoera”, completa.
“É urgente que se proceda com a desintrusão total do garimpo na Terra Indígena Yanomami”
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) também se posicionou sobre o episódio e, junto às lideranças indígenas, solicita “providências urgentes”. “O fato pode resultar em conflitos maiores devido à revolta das comunidades indígenas, que decidiram fechar a passagem de garimpeiros até a chegada das forças de segurança”, lamentou o CIR por meio de uma publicação nas redes sociais.
Confira a íntegra da nota da Hutukara:
UM YANOMAMI É MORTO E OUTRO FERIDO APÓS ATAQUE ARMADO EM NAPOLEPI, NO RIO URARICOERA
No dia 02 de outubro deste ano, fomos informados de que garimpeiros haviam matado um Yanomami, de nome Cleomar, e baleado um segundo indígena que havia sido encaminhado ao HGR. Aos 03 de outubro, confirmamos o ocorrido com parentes que foram acolhidos na Casa de Saúde Indígena. Os informantes pediram para não ser identificados, pois temem novos ataques.
Segundo informaram, um pequeno grupo de aproximadamente cinco Yanomami estava na cantina do Dentinho, próximo à comunidade de Napolepi, no rio Uraricoera, quando o dono da cantina alertou que um grupo de garimpeiros membros de uma facção estavam vindo para atacá-los. Diz-se que o garimpeiro soube do ataque iminente em grupos de whatsapp por onde se comunicam os garimpeiros “que atacam pessoas”, que se denominam de “lobos”. Antes que pudessem se esconder, um grupo grande de garimpeiros chegou em dois barcos, pilotados por garimpeiros conhecidos como Lourinho e Palito, e dispararam tiros contra os Yanomami.
Tentando escapar do ataque, os Yauomami se jogaram na água. Cleomar foi atingido por vários tiros na testa e no tórax e faleceu. Cleomar foi enterrado na comunidade de Napolepi, onde os indígenas têm por costume sepultar seus mortos, diferentemente de outros grupos Yanomani. Um outro jovem, de 15 anos, caiu sobre um dos barcos e foi baleado no rosto. O tiro atravessou a nuca do indígena que, por sorte, sobreviveu e foi trazido ao Hospital Geral de Roraima por um Yanomami.
Questionados sobre o motivo do ataque, disseram não saber a razão. Uma das suspeitas colocadas é referente ao o sumiço de uma caixa de cachaça no mesmo local e da acusação de furto por parte dos indígenas.
Informaram também que os garimpeiros instalados próximos à comunidade de Napolepi negaram terem organizado o ataque, e que este teria sido promovido por garimpeiros membros de facção que estão instalados rio acima.
É de extrema gravidade que Yanomamis reunidos pacificamente nas mediações de sua própria comunidade sejam friamente atacados por armas de fogo, levando à morte e ferimentos graves.
O ocorrido demonstra que a situação de insegurança no rio Uraricoera em razão da circulação desimpedida de garimpeiros ainda não cessou, e merece intervenção urgente do poder público. Pouco antes do ataque, na comunidade do Walomapi, região do Palimiu, os Yanomami receberam ameaças de um garimpeiro conhecido como “Brabo”, alertando aos Yanomami para que não se opusessem ao garimpo instalado na região se não quisessem que se repetissem os episódios de ataque de 2021, porque ali havia a presença de garimpeiros membros de facção, armados com fuzis. A exemplo de outras comunidades pressionadas pelo garimpo ilegal, os Yanomami temem por sua vida, enquanto suas filhas crianças são assediadas (“pedem para casar”), e os jovens têm seu trabalho explorado nos garimpos. Já não é possível caçar ou pescar na região pois as áreas onde o faziam foram ocupadas pelo garimpo. São constantes os temores com a quantidade de garimpeiros subindo e descendo do rio fortemente armados.
A área degradada pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami continuou em crescimento ao longo do segundo quadrimestre do ano, atingindo um total de 4,411 hectares. Waikás, no rio Uraricoera, segue sendo a região de maior impacto acumulado pela atividade (1804,15 hectares, 44% do total), enquanto em outras regiões esta mantém crescimento acelerado.
Na região do Uraricoera, onde ocorreu o ataque, a mancha de área degradada pelo garimpo cresceu 107% até agosto em relação a abril de 2022. Embora os números totais sejam menos expressivos, o rápido aumento indica uma nova frente de avanço do garimpo ilegal.
É urgente que se proceda com a desintrusão total do garimpo na Terra Indígena Yanomami e, especificamente, seja concluída a reconstrução da BAPE Korekorema.
Urgente, ainda, a presença ela Força Nacional na região para impedir novos ataques de garimpeiros contra as comunidades Yanomami, e neutralização de membros de facção que se organizam nos focos garimpeiros instalados no rio Uraricoera.
Atenciosamente,
Dario Vitorio Kopenawa Yanomami
Vice-presidente
Hulukara Associação YanomamiBoa Vista, 04 de outubro de 2022