Notícia

A quinta edição da caminhada ocorreu no mês que marca o Dia Nacional do Cerrado e  teve como tema “Cerrado Berço das Águas”; na ocasião, vozes ecoaram um apelo contra as violências do agronegócio aos povos do campo

Por Amanda Costa, em colaboração de Tânia Stoffel
Fotos: Linalva Cunha

“Romaria da Terra, faz o povo reunir numa luta sem guerra, nós lutaremos por ti!” Envolvidos por este cântico de esperança e rodeados pelas riquezas cerradenses, cerca de 130 pessoas participaram da 5ª Romaria do Cerrado, realizada no último domingo (18), na comunidade São Lourenço de Fátima, no Recanto Terra Mãe, em Juscimeira – MT. A programação foi organizada por uma equipe que participa desde a primeira edição, sendo ela composta pela CPT-MT, pelas Irmãs Catequistas Franciscanas, o Grupo Arareau, a Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) e pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

No início da caminhada, às margens do lago de Leite/Buritizinho, os presentes foram convidados a contemplar o Cerrado e, para isso, a desamarrar as sandálias, como um dia, Deus disse a Moisés “tire as sandálias dos pés, porque o lugar onde você está pisando é sagrado” (Ex.3,5). Assim, imbuídos e imbuídas por esta convocação divina – Terra é Solo Sagrado – todos foram conclamados/as a pedir licença para os guardiões e guardiãs daquele espaço Sagrado.

Entre quatro paradas propostas no roteiro, os romeiros percorreram uma caminho de contemplação feito de: silêncios e partilhas, cantos e orações, falas e gestos, caminhando e parando, ora ouvindo o som dos  pássaros, o pulsar da vida e reverenciando a natureza, ora ouvindo as experiências de vida do companheiro ou companheira que caminhava ao lado.

Na primeira parada, o pé de pequi – símbolo de resistência – foi testemunha de um momento dedicado a pensar o Cerrado e a força da luta em prol da vida neste território. Na segunda, debaixo da copa da maior árvore, frondosa, o contato com as plantas mata adentro levou todos a uma conexão profunda com a natureza.

Caminhando adiante, a terceira parada fez memória aos 75 anos de missão das Irmãs Catequistas Franciscanas, anfitriãs da romaria neste ano. Desde 1947, a comunidade São Lourenço de Fátima se constitui como local sagrado por ser o berço da missão das Irmãs no sertão mato-grossense. A partir de uma caminhada de fé e ressignificação, a antiga casa e escola de adobe hoje se transformou no Recanto Terra Mãe, um oásis que acolhe pessoas para encontros, retiros e visitas aos finais de semana, além de abrigar hortas sustentadas por práticas agroecológicas, museu, lagoa e cachoeiras.

Rumo ao rio São Lourenço, ao som do canto “Sandálias Caminhantes”, a quarta e última parada contou com a provocação de Almir Araújo e Flávia Isabel, do Grupo Arareau, que trouxeram dados sobre a situação das águas no MT e da poluição gerada pelos moradores das cidades. “Somos todos responsáveis”, e convidaram-nos a mudar os nossos hábitos.  Guiados pelo evangelho de Jesus em Apocalipse 22, 1-6, diante do rio que significa “o puro da vida”, a imagem de Nossa Senhora Aparecida chegou por meio do rio, em uma canoa conduzida por Nilton e Rosangela, moradores locais, enquanto se entoava a música Romaria, de Renato Teixeira.

Com os olhos embarcados pela emoção do momento, foi realizada uma homenagem a Baltazar Ferreira, agricultor, agente da CPT e um dos organizadores da caminhada, pelos trabalhos de preservação das nascentes que realiza. Emocionado, ele agradeceu e expressou gratidão pela realização desses trabalhos em forma de mutirão. “Fico feliz nesta caminhada, porque sempre nas romarias e mutirões temos uma participação de muitos jovens e crianças, além de nós mais velhos, pois serão eles que continuarão este trabalho”, compartilhou.

No Cerrado, as romarias revelam a força da caminhada do povo, que se reúnem para fortalecer suas lutas e partilhar as experiências.  Nesse sentido, os romeiros e romeiras também  expressaram gritos de denúncia contra as ações de destruição do agronegócio, que vem sendo o grande responsável pela violência que atinge o campo.

Para Leila Lemes, coordenadora da Articulação das CPTs do Cerrado e que fez memória das ações realizadas em prol à preservação do bioma em outros estados, a Romaria do Cerrado “tem o compromisso do cuidado com a casa comum, de plantar a semente na terra e cuidar para que ela nasça e dê bons frutos. Mas é também é espaço de denúncia, de externar tudo que nos incomoda, principalmente do avanço descontrolado do agro, que destrói o cerrado, envenena os rios e seca as nascentes”, pontua.

Neste movimento, a 5ª romaria foi realizada para que os caminhantes sentissem o pó da estrada de chão, que ao impacto dos passos dados, deixou a marca dos pés e fez içar a poeira no ar, trazendo à mente a sequidão da terra e também que ao pó um dia voltaremos.

Conflitos no estado

O Mato Grosso, único que contempla os três principais biomas do Brasil – Cerrado, Amazônia e Pantanal, foi o estado que liderou os conflitos por terra em 2021, no centro-oeste. De acordo com os dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, foram registradas 108 ocorrências de conflitos no campo, envolvendo 13.030 famílias. Em um estado cada vez mais dominado pelo agronegócio, em especial pela produção da soja, os principais causadores de conflitos foram os fazendeiros, responsáveis por 15 casos, em seguida os grileiros (11 conflitos).

Um intenso cenário de violência também ocorre quando falamos nos conflitos por água, que sofreu uma escala desde o golpe político, atingindo seu pico nos dois últimos anos do governo Bolsonaro. Os dados subiram de 8, em 2016, para 23 em 2020, e em 2021 registrou 21, também deixando o estado em primeiro lugar no Centro-Oeste. O maior número ocorreu em 2020, quando 3.275 famílias foram afetadas.

É também no Mato Grosso que crescem os casos de doenças causadas pelo uso intensivo de agrotóxicos, em especial o câncer infantojuvenil. Uma recente reportagem aborda o estudo  epidemiológico recente, elaborado pesquisadores do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador e do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso (Neast/ISC/UFMT), investigou a distribuição dos casos de câncer infantojuvenil (0 a 19 anos) pelo estado de Mato Grosso, de 2008 a 2017, e a associação com o uso de agrotóxicos em municípios onde há produção agrícola.

Como resultado, foram registradas mais de 10,9 mil internações por câncer infantojuvenil, sendo que 30% são crianças de 0 a 4 anos. Além disso, 406 pessoas de 0 a 19 anos morreram por câncer, dos quais 30,7%  foram adolescentes e jovens de 15 a 19 anos.

Uso do fogo

Na cadeia de destruição que incide sobre os territórios do Mato Grosso, o fogo faz parte do processo de desmatamento que consolida a conversão da vegetação nativa em pastagens e também cresceu sob Bolsonaro. Só no Cerrado mato-grossense, segundo o Instituto Centro Vida (ICV) foram registrados 38.268 focos de calor entre 2018 e 2022, representando 30,3% do número total, que engloba os demais biomas.

Os dados do Cedoc-CPT de 2021 revelam, ainda, que o estado é o segundo com mais conflitos por terra envolvendo fogo (fala-se aqui de incêndios florestais, queima de roçados, queima de casas, queima de casas de reza e queima de pertences), tendo registrado 22 ocorrências. Ao todo, 47% dos conflitos envolvendo fogo em todo o Brasil ocorreram no Cerrado e em suas áreas de transição, conforme sistematização da Articulação Agro é Fogo.

Veja mais fotos da romaria AQUI

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios estão marcados *

Postar Comentário