Por Ima Vieira*
Há cerca de 20 anos, o cientista, da área de química atmosférica, e ganhador do prêmio Nobel, Paul Crutzen, declarou que tínhamos entrado numa nova época geológica: o antropoceno, um período dominado pelo ser humano. Mudanças observadas no sistema climático, na biodiversidade global e até mesmo nos processos geológicos indicavam que seres humanos tinham alterado radicalmente o planeta. O reconhecimento formal dessa nova época geológica tem sido importante para mobilizar uma ação ecológica mundial.
Tem se destacado a influência crítica do uso da terra nos trópicos sobre o funcionamento dos sistemas terrestres. Os cientistas já demonstraram, por exemplo, as cadeias interligadas de impactos que o desmatamento de florestas tropicais pode ter na biodiversidade, solos, precipitação, temperatura, e o ciclo do carbono em escalas continentais e mesmo planetárias. Dado que os trópicos são hoje alguns dos lugares mais povoados da Terra, sendo o lar de uma diversidade cultural espantosa, incluindo mais de três quartos de todas as línguas, e que em 2050 teremos uma população considerável, essas regiões são críticas para explorar o início do Antropoceno e as implicações para o futuro da humanidade.
Reconhece-se que desde a década de 1960, o sistema socioecológico amazônico encontra-se em fase de contínuo dinamismo, caracterizado pela transição de diferentes fases – passando de um conjunto de ecossistemas relativamente intocado a um mosaico complexo de diferentes usos da terra. Assim como em outros biomas florestais tropicais, na Amazônia há vários elementos de pressão e de impacto humano. Os grandes projetos hidroelétricos, a mineração e o garimpo, a extração madeireira, a agropecuária e a produção agroindustrial contribuem para o contínuo desmatamento e a degradação ambiental na região amazônica hoje, contudo também é necessário olhar para os diferentes desafios ambientais enfrentados pelas cidades, onde vive a maior parte da população amazônica.
Nos debates do antropoceno, é importante destacar que muitos problemas que a humanidade enfrenta são o resultado da nossa incapacidade de conter e controlar completamente as mudanças ambientais que estamos facilitando ou produzindo. No caso da Amazônia, isso inclui, por exemplo: altas taxas de perda de floresta; intensificação das queimadas; enchentes cada vez mais imprevisíveis ligadas às mudanças climáticas; a acumulação de lixo criada pelo consumo de produtos industrializados e a proliferação de doenças em densos assentamentos humanos.
Além de criar novos ciclos ecológicos que podem aumentar a presença de insetos, resíduos, secas e inundações e colocar pressão sobre as populações humanas, as atividades antrópicas também motivam que a população desenvolva técnicas criativas para con(viver) com os problemas ambientais e a falta de apoio do Estado na resolução desses problemas.
Acabar com o desmatamento associado a cadeias de commodities agrícolas para reduzir emissões relacionadas a mudanças de uso da terra, proteger a sociobiodiversidade, contribuir para a segurança hídrica e alimentar, promover o respeito aos direitos dos povos e territórios, além de planejar cidades sustentáveis e resilientes, são desafios a enfrentar. Para isso, arranjos políticos inovadores serão necessários na busca por soluções de problemas ambientais complexos, em uma nova época geológica, caracterizada por intervenções humanas irreversíveis nas dinâmicas do planeta.
Conseguiremos?
*IMA VIEIRA é assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), agrônoma, doutorado em Ecologia pela University of Stirling (UK) e pesquisadora sobre ecologia da Floresta Amazônica. Pesquisadora titular e ex-diretora do Museu Goeldi. Conselheira da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC.