Dom Pedro Brito Guimarães , arcebispo de Palmas – TO e vice-presidente da REPAM-Brasil
Desde que o mundo é mundo, criado por Deus, ouve-se dizer que “o mundo é dos criativos”. E ainda hoje, isto é verdade. Embora muitos teimem e insistam em se contentar com as criações de outrem, é preferível sermos autores, mais do que simplesmente copiadores, consumidores, repassadores, compartilhadores ou apoiadores. Da palavra “autor” vem a palavra “autoridade”. Autoridade é a condição optimal de quem é autor de algo.
Com criatividade, nos dias 20 a 23 de novembro passado, a presidência da REPAM-Brasil, conjuntamente com seus colaboradores – a secretaria, a equipe de comunicação e a assessoria jurídica e de incidência política -, realizaram uma verdadeira romaria ou peregrinação, diríamos nós. Foram 17 Órgãos visitados: Ministério Público Federal, Ministérios da Pesca, da Agricultura, da Justiça, dos Povos Indígenas, das Relações Exteriores, dos Transportes, da Assistência Social e Combate à Fome, do Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente, das Minas e Energia, da Casa Civil, a Secretaria Geral da Presidência, a Secretaria Permanente da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e o Supremo Tribunal Federal. E as pautas foram extensas e diversificadas, produzidas pelas escutas dos territórios, assistidos pela REPAM-Brasil. Para cada Órgão, uma pauta específica. Gastamos tempos, dinheiros, neurônios e solas dos sapatos. Fomos bem recebidos, aceitos, ouvidos e elogiados. Não é todo dia que a Igreja se senta à mesa, em pé de igualdade, com gestores públicos. Aliás, em tempo não muito distante, isto era quase impossível.
Estas visitas coincidiram com quatro fenômenos climáticos brasileiros, complementares e contraditórios: no Sul, as chuvas, as enchentes e os tornados; no Centro-Oeste, as queimadas e os incêndios florestais do Pantanal; no Norte e Nordeste, a seca, os rios secos e a escassez de água; e em todo o Brasil, a onda de calor, fazendo com que o ano de 2023 seja considerado o ano mais quente da história. As crianças, mesmo sendo as que menos têm responsabilidades, são as que mais sofrem com as mudanças climáticas. Parece periférico ou descartável, mas achei legal saber que, entre bonecas, bolas e materiais escolares, as crianças influíram nesses seus pedidos, ao Papai Noel, piscinas. Será efeito das mudanças climáticas? São ingenuidades ou profecias dessas crianças? Vale aqui recordar que diante dos adversários de Deus, sairá da boca das crianças e dos lactantes o perfeito louvor (Sl 8,3).
Aos gestores e aos gabinetes destas Instituições visitadas levamos e deixamos protocoladas as digitais da Amazônia, de seus povos e seus territórios, seus desafios, seus traumas e sonhos. Foram-nos prometidos receber posteriormente as ressonâncias das demandas destas visitas. Estamos em compasso de espera.
A REPAM-Brasil, autora desta ação, com esta atitude, mostrou que, de fato e de direito, é uma rede. E age como rede e não como uma bolha de autoferrencialidade. Não olha para o seu próprio umbigo. Os temas protocolados foram transversais, que dizem respeito, primeiramente, a compromissos do próprio governo e também de toda a Igreja que está na Amazônia. Embora a mídia, inclusive católica, tenha dado destaque, ainda não foi o suficiente, sobretudo, por se tratar de um precedente histórico, criativo e inovador, que precisa ser mais valorizado, mais repetido, na Igreja, interna e externamente.
O mundo é dos criativos, mas é igualmente dos proativos, dos resistentes, dos incidentes, dos ousados, dos audaciosos e dos esperançosos. Aparecida fala de três audácias: a audácia missionária (DAp 273), a audácia apostólica (DAp 552) e a audácia evangelizadora (DAp 549). Estas nossas visitas foram revestidas destas três audácias.
Portanto, do muito que podemos dizer destas visitas, incluo aqui duas incidências: primeiro, a incidência da resistência; segundo, a incidência da grande esperança. Nestas visitas, falamos muito sobre os sinais destas duas incidências. A este respeito, lembrei-me, de memória, de dois fatos bíblicos a que gostaria de reportar aqui para exemplificar o estado de espírito final destas visitas: o primeiro, a experiência dos Recabitas. Os Recabitas eram um grupo de povos originários e tradicionais que, para ser fiéis aos seus ancestrais, não habitavam em casas e nem bebiam vinhos. O profeta Jeremias (Jer, 35,1-18), em nome de Deus, os convidou a uma festa, em uma sala, regada a vinho. Em obediência aos seus pais eles disseram não: nem festa, nem casa e nem vinho (Jer 35,6-7). Deus falou e voltou a falar ao povo e não foi ouvido e nem obedecido (Jer 35,14ss). Os Recabitas foram mais fiéis aos seus ancestrais do que o povo a seu Deus. E o segundo, a grande esperança. Nas entrelinhas, muito se falou desta grande esperança. Ela também está simbolizada no profeta Jeremias (Jer 32,1-ss). Geralmente, em tempo de e em lugar em guerra, não se compra nada. Por causa da Palavra de Deus, Jeremias investiu na esperança: “nesta terra ainda se comprarão casas, campos e vinhedos” (Jer 32,15b).
Por traz da beleza plástica destas visitas a estes Organismos governamentais, me levou a estas duas incidências politicas como conclusão: a resistência: resistiremos, como os Recabitas, a tudo o que não era a vontade de Deus e O fomos fiéis; e a esperança: apostamos na esperança, sonhada pelo Papa Francisco, em nossa Querida Amazônia. O bom e o belo das nossas visitas estão nestas duas essencialidades.