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Invasões de grileiros e madeireiros no território demarcado “vêm piorando com a aprovação da lei 14.701, que normatiza o marco temporal”, relatam os indígenas em carta entregue ao ministro

Por Assessoria de Comunicação do CIMI e CIMI Regional Rondônia

Na tarde do dia 23 de fevereiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin recebeu representantes do povo Karipuna em Porto Velho (RO). Durante a reunião, Fachin escutou o clamor do povo Karipuna, na voz da matriarca do povo, Katika Karipuna, e da liderança Adriano Karipuna, que relataram as inúmeras violências e violações de direitos que os indígenas vêm sofrendo em seu próprio território.

Uma carta em nome do povo Karipuna também foi entregue ao ministro, com uma série de pedidos e reivindicações – entre elas, a desintrusão da Terra Indígena (TI) Karipuna, amplamente invadida por grileiros e madeireiros, e a declaração da inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, que inviabiliza demarcações, determina a aplicação a tese do marco temporal e abre as terras já demarcadas para a exploração econômica predatória.

Os Karipuna foram recebidos na Faculdade Católica de Rondônia, em Porto Velho (RO), onde o ministro Fachin foi homenageado e recebeu o título de Doutor Honoris Causa. O arcebispo de Porto Velho e ex-presidente do Cimi, Dom Roque Paloschi, também participou da reunião.

“Nossa terra tem muita invasão, muitos madeireiros. A gente tem medo, eles [os invasores] querem matar nós todos”, relatou Katika, matriarca do povo e uma das oito sobreviventes do contato que quase dizimou os Karipuna, na década de 1960.

“Queremos agradecer ao senhor, que disse não ao marco temporal. Mas, infelizmente, virou uma lei”, refletiu Adriano Karipuna, referindo-se à Lei 14.701/2023. “Isso também acarretou e acelerou o processo de invasão e grilagem dentro do território indígena Karipuna, que já é homologado desde 1990”.

“Estamos em iminência de um genocídio, em decorrência dessas atrocidades que estão acontecendo dentro do território. Além disso, esse desmatamento tem nos afetado na questão econômica, na alimentação, dentro outros [aspectos]. Temos medo de ser assassinados a qualquer momento”, relatou a liderança.

Os grileiros firmam sua presença na terra, através da grilagem de terra, com pastos plantados em lugares antes denunciados e o roubo de madeira em lugares já denunciados inúmeras vezes. Essa situação vem piorando com a aprovação da lei 14.701

O ministro Fachin escutou atentamente as lideranças e reafirmou a defesa dos direitos constitucionais indígenas, mencionando a dívida que o Estado brasileiro tem com os povos indígenas.

“Agradecemos seu compromisso com a defesa dos povos indígenas”, reconheceu Dom Roque Paloschi. O arcebispo também mencionou a importância do STF reafirmar a inconstitucionalidade da Lei 14.701.

Apesar de inconstitucional, a lei vigora em sua integralidade desde o dia 28 de dezembro de 2023, quando foi promulgada pelo Senado Federal, com graves consequências para os povos originários de todo o país.

“Os grileiros firmam sua presença na terra, através da grilagem de terra, com pastos plantados em lugares antes denunciados e o roubo de madeira em lugares já denunciados inúmeras vezes”, relatam os Karipuna no documento entre ao ministro. “Essa situação vem piorando com a aprovação da lei 14.701, que normatiza o marco temporal”.

Os indígenas avaliam que, apesar das inúmeras denúncias realizados e diversas decisões judiciais, inclusive do próprio STF, prevendo a proteção e a fiscalização da TI, “não há uma eficácia na retirada dos invasores, ocorrendo operações que não surtem efeitos, uma vez que não existe uma Base Permanente para fazer a fiscalização da Terra Indígena”

O documento também ressalta que, apesar das denúncias recorrentes acerca da presença de indígenas em isolamento voluntário na TI Karipuna, ainda não houve medidas do setor de índios isolados da Funai “para a proteção dos isolados e retiradas dos invasores”. Os indígenas registram que as denúncias sobre este tema são feitas desde pelo menos 2021.

“Novamente denunciamos a falta de eficácia do Estado Brasileiro em garantir o direito constitucional, que é a proteção territorial e a proteção física dos povos isolados e nossa”, afirmam os Karipuna na carta.

“Será vergonhoso ao Estado brasileiro se chegarmos ao ponto de deixar nosso território. Os órgãos públicos não fizeram nem a metade do que disseram que fariam”

Incidência internacional

Na mesma semana do encontro com o ministro Edson Fachin, André Karipuna, cacique do povo Karipuna de Rondônia, foi recebido por representantes de pelo menos 14 embaixadas e de diversos órgãos do poder público. Na pauta, também neste caso, a situação de extrema vulnerabilidade tanto do povo como dos indígenas em isolamento voluntário que se refugiaram no território.

Apesar da TI Karipuna já estar demarcada e homologada desde a década de 1990, o descaso do governo frente às frequentes invasões de madeireiros, grileiros e fazendeiros traz o risco de extinguir os povos ali presentes.

“Será vergonhoso ao Estado brasileiro se chegarmos ao ponto de deixar nosso território. Os órgãos públicos não fizeram nem a metade do que disseram que fariam”, relatou André. Hoje, cerca de 60 indígenas, dentre jovens, anciãos e crianças, vivem no território demarcado – e ameaçado pelos invasores.

“Há nove anos, a gente vem para Brasília para denunciar aos órgãos federais dos ataques sofridos pelos grileiros em nosso território, que tentam dizimar o povo Karipuna”, relatou o cacique, fazendo eco às denúncias apresentadas por seus parentes ao ministro Edson Fachin.

Leia a íntegra do documento entregue pelos Karipuna ao ministro:

Porto Velho, 23 de fevereiro de 2024

Ministro Edson Fachin
Supremo Tribunal Federal

Prezado Senhor,

O Território Karipuna, situado entre o município de Nova-Mamoré e de Porto Velho, no estado de Rondônia, terra demarcada, homologada e registrada, sofre desde 2015, quando se produziram as primeiras denúncias das intensas invasões, expressa na política de extermínio histórico contra o povo Karipuna. Somos afetados e impactados de todas as formas, por grandes empreendimentos, pelo avanço do agronegócio, pela grilagem de terra e o roubo de nossos recursos naturais, com a extração de madeira, roubo de castanhas e de peixe.

Desde 2017 o povo denuncia a grilagem de terra, na TI Karipuna, por todo o seu quadrante, com entradas ilegais, algumas os acessos são por fazendas com porteiras fechadas. Os Karipuna e o Cimi vêm denunciando em nível local, nacional e internacional as inúmeras violências e violações de direitos que os Karipuna vem sofrendo e a destruição da terra indígena, com os desmatamentos frequentes para o plantio de pasto, que serve como meio para os invasores garantir a posse da terra.

Os dados governamentais e do INPE, divulgam as baixas no desmatamento, mas infelizmente, os órgãos governamentais não divulgam o aumento da grilagem de terra no interior das terras indígenas e a pressão pelo agronegócio, com o novo ciclo colonizatório, que é o projeto de desenvolvimento Sustentável Madeira e Abunã, que é o aumento do agronegócio e que avança ilegalmente sobre nossa terra. Os dados governamentais podem comprovar a diminuição do desmatamento na TI Karipuna, mais não é o que se vê no dia a dia no território, que os grileiros firmam sua presença na terra, através da grilagem de terra, com pastos plantados em lugares antes denunciados e o roubo de madeira em lugares já denunciados inúmeras vezes. Essa situação vem piorando com a aprovação da lei 14.701, que normatiza o marco temporal pelo Senado Federal.

Apesar das inúmeras denúncias e uma ação judicial ter transitado em julgado, citamos a ADF 709, do STF, que prevê fiscalização e retirada dos invasores, garantindo a proteção da T. I. Karipuna e outra em curso, não há uma eficácia na retirada dos invasores, ocorrendo operações que não surtem efeitos, uma vez que não existe uma Base Permanente para fazer a fiscalização da Terra Indígena, deixando em situação de extrema vulnerabilidade os Karipuna e os povos isolados, que vivem no interior da mesma.

Outro ponto denunciado diversas vezes, com provas da existência de povos isolados no norte e na parte sul da terra, até o presente momento as incursões da equipe do setor de índios isolados da Funai não criou medidas para a proteção dos isolados e retiradas dos invasores, denúncias estas apresentadas em agosto de 2021, no ano 2022 quando uma comitiva do povo se deslocou até Brasília e em diversos documentos protocolados no ano de 2022 e três documentos protocolados já em 2023.

Estamos indignados e novamente denunciamos a falta de eficácia do Estado Brasileiro, em garantir o direito constitucional, que é a proteção territorial e a proteção física dos povos isolados e nossa. Já passa mais de um ano do novo governo e até o presente momento, pouco e nada foi feito. Diante do exposto solicitamos urgente:

  1. Retirada dos invasores, com uma equipe de fiscalização e proteção territorial permanente T. I. Karipuna, por todo o entorno da terra indígena e a retirada dos invasores e a reparação dos danos ambientais.
  2. Que se reative a base de proteção e fiscalização na T. I. Karipuna, destruída pelos invasores, como retaliação a comunidade e a contratação de pessoas da comunidade, para receber pelo trabalho de proteção e fiscalização que já fazem de forma permanente na T. I. Karipuna.
  3. Que haja uma base de Proteção aos povos isolados e ao povo Karipuna.
  4. Que seja liberado em caráter de urgência, o recurso da compensação pelos impactos sociais e ambientais, resultantes do Complexo do Madeira.
  5. Que haja a desintrução da T. I. Karipuna, com a identificação de todos grileiros que estão desmatando e marcando lotes, assim como quem financia tais pessoas.

Diante do exposto, aguardamos celeridade no que diz respeito às demandas do povo Karipuna e a ação do Supremo Tribunal Federal, com relação a ADPF 709 e medidas tangíveis par coibir a inconstitucionalidade da Lei 14.701, que normatizou a ilegadade do marco temporal, tendo grande prejuízo para a integridade física, cultural e territorial do nosso povo e dos povos isolados que vivem constantemente ameaçados de um genocidio, pela presença do crime organizado que comanda as ações dentro e no entorno do território.

Atenciosamente,

 

Eric One Karipuna
Liderança

Adriano Karipuna
Liderança

 

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