Por Melillo Dinis do Nascimento, assessor jurídico e de incidência política da REPAM-Brasil
A batalha do “marco temporal” no Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou uma nova força com sua definição provável neste mês de setembro. Ao menos quanto aos aspectos de sua constitucionalidade. Vamos aos fatos recentes. A semana passada terminou com o seguinte placar: o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365 foi suspenso após o plenário alcançar placar de 4 votos a 2 contra a tese. Até o momento, os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Cristiano Zanin se manifestaram contra o marco. Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor. Faltam julgar os seguintes ministros: Rosa Weber, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luiz Fux. Nada está resolvido até alcançar a maioria, de 6 votos!
Alguns dados importantes. O litígio em análise envolve a posse de áreas que teriam ocupação tradicionalmente indígena. De um lado, povos indígenas querem provar que têm direito a determinadas terras, por uma questão de tradicionalidade. De outro, o que se busca é o estabelecimento de um “marco temporal”, uma data, a partir da qual as terras que não estivessem ocupadas por indígenas não pertenceriam a eles. A proposta é que este marco seja a data da promulgação da atual Constituição Federal: 5 de outubro de 1988. Assim, povos indígenas só poderiam lutar pela demarcação das terras que provarem estar sob sua posse nesta data. O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da terra é questionada pela Procuradoria do Estado.
Para os povos indígenas, para a maioria dos especialistas, para parte dos constitucionalistas, a tese do “marco temporal” é um absurdo, criação e criatura que representa retrocesso jurídico, equívoco político, deslegitimação democrática e violência nos territórios. Como acontece com frequência na história brasileira, a criatura pode-se transformar num monstro. E aqui cabe uma explicação.
O ministro Alexandre de Moraes, em seu voto, abriu a possibilidade de uma indenização para os ocupantes dos territórios indígenas, muitos de boa-fé, que criou três cenários: a rejeição total do marco temporal que é a posição do relator, ministro Edson Fachin; a sua confirmação, posição hoje minoritária, exposta nos votos de Nunes Marques e André Mendonça; e uma posição intermediária, que apesar de rejeitar a tese, cria o mecanismo indenizatório, para que a União e/ou os Estados possam estabelecer instâncias e burocracias, muitas delas intermináveis, como a experiência do Estado brasileiro com o tema dos Quilombolas tem demonstrado na prática.
Há a esperança de que o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirme os direitos à vida promulgados pela Constituição, de 1988. É necessário superar as iniciativas de estímulo à instabilidade e polarização. Normas estéreis para a demarcação de terras indígenas representam um grave retrocesso nas garantias democráticas e republicanas de um ordenamento jurídico-legal baseado na cidadania, na justiça e no reconhecimento das melhores tradições, das experiências históricas e das evidências científicas que compõem o vasto acervo de conhecimentos, saberes e práticas que nos identificam como brasileiros e brasileiras.
Mas temos que lutar. A precisão é que o jogo só termina no próximo dia 20 de setembro. Até lá, há muito a ser feito. Nada foi alcançado sem mobilização e sem profunda articulação entre o local e o nacional, o presente, o passado e o futuro, nossa condição ancestral e nossa defesa dos povos, das culturas, da paz, dos biomas e da Criação.