Prof. Matthias Grenzer

RESUMO: O Livro de Jonas se distingue por sua riqueza literária e relevância teológica, articulando uma narrativa que contrapõe a vontade humana à soberania divina por meio dos deslocamentos entre terra e mar. Temas como rejeição, conversão e a busca pela presença de Deus estruturam a trama, evidenciando a interação entre Criador, criação e personagens. O ponto culminante do relato encontra-se na revelação da Missio Dei, destacando a compaixão e a misericórdia divinas em contraste com as expectativas humanas de justiça retributiva. A construção narrativa, que integra elementos animados e inanimados, conforma um fluxo ecoteológico no qual a missão divina de conversão e salvação se manifesta. Além disso, o livro desafia seus leitores por meio de recursos literários como a paródia satírica, a ironia e a ficcionalidade, conferindo-lhe um caráter pedagógico e provocador. Esta pesquisa propõe uma reflexão teológica e crítica sobre a relação entre Deus, a humanidade e o restante da criação na narrativa de Jonas.

INTRODUÇÃO

Então o SENHOR dispôs que surgisse um grande peixe que engolisse Jonas. Jonas esteve nas entranhas do peixe durante três dias e três noites (Jn 2,1).[1]

O Livro de Jonas é uma obra bíblica de grande relevância, amplamente comentada e ilustrada ao longo da história. Sua narrativa transcende o campo acadêmico, marcando presença não apenas em críticas, comentários e análises literárias, mas também na arte, literatura popular e até mesmo em brinquedos e jogos, alcançando públicos tanto adultos quanto infantis. O impacto cultural do livro é evidente, e sua história figura em diversas obras, como, por exemplo, no célebre Moby Dick, de Herman Melville, conforme Patrícia Fachin[2].

Ao longo dos séculos, o Livro de Jonas passou por uma complexa trajetória de edição, redação, canonização, tradução e interpretação, tanto em contextos religiosos quanto seculares. Esta jornada reflete a adaptabilidade e a influência duradoura da obra, que continua a ressoar em diversas culturas e épocas.

Dada sua ampla disseminação, não é surpresa que muitas visões e interpretações tenham surgido ao redor dessa narrativa, considerada uma das mais conhecidas da Bíblia Hebraica. Entre as discussões mais recorrentes, se destaca a questão sobre seu gênero literário: o Livro de Jonas seria uma história real ou uma fábula com fins pedagógicos? Essa dúvida permeia não apenas os círculos acadêmicos, mas também o imaginário coletivo.

Este estudo, no entanto, não se restringirá a uma análise literária do Livro de Jonas. O objetivo principal será investigar os elementos da criação — tanto animados quanto inanimados — presentes na narrativa e analisar como esses elementos colaboram na Missio Dei. A pesquisa procurará entender como Deus mobiliza a natureza e fenômenos extraordinários para cumprir sua missão no mundo, demonstrando o papel ativo da criação no plano divino.

Ainda assim, o próximo capítulo oferecerá uma breve análise literária e do gênero do Livro de Jonas, com base nos principais estudos sobre esta obra. Essa análise fornecerá o suporte teórico necessário para a abordagem adotada nesta pesquisa.

O estudo está dividido em 4 capítulos: 1. Uma fábula ou uma história real?, 2. O filho de Amitai, 3. Missio Dei: A missão de Deus na teologia e na narrativa de Jonas, 4. A ecoteologia no Livro de Jonas.  Os dois primeiros capítulos tratarão da contextualização literária da narrativa, como base da análise, e os dois últimos capítulos abordarão o objeto da pesquisa, a Missio Dei e a ecoteologia presentes no Livro de Jonas. As citações bíblicas são da versão A BÍBLIA da Editora Paulinas.[3]


[1] A pós-modernidade pode ser entendida como um conjunto de transformações sociais, culturais, artísticas, filosóficas, científicas e estéticas ocorridas após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a pós-modernidade, segundo Zygmunt Bauman, é uma continuidade da modernidade sob a perspectiva da “modernidade líquida”, marcada pela fluidez nas relações sociais, identidades e instituições. Essa era é caracterizada pela fragilidade dos laços comunitários, pelo individualismo e por um mercado de trabalho precário e flexível (cf. BAUMAN, Z. Modernidade líquida. 2001, p. 7-15).

[2] Trecho da música “Andar com fé” de Gilberto Gil.


[1] Em algumas versões/traduções bíblicas este verso aparece deslocado para o final do capítulo 1, verso 17. Como, por exemplo, na Almeida Nova Atualizada, King James Fiel, Tradução Ecumênica Brasileira, etc. Esta diferença na numeração dos versículos em Jonas 1 ocorre devido a uma variação na divisão do texto entre as traduções hebraicas, que apresenta Jonas 1 com 16 versículos, e gregas que seguem a tradição da Septuaginta e incluem Jn 2,1 como Jn 1,17. No entanto, esta divisão dos capítulos e versículos não produz impacto no conteúdo do texto.

[2] FACHIN, P. Moby Dick: a homilia do padre Mapple para os mortos. 2022. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/categorias/617033-moby-dick-a-homilia-do-padre-mapple-para-os-mortos/> Acesso em: 05 fev. 2025.

[3] A BÍBLIA. São Paulo: Editora Paulinas, 2023. Ver o Apêndice.

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