Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas – TO
“Não tenhas medo. Eu sou o Primeiro e o Último, aquele de vive. Estive morto, mas agora estou vivo pelos séculos dos séculos. Eu tenho a chave da Morte e do Hades” (Ap 1,18).
ouvado seja Deus, porque chegou a Páscoa, que significa passagem. Passamos, pela Páscoa, de uma margem para outra da vida. É que a vida, como nós a conhecemos, tem duas partes: a parte da vida física e biológica e a parte da morte física e da vida eterna. Todos nós passamos por estas duas partes da vida. Através de Páscoa passamos da vida para a morte e da morte para a vida eterna. Nestas poucas linhas que seguem, queremos revisitar o Mistério Pascal na ótica da esperança cristã.
Fala-se muito em morte e pouco menos em ressurreição. É que a morte constitui um dos assuntos mais temidos, mais comentados e mais discutidos, em todos os arcos da vida, em todas as culturas e etnias. Nada se iguala à morte, em matéria de medo, de comoção e de sentimentos de dor, tristeza, luto e condolência. Todo ser humano, também os outros seres vivos, temem a morte. Há um silêncio, um segredo guardado a sete chaves, um enigma, que nenhum sábio, cientista ou prático conseguiu ainda decifrar. Só Jesus Cristo. Por que morrer? E se morrer, o que será? Para onde se vai? Até Deus sente a morte: “É sentido por demais pelo Senhor a morte de seus santos, seus amigos” (Sl 115/116,15). Jesus também, no alto da cruz, a temeu: “Meu Pai, se possível, afaste de mim este cálice” (Mt 26,39).
Para São Lucas, Jesus não morre simplesmente: “entrega o seu espírito” (Lc 23,46). E para São João, a morte é “passar deste mundo para o Pai” (Jo 13,1); e “estar consumado”, (Jo 19,30). “Jesus morreu de vida. Jesus ressuscitou de tanto viver” (Padre Adroaldo Palaoro SJ). Segundo o Padre Adroaldo, no grego, “cruz” é “staurós”; e tem dois significados: de um lado, é patíbulo, instrumento de tortura imposta; e de outro, é prontidão, estar preparado, mobilizado, firme, sólido, estar de pé, ser fiel até o fim.
Mas, eu não queria falar simplesmente de morte. Queria falar de vida, de vida eterna, de ressurreição. Porque não há simplesmente morte. Há também ressurreição. E esta é a esperança cristã. O Papa Francisco, na Evangelli Guadium, pede que “não deixemos que nos roubem a esperança” (EG 86). Como podemos nos
precaver do roubo da esperança? De muitos modos. Um destes modos é a esperança cristã. E é esta a esperança que, de fato, não decepciona (Rm 5,5).
“A esperança é a ancora da alma, segura e firme” (Hb 6,19). A esperança tem sua origem na incerteza e por base a fé de Abraão que, mesmo contra toda a esperança humana, esperou e acreditou (Hb 11,17-19). É por esta razão que Abraão se tornou para o povo eleito um modelo de fé e de esperança. Neste sentido, afirma Santo Agostinho: “De nada desesperes enquanto estás vivo. Nada estará perdido enquanto estivermos em busca. Quanto maior a esperança, tanto maior a união com Deus”. O mesmo disse São Paulo: “Agora, irmãos, não queremos que ignorem o que acontecerá aos que já morreram para que não se entristeçam como aqueles que não têm esperança” (1Ts 3,13).
Costumo dizer que a fé é a teóloga, a canonista ou a catequista que sabe tudo. O amor é a mãezona que aguenta e suporta tudo. E a esperança é a adolescente, a louquinha da casa (a menininha, segundo Charles Péguy) que mexe com tudo e não deixa nada no seu lugar. A esperança cristã nasce do Mistério Pascal de Jesus Cristo (Rm 5,10). Cristo é nossa Páscoa (1Cor 5,7) e a nossa esperança (1Tm 1,1) viva, atuante e esperante. O Mistério Pascal de Nosso Senhor Jesus Cristo (At 10,37-41), ephapax: “uma vez por todas” (Hb 9,12.28), do qual somos testemunhas, deve ser anunciado até os confins da terra (At 1,8), como peregrinos de esperança. O Catecismo da Igreja Católica diz textualmente que “a esperança é a virtude teologal pela qual desejamos o Reino dos céus e a vida eterna como nossa felicidade, pondo toda a nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo” (CIC 1817).
Pecamos muito contra a esperança, por causa de nossas suscetibilidades, nossos pessimismos, desesperos, cansaços e descrenças. A esperança é o bálsamo que Deus derrama nas nossas mentes, nos nossos corações e nossos túmulos. Mas onde encontrar a esperança cristão da ressurreição? Não encontramos a ressurreição simplesmente contemplando o rosto de uma pessoa morta e nem simplesmente visitando a um túmulo, em um cemitério qualquer. Ressurreição não é para ser vista, narrada, falada e escrita. Ressurreição é para ser vivida, crida e celebrada. Encontramos ressurreição na vida, na fé e na esperança.
Como celebrar a Páscoa, na ótica da esperança cristã, neste Ano Santo Jubilar, qual peregrino de esperança? Pegue seu caderno e sua caneta, seu computador ou seu celular e anote aí os sinais de esperança cristã para esta sua Páscoa, como nos pede o Papa Francisco, na Encíclica Spes non Confundit: 1. A paz em um mundo ferido e doente, por causa de tantas guerras (n. 8); 2. O desejo de transmitir vida, através de filhos e filhas para Deus, ajudando as crianças, caso não possa ter filhos (n. 9); 3. Visita e ajuda aos presos (n.10); 4. Orações e visita aos doentes, em casas ou nos hospitais (n. 11); 5. Promover os jovens (12); 6. Acolhida aos migrantes (13); 7. Apoio e ajuda aos idosos (n. 14); 8. Ajuda aos pobres (n. 15); 9. Atos concretos em favor da Ecologia Integral; 10. Em tudo, por meio de uma vida ressurgida e ressignificada, contemplar, no seu dia-a-dia, os sinais de Ressurreição.
Quem fizer uma ou todas estas ações estará celebrando a Páscoa como peregrinos de esperança. Uma feliz Páscoa de Ressurreição para todos e para todas!