*Ir. Alessandra de Jesus Reis Barbosa
Elas são a voz de suas comunidades, e sua participação nos espaços de decisão é essencial para fortalecer a luta por territórios livres e dignidade para os povos tradicionais
A luta pela proteção dos territórios amazônicos passa, inevitavelmente, pela força e pela resistência das mulheres que habitam essas regiões. Nas comunidades quilombolas, essa presença se faz ainda mais expressiva, pois são as mulheres que sustentam a cultura, garantem a segurança alimentar e enfrentam, diariamente, os desafios impostos pela mineração, pelo agronegócio e pela falta de políticas públicas adequadas.
Diferentemente de outras comunidades amazônicas que lutam contra os impactos da mineração, os territórios quilombolas da Diocese de Bacabal, no Maranhão, enfrentam uma outra batalha: a expansão do agronegócio e o uso indiscriminado de agrotóxicos. Esse avanço coloca em risco as lavouras tradicionais, as áreas de extrativismo das quebradeiras de coco e, sobretudo, a saúde das comunidades locais. O despejo aéreo de substâncias tóxicas não apenas contamina o solo e os alimentos, mas afeta diretamente as pessoas, principalmente crianças, que acabam crescendo expostas a esses produtos nocivos
A degradação ambiental provocada pelos agrotóxicos compromete a fertilidade do solo, ameaçando a soberania alimentar das futuras gerações. É um ciclo de impactos que afeta não só a produção de alimentos, mas também a própria sobrevivência das comunidades quilombolas.
As mulheres têm desempenhado um papel fundamental na articulação e na resistência das comunidades quilombolas. Projetos como o Quilombando e Semeando Artes, apoiado pela REPAM-Brasil, demonstram como a organização coletiva pode transformar realidades. Esse projeto, que nasceu de uma iniciativa da Pastoral da Criança há mais de 20 anos, incentivou a produção de hortaliças e garantiu a inclusão dos produtos quilombolas no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), fortalecendo a segurança alimentar e a economia local.
A resistência feminina não se limita à produção de alimentos. As mulheres quilombolas estão cada vez mais presentes em espaços de decisão, ainda que de forma desproporcional ao impacto que exercem na sociedade. Elas são líderes, guardiãs do conhecimento tradicional e protagonistas na defesa dos territórios.
Sendo quem são, sem abrir mão daquilo que as caracteriza como quilombolas ou quebradeiras de coco, elas tornam visíveis seus espaços e reforçam sua presença na luta pelos direitos. No caso das quebradeiras de coco, a Lei do Babaçu Livre garante o direito de acessar propriedades privadas para realizar a extração do coco. Contudo, muitos fazendeiros ainda impedem essa prática, desrespeitando a legislação. Assim, é fundamental que as quebradeiras fortaleçam sua organização para garantir o cumprimento dessa lei e não se deixem intimidar pelos grandes proprietários de terra.

Já as mulheres quilombolas precisam continuar levando seu grito de luta e reivindicando a garantia de seus direitos, como a posse da terra e o respeito à sua cultura e identidade. Elas são a voz de suas comunidades, e sua participação nos espaços de decisão é essencial para fortalecer a luta por territórios livres e dignidade para os povos tradicionais.
A proteção da Amazônia e de suas comunidades tradicionais depende de um compromisso coletivo com a justiça socioambiental. É fundamental fortalecer a luta pela regularização fundiária, garantir políticas públicas eficazes para ampliar os espaços de participação das mulheres quilombolas nos processos de decisão.
Muitos territórios quilombolas no Maranhão já foram reconhecidos oficialmente, mas a garantia de seus direitos ainda está longe de ser uma realidade plena. A presença de grandes proprietários de terras que ameaçam e intimidam os quilombolas é um problema constante. É urgente que haja um reforço nas políticas públicas voltadas para essas comunidades, assegurando não apenas a titularidade da terra, mas também o acesso a serviços essenciais como a educação e a infraestrutura.
As vozes femininas que ecoam na defesa da Amazônia são a esperança de um futuro mais justo, onde os direitos dos povos tradicionais sejam reconhecidos e respeitados. O desafio é grande, mas a resistência é maior.
Ir. Alessandra de Jesus Reis Barbosa é quilombola, faz parte da Congregação das Servas do Amor Misericordioso e Assessora das Pastorais Sociais da Diocese de Bacabal.