*Por Padre Justino Sarmento Rezende

No Dia Internacional da Língua Materna, realizado em 21 de fevereiro, somos chamados a refletir sobre a importância das línguas indígenas não apenas como meios de comunicação, mas como expressões vivas da espiritualidade, da filosofia e da relação dos povos originários com o cosmos.
Para os povos indígenas, a língua materna não é apenas um conjunto de palavras. Ela é um código sagrado que traduz nossa visão de mundo, nossa conexão com os espíritos da floresta, com as águas, com os pássaros e com os seres encantados que habitam os diferentes patamares da existência. Quando um indígena fala sua língua, ele invoca saberes ancestrais, transmite ensinamentos que não estão apenas na oralidade, mas na vibração das palavras, no ritmo das melodias e nos significados ocultos que só fazem sentido dentro do nosso modo de ser e viver.
A perda de uma língua materna não é apenas um dano cultural, mas um rompimento com essa cosmovisão. Quando um jovem indígena deixa de falar a língua de seus avós, ele perde mais do que vocabulário: ele se distancia das histórias que moldam sua identidade, das rezas que protegem seu caminho e dos cantos que orientam sua jornada espiritual.
Durante muito tempo, a colonização impôs às nossas comunidades um silêncio imposto. As escolas proibiram o uso das línguas indígenas, as igrejas negaram seu valor espiritual e a sociedade tentou nos convencer de que só seríamos aceitos se falássemos português. Essa tentativa de apagamento linguístico é uma forma de etnocídio, pois ao negar nossa língua, nega também nossa existência plena enquanto povos.
No entanto, resistimos. Hoje, muitos jovens estão redescobrindo suas línguas maternas por meio de escolas indígenas, universidades e iniciativas comunitárias. O processo de escolarização, que antes afastava as novas gerações de suas raízes linguísticas, agora pode ser um caminho para fortalecê-las. Mas para isso, é necessário que o Estado e a sociedade reconheçam a urgência dessa valorização, investindo na produção de materiais didáticos bilíngues, na formação de professores indígenas e no incentivo ao ensino das línguas originárias desde a infância.
A Igreja também tem um papel essencial nesse resgate. Historicamente, houve momentos em que missões religiosas desestimularam o uso das línguas indígenas, mas hoje há um movimento contrário, que busca reconhecimento e promoção da diversidade linguística como parte da riqueza do povo de Deus. A criação da Rede de Escolas Interculturais da Amazônia e o fortalecimento da Conferência Eclesial da Amazônia são sinais de que há um caminho de reposição e compromisso com os povos indígenas e seus direitos.
Que este Dia Internacional da Língua Materna nos inspire a fortalecer essa luta. Falar nossa língua é afirmar nossa existência. Preservar-la é garantir que as futuras gerações possam continuar dialogando com os encantados, cantando para os rios e contando ao mundo que estamos aqui, de pé, com nossa voz, nossa fé e nossa identidade intactas.
Este artigo foi lido, numa atividade didática da aula de Cultura Religiosa da PUC-Rio, sob a
orientação do Prof. Claudio Jacinto. Segue o comentário do nosso grupo:
O artigo cita a importância da língua materna para os indígenas além da fala. Esse relaciona esta ligação ao contato com o sagrado, além da transmissão de ensinamentos passados. Assim, celebrar e valorizar as línguas maternas e originárias, também pela visão decolonial, vai além do fator linguístico- é memória, cultura, resistência e identidade. Através da criação da Rede de Escolas Interculturais da Amazônia e o fortalecimento da Conferência Eclesial da Amazônia, a Igreja segue com projetos que vão contra o Epistemicídio, em tentativas de diminuir um dano já causado anteriormente.
Alunos: Gabriela Weber, Nicole Verdan e Pedro Schuman