Teve início na manhã desta segunda,25, a Assembleia Anual Ordinária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em formato virtual. A pauta introdutória foi dedicada a uma análise da Conjuntura social e eclesial, teve como assessor o bispo de Carolina, MA, dom Francisco Lima Soares, também coordenador do Grupo de Análise de conjuntura da CNBB.
Com o tema “Os clamores do meu povo”, a análise foi inspirada nos documentos da Igreja do Brasil “Eu ouvi os clamores do meu povo: a realidade do Nordeste, em 1973” e “Y-Juca-Pirama, o índio: aquele que deve morrer”.
A conjuntura política brasileira e as eleições, a grave crise econômica social, um mundo sem paz, muitas guerras, pouca democracia, religião e política, eleições, foram os pontos chave nos quais se fundamentou a análise.
Um mundo sem paz
De acordo com os analistas não é possível diagnosticar a realidade brasileira sem levar em conta um mundo em constante transformação. Provavelmente as questões visíveis do contexto mundial de 2022 decorram do conjunto de guerras e conflitos que violentam povos e comunidades ao lado de uma pandemia que ceifou milhões de vidas em todo o planeta. Ademais a globalização e as mudanças fundadas nos avanços do conhecimento científico e da tecnologia impactam a cultura, a economia, a política, a ciência, a educação, o esporte, as artes e não diferentemente, a religião.
Uma crise de sentido assola o ser humano devido à diversidade de pontos de vista, de opiniões, de informações, disfarçada de ‘multiculturalidade’, e que não resolve a ausência de um significado unitário para tudo o que existe. O individualismo, endeusado pelo neoliberalismo enfraquece as relações comunitárias e causa uma radical transformação do tempo e do espaço.
Um mundo em guerra refúgio e migração em massa
Dom Francisco fez memória do grave conflito entre a Rússia e a Ucrânia que enfraquecem a paz, mas ressaltou que, conforme Relatório do Projeto de Dados de Localização e eventos de Conflitos Armados, outros 28 países estão em guerra ou registram combates armados em 2022. Países como Iêmem, Nigéria, Síria Mianmar e Somália lideram estes registros, além da Ucrânia, o que gerado milhares e milhões de pessoas em situação de migração e refúgio e vítimas civis.
Democracia em baixa
A análise afirma, ainda, que a democracia em fase de significativa turbulência, teve um crescimento numérico no período compreendido pelas duas décadas finais do séc. XX e as duas década iniciais do séc. XXI (1980-2000 e 2000-2019).O aumento de países ‘democráticos’ tem suas raízes na transição dos países comunistas do Leste Europeu , ao fim das ditaduras latino-americanas e à criação de instituições democráticas em diversos países africanos recém-independentes. Mas quando se analisa os principais indicadores internacionais sobre a evolução da qualidade da percepção das democracias em âmbito global ou regional, o cenário não é dos melhores. Há em todo o mundo uma ideia de recessão democrática.
A grave crise social e econômica que assola o país
Embora seja um país rico, o desenvolvimento socioeconômico encontra-se travado na posição de 13º país no ranking do PIB mundial: agravou-se o processo de desindustrialização, exacerbou-se o desemprego, a desocupação e a extrema desigualdade social, com alarmante aumento de famílias em situação de rua em todas as cidades do país, sobrevivendo à custa de lixos e ossos.
A conjuntura econômica e política de 2022
A economia, segundo os analistas, continuará crescendo pouco ou nada no ano que decorre, prevendo um aumento de apenas 0,5%. Se prevê, ainda, a possibilidade de uma queda do PIB frente à piora do cenário internacional, agravado com a guerra da Ucrânia.
A aparente melhora das taxas de ocupação e de subutilização da força de trabalho, 27,3 milhões de pessoas, observada a partir do auge da crise provocada pela Covid-19, em 2020, não foi acompanhada de melhoria do rendimento médio real dos ocupados, segundo o gráfico abaixo apresentado pelo grupo.
O negócio agropecuário em detrimento do bem-estar povo brasileiro
O assessor trouxe, também, ao conhecimento dos bispos dados sobre o impacto do agronegócio na vida diária das famílias brasileiras, especificamente aquelas que se encontram à margem do sistema, frisando que No “celeiro do mundo”, onde o agronegócio bate recordes de exportação e lucros para as grandes corporações, mais da metade dos lares (55,2%, ou 116,8 milhões de pessoas) sofre com a insegurança alimentar, ou seja, não possui acesso pleno e permanente a alimentos. A insegurança alimentar “moderada ou grave” atinge 43,4 milhões de pessoas (20,5% da população, que não têm acesso a alimentos em quantidade suficiente), e 19,1 milhões se encontram na chamada “insegurança alimentar grave”, ou seja, passam fome.
A fome no Brasil tem gênero, cor, endereço e escolaridade
A situação de fome predomina entre a população feminina, solteira, moradora das periferias urbanas ou de áreas rurais, com baixa escolaridade (ou analfabeta), pobre, negra, quilombola e indígena (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, 2021)
O espectro da fome e da insegurança alimentar, que vinha sendo reduzido nos anos pré-pandemia, voltou a se agravar e castigar a população do país. Em março de 2022, a quantidade de comida em casa era insuficiente para 24% dos brasileiros49, ainda como reflexo da volta do país ao mapa da fome da ONU a partir de 2018, após ter saído em 201450. A existência de insuficiência alimentar nos domicílios se faz presente até mesmo em faixas relativamente elevadas de renda familiar, desaparecendo apenas nas famílias com renda superior a 10 salários-mínimos. Esta tragédia também não é igualmente
distribuída no país, estando presente em 18% dos lares da região Sul e em 32% daqueles da região Nordeste.
Governos autoritários
Não bastasse as crises sanitárias causadas pela pandemia, uma o governo de Jair Bolsonaro pôs-se em curso uma estratégia de governo belicosa e de tensionamento do tecido social. O governo Bolsonaro faz parte de um fenômeno mundial de ascensão de governos extremistas, autoritários e, em alguns casos, com traços neofacistas. São governos que, para implantar seus projetos econômicos neoliberais, atacam as instituições democráticas para alcançar a implementação de regimes políticos autoritários.
Religião, política e eleições
Foi abordado, ainda, o tema das relações entre religião, política e eleições, uma vez que o debate religioso ganha, cada vez mais, destaque e protagonismo nas eleições 2022. O portal de notícias da Globo, G1 afirma que os pré-candidatos à Presidência criaram estruturas de campanha para atrair voto evangélico. Ciro, Dória, Lula e Moro têm núcleos organizados com consultores dedicados a promover aproximação com o eleitorado evangélico.
De acordo com o portal ‘Religião e Poder’, “a conjuntura política das manifestações de 2013, do período pós-eleição de 2014, e, sobretudo, nos processos de impeachment da presidente Dilma Rousseff e de formação do governo Michel Temer e a eleição de Jair Bolsonaro, marcaram um dado novo no campo religioso brasileiro que é a consolidação de uma direita religiosa (composta por católicos, evangélicos, judeus e espíritas) como ator político.
Fazer o que?
Diante desta realidade, os grupos de debates de análise de conjuntura elencaram alguns temas dos quais a Igreja não pode abrir mão, para fortalecer os compromissos da Conferência, suas diversas instâncias, bem como os movimentos e pastorais, os organismos do povo de Deus e os homens e as mulheres de boa vontade: A defesa dos direitos civis das instituições democráticas do país; A definição de um “Plano para saída da crise”, com foco no curto prazo e ancorado em investimentos na infraestrutura social (educação, saúde, mobilidade urbana, habitação) e na difusão de meios de acesso ao ambiente digital; A ampliação das políticas sociais e de proteção e amparo aos mais vulneráveis; A construção de uma nova proposta de desenvolvimento para o país desta vez socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável; O fortalecimento das cadeias produtivas com foco nos pequenos e médios negócios; A universalização dos serviços públicos essenciais, a partir da compreensão de que saúde, educação, saneamento e transporte público são direitos dos cidadãos e, como tais, não podem ser regidos pela lógica da mercadoria e dos mercados; A implantação de forte tributação sobre as grandes fortunas e sobre o rentismo; A redução das taxas de juros e da transferência de recursos públicos ao mercado financeiro; O desenvolvimento de uma política agrária e agrícola que priorize a produção de alimentos, a agricultura familiar e práticas ambientalmente sustentáveis; A proteção, recuperação e promoção do uso sustentável dos ecossistemas da nossa Casa Comum; Promover a paz e a justiça. É preciso reduzir significativamente todas as formas de violência, promover o Estado de direito e garantir a igualdade do acesso à justiça a todos os cidadãos.
Por Rosa M. Martins
REPAM- Brasil com informações do Grupo de Análise da CNBB