Mais de 300 indígenas, representantes do MPF, da PF e da Funai participaram da reunião que teve o objetivo de denunciar a violação de direitos e o atentado à vida indígena

Após ataque de PM, comunidade indígena de Tabatinga e o CIR recebem Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual, a Polícia Federal e a FUNAI para uma reunião. Foto: Conselho Indígena de Roraima

“A Polícia Militar não tinha nenhuma ordem judicial para desobstruir uma estrada que fica fora da estrada estadual, uma estrada que a comunidade tem direito de fazer monitoramento territorial. Mas, a PM não quis só desobstruir a estrada desativando a vigilância indígena, ela invadiu as casas e atacou os indígenas de Tabatinga que estavam dentro de suas casas. Eles jogaram bomba, atiraram com arma letal, destruíram painel solar do Posto de Saúde, recolheram a radiofonia e outros bens móveis da comunidade, levaram pertences pessoais, documentos, inclusive uma bolsa contendo uma certa quantia em dinheiro de moradores da comunidade”, afirmou Ivo Macuxi, assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR), referindo-se ao ataque da Polícia Militar e do BOPE à comunidade Tabatinga, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, acontecido no dia 16 de novembro.

Para apresentar as provas da violência praticada pela Polícia Militar, a comunidade Tabatinga e o CIR convidaram o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual, a Polícia Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai) para uma reunião na comunidade. Compareceram o procurador da República, Alisson Marugal, dois delegados da Polícia Federal, dois servidores da Funai e a coordenação e equipe jurídica do CIR. Participaram mais de 300 indígenas e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que foi convidado pelas lideranças.

“A PM não quis só desobstruir a estrada desativando a vigilância indígena, ela invadiu as casas e atacou os indígenas de Tabatinga que estavam dentro de suas casas”

No dia anterior, o CIR e lideranças de Tabatinga haviam dado entrevista coletiva à imprensa denunciando a truculência da PM, apresentando os resíduos do armamento utilizado e denunciando as mentiras contadas na nota publicada pela PM. Os indígenas contestam a versão da nota e dizem que o que aconteceu foi invasão criminosa, atentado à vida e que “vão ser tomadas as medidas judiciais cabíveis”, afirmou o Aldenir Wapichana, Coordenador Geral da região das Serras.

Uma nota divulgada pela PM diz que “em momento algum foi utilizada arma ou munição letal”, apenas “se defenderam com escudos e revidaram com armamento menos letal e material químico de controle de distúrbio civil”. Porém, um indígena baleado no peito deu entrada no hospital de Boa Vista (RR) na madrugada do dia 17. Também os vídeos divulgados pelos indígenas no momento dos ataques mostram a truculência dos policiais, que chegaram fortemente armados e protegidos com escudos, atirando bombas para o interior das casas. Ouve-se uma mulher gritando “aqui tem crianças”.

“Apenas “se defenderam com escudos e revidaram com armamento menos letal e material químico de controle de distúrbio civil”

Durante a reunião, o comandante da PM chegou à comunidade com um contingente de 15 viaturas e o corpo de bombeiros, com a pretensão de participar do debate. Mas os indígenas não autorizaram e pediram ao MPF que solicitasse a saída dos policiais. Não saíram do território, mas mantiveram-se distantes durante toda a reunião. Os indígenas sentiram-se cercados e, portanto, ameaçados, apesar da presença da PF.

Alisson Marugal, depois de se solidarizar com a comunidade, apresentou a proposta do comandante da PM, que dizia se comprometer em retirar seu contingente da Terra Indígena com a desativação dos Postos de Vigilância e entrando em acordo com as outras comunidades indígenas que são contrárias ao posto.

Os indígenas não aceitaram a proposta do comandante e disseram, conforme registrado em relatório da reunião, que vão “continuar com o trabalho legítimo de fiscalização e vigilância de seu território e que a PM e as equipes de BOPE deviam sair imediatamente da terra indígena, porque estavam extrapolando suas competências e por cometerem crimes violentos contra a comunidade, como tinha sido suficientemente demonstrado durante a manhã”.

Para Ivo Macuxi, ações de monitoramento e vigilância territorial são legítimas: “as comunidades têm direito de fazer monitoramento e vigilância territorial. Eles têm a garantia permanente de usufruto exclusivo dos recursos e tudo mais”, afirma Ivo, ressaltando que, além do direito que têm, a vigilância é uma necessidade para os indígenas, porque “ali é uma região de garimpo, de circulação constante de garimpeiros, entrada de material do garimpo”, alerta. Ivo contou, ainda, que, nessa mesma semana, “as lideranças apreenderam material e equipamento de garimpo” e mostraram a importância da vigilância pelos indígenas, uma vez que o Estado não o faz: “esse posto de monitoramento e vigilância territorial é importante para impedir entrada de garimpeiros ali naquela região”.

A SODIURR

São poucos os indígenas contrários à vigilância e monitoramento territorial organizado e realizado com acordos entre as 465 comunidades das etnias Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Patamona, Sapará, Taurepang, Wai-Wai, Yanomami, Yekuana e Pirititi, das 35 TIs de Roraima.

De acordo com o CIR, “o posto de vigilância de Tabatinga é uma iniciativa das 76 comunidades da região Serras e fica localizado em uma vicinal que dá acesso somente às comunidades indígenas. O controle visa, principalmente, coibir a entrada de materiais que abastecem atividades ilegais e danosas à vida das comunidades indígenas, em especial o garimpo, o tráfico de drogas, além da venda de bebidas alcoólicas”.

Os indígenas que não concordam com essa ação compõem a SODIURR, Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima. Eles não reconhecem os acordos estabelecidos para a vigilância e, segundo publicação no site G1, e do Jornal Nacional, edição do dia 17/11/2021, “são a favor do garimpo na região”.

“O controle visa, principalmente, coibir a entrada de materiais que abastecem atividades ilegais e danosas à vida das comunidades indígenas”

A SODIURR entrou com ação na justiça contra os postos de vigilância organizados pelos indígenas e obteve liminar favorável em agosto de 2020, dada pelo juiz da 5ª Vara Cível, César Henrique Alves.

A PM alega que a ação realizada para desativação do Posto de Vigilância em Tabatinga obedece essa determinação judicial, que proíbe o bloqueio de rodovias da Raposa Serra do Sol.

Para Ivo Macuxi, “essa decisão liminar que a PM alega ter, não vale para esse Posto de Vigilância, porque a justiça estadual não tem competência para decidir sobre o trabalho das comunidades indígenas, que é trabalho coletivo e por envolver questão federal”, explica.

Para o advogado, que conhece bem a história de ataques aos povos indígenas da Raposa Serra do Sol, “a PM está usando hoje dessa decisão como justificativa para invadir as comunidades indígenas e atirar para matar as lideranças. Porque o estado, como sempre, é autor de mais esse ataque, por meio da polícia militar que tem um histórico de violência contra as comunidades indígenas da Raposa Serra do Sol. Isso é um fato histórico e grave, mais uma vez, de violação dos direitos dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol”.

Encaminhamentos da reunião

De acordo com o relatório da reunião, ao ser comunicado pelo MPF que os indígenas continuariam com o Posto de Vigilância ativo em Tabatinga e que só com a saída da PM e do BOPE de seu território continuariam o diálogo, “a PM efetivamente estava saindo da Terra Indígena e só retornaria caso uma nova liminar da Justiça Estadual determinasse a desativação dos postos de vigilância”.

Sem a pressão exercida pelos principais responsáveis das ameaças diretas e da violência contra os indígenas, foi possível continuar o diálogo e dar os devidos encaminhamentos.

Além da continuidade do Posto de Vigilância de Tabatinga, Aldenir Wapichana explicou que “o MPF convocará uma reunião no dia 26 de novembro, com a organização dos tuxauas e a SODIURR para discutir a atuação dos postos de vigilância, com critérios elaborados entre as organizações indígenas. Esses critérios vão prevalecer para todos os postos de vigilância dentro da TI Raposa Serra do Sol”.

Ainda ficaram duas questões a serem apuradas pelas autoridades competentes: a violência cometida pela PM contra os indígenas, que deverá ser apurada pelo MPF e a PF, e a retirada dos garimpeiros da região, como foi solicitado mais uma vez à Polícia Federal.

Fonte: Comunicação Cimi/ Regional Norte I

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