No último episódio, os indígenas foram agredidos com spray de pimenta e balas de borracha; além disso, foram levados, à força, para uma delegacia de polícia
Após os ataques sofridos na última semana, os indígenas do povo Akroá Gamella, da Terra Indígena Taquaritiua (MA), redigiram uma carta relatando as violências sofridas tanto por parte de funcionários de uma empresa de energia elétrica, que foram à aldeia acompanhados de jagunços, quanto por parte da Polícia Militar. Há anos, essa empresa tenta, sem qualquer consulta e respeito aos indígenas, instalar torres e linhões de transmissão dentro da TI Taquaritiua, área que vive um moroso processo de demarcação pela Fundação Nacional do Índio (Funai) desde 2014.
“Apesar de a Justiça Federal ter suspendido as obras de construção da linha de transmissão de energia justamente para que houvesse o cumprimento das formalidades devidas para empreendimento em terra indígena – como o licenciamento por órgão competente devidamente precedido de consulta ao nosso povo, o que até o momento não foi cumprido – a empresa Equatorial continua invadindo nosso território”, criticaram os indígenas em relato.
Na última quinta-feira (18), o povo foi surpreendido com a chegada hostil de funcionários da empresa, acompanhados de jagunços armados. “Diante dessa gravíssima ameaça e para proteger a integridade física do nosso povo, os indígenas que ali se encontraram exigiram que as armas e munições fossem colocadas no chão. Retiramos as armas do local para evitar atos de violência por parte dos que invadiram nosso território”, diz outro trecho da carta.
“Retiramos as armas do local para evitar atos de violência por parte dos que invadiram nosso território”
Já no período da tarde desse mesmo dia, policiais militares dirigiram-se à Aldeia Cajueiro, na TI Taquaritiua, e colocaram, à força, algumas lideranças dentro da viatura. Há relatos de que os celulares, entre outros equipamentos de comunicação dos indígenas, foram tomados pela polícia. Em resposta aos atos de violência, e em meio à tensão, os indígenas informaram aos policiais que, judicialmente, não há “nenhum tipo de autorização” para fazer a implantação dos postes e do linhão no território.
“Apesar de termos sido vítimas de uma violência sucessiva, foram detidos e colocados em camburões 16 indígenas, sendo 13 homens – um deles menor de idade – e 3 mulheres Akroá Gamella. Em nenhum momento houve resistência às prisões, tornando injustificável o uso da força, a presença de armas letais, as ameaças que sofremos, o uso de bombas de gás, spray de pimenta, que atingiram crianças, mulheres e idosos”, afirmam os indígenas.
No entanto, as violências prosseguiram. “Nossas parentas e nossos parentes foram conduzidos da Delegacia de Polícia da cidade de Viana até a de Vitória do Mearim algemados em camburões superlotados, tiveram suas cabeças raspadas e suportaram todo tipo de racismo pela PM, nas delegacias e na unidade prisional. Essas ações somadas às palavras deixam feridas nos nossos corpos e alma e marcarão para sempre nossa trajetória de vida”, denuncia o povo Akroá Gamella.
“Nossas parentas e nossos parentes foram conduzidos da Delegacia de Polícia da cidade de Viana até a de Vitória do Mearim e tiveram suas cabeças raspadas. Suportaram todo tipo de racismo pela PM”
Após uma audiência de custódia, oito dos indígenas foram liberados da delegacia na madrugada do dia 19, enquanto o restante permaneceu até a tarde do dia 20, mesmo com os alvarás de soltura sendo expedidos na noite anterior.
Ao saber do ocorrido, indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, sertanejos e todos que apoiam a causa indígena foram até à TI Taquaritiua para reforçar a luta e se solidarizar com o povo Akroá Gamella após a série de ataques sofridos na última semana. A iniciativa, organizada pela Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, conta ao longo dos próximos dias com rodas de conversa e com a partilha de vivências dos povos.
“Seguiremos lutando para que o Estado Brasileiro cumpra o dever constitucional de demarcar e proteger as Terras Indígenas, bem como garanta a realização de Consulta Livre, Prévia e Informada. Até lá seguiremos semeando ternura onde botas e armas tentam implantar dor e luto e assim o fizemos: depois do abraço aos indígenas que retornaram, vários de nós, solidariamente, decidiram também raspar as cabeças para denunciar a infâmia racista que pretendeu nos estigmatizar. Outros irão além do corte, doarão o cabelo ao Hospital Aldenora Belo num gesto de solidariedade aos que também lutam pela vida”, finaliza a carta.
Fonte: Veronica Holanda/ Comunicação Cimi