“Há em curso um ataque frontal e articulado aos povos indígenas, às comunidades tradicionais da Amazônia, à integridade da floresta amazônica, à segurança hídrica de todos os brasileiros e à estabilidade do sistema climático planetário“. Essa é a denúncia de Comissões e Organismos vinculados à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em artigo divulgado neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, 10 de dezembro.
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Preocupados com a onda de ataques à Amazônia neste final de ano, as Comissões para a Ecologia Integral e para a Amazônia da CNBB, a Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM-Brasil, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP) chamam atenção sobre as ameaças organizadas contra o bioma.
“A Comissão Episcopal para a Amazônia, a Comissão Ecologia Integral e Mineração da CNBB, a rede Eclesial Panamazônica (REPAM-Brasil), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) atuam na Amazônia e junto com ela e seus povos, em solidariedade a seu clamor”.
No texto, as entidades denunciam que, nos dois últimos anos, “a floresta amazônica foi entregue pelo governo federal aos desmatadores, incendiários e garimpeiros”. Os efeitos do “incentivo ao crime” são o crescimento do desmatamento e das queimadas.
Garimpos
Outra realidade que preocupa a Igreja é o garimpo ilegal, feito com consentimento do governo, uma vez que esta é uma “atividade que ocupa um dos centros da agenda governamental”. No texto, as comissões e os organismos denunciam: “Mancomunados com o narcotráfico e financiados por grupos não identificados, os garimpeiros invadem comunidades, matam e aterrorizam as populações indígenas, destroem florestas, poluem os rios e intoxicam gravemente com mercúrio os organismos”.
Projetos de Lei
As ameaças também passam pelas casas legislativas. “Os indígenas, os povos da floresta em geral, a própria floresta e, portanto, os povos da América do Sul como um todo estão igualmente na mira de outras pressões e agressões de parte dos grileiros, garimpeiros, grandes mineradoras e, sobretudo, do agronegócio, fortemente amparados no Congresso Nacional”. Na Câmara e no Senado tramitam três Projetos de Lei “visando completar o desmonte da legislação protetiva do patrimônio étnico, cultural e natural do país”. São eles: o PL 191/2020, que visa a liberação da mineração e do garimpo em terras indígenas; o PL 2159/2021, que propõe a flexibilização do licenciamento ambiental; e 510/2021, que trata da regularização fundiária, mas conhecido como “PL da grilagem”.
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Em defesa da Amazônia
“Os interesses colonizadores que, legal e ilegalmente, fizeram – e fazem – aumentar o corte de madeira e a indústria minerária e que foram expulsando e encurralando os povos indígenas, ribeirinhos e afrodescendentes, provocam um clamor que brada ao céu”
(Querida Amazônia, 9).
Há em curso um ataque frontal e articulado aos povos indígenas, às comunidades tradicionais da Amazônia, à integridade da floresta amazônica, à segurança hídrica de todos os brasileiros e à estabilidade do sistema climático planetário, dos quais dependemos todos existencialmente como sociedade e como espécie. Nos dois últimos anos, a floresta amazônica foi entregue pelo governo federal aos desmatadores, incendiários e garimpeiros. O efeito primeiro desse incentivo ao crime é claro: um salto de 7.536 km2 em 2018 do desmatamento por corte raso para 13.235 km2 entre Agosto de 2020 e Julho de 2021 (a média histórica dos últimos dez anos é de 6.493,8 km2). Os incêndios criminosos se propagam como nunca e até 30 de Novembro de 2021 o bioma amazônico acumulava 73.494 focos de calor.[1] Estima-se que esses incêndios tenham atingido, apenas no século XXI, cerca de 95% das espécies de plantas e animais vertebrados conhecidos na Amazônia, bioma que ostenta cerca de 10% da biodiversidade do planeta, e já afetaram o habitat de 85% das espécies de plantas e vertebrados ameaçados de extinção na região.[2]
Papa Francisco nos recorda, na exortação depois do Sínodo da Amazônia, que a Amazônia não é “um enorme vazio que deve ser preenchido”, ou “uma vastidão selvagem que precisa ser domada” (QA 12).
Mas os ataques à Amazônia, em vez de diminuir, vêm se intensificando! Outra frente desta guerra relâmpago é o garimpo ilegal, atividade que ocupa um dos centros da agenda governamental. Mancomunados com o narcotráfico e financiados por grupos não identificados, os garimpeiros invadem comunidades, matam e aterrorizam as populações indígenas, destroem florestas, poluem os rios e intoxicam gravemente com mercúrio os organismos. Os direitos humanos e as salvaguardas socioambientais, conquistas democráticas dos brasileiros, foram mais uma vez gravemente ameaçados pelo assentimento prévio outorgado a sete projetos de garimpo pelo general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e secretário-executivo do Conselho de Defesa Nacional da Presidência da República, onde têm assento Ministros de Estado e os três comandantes das Forças Armadas.[3] Essas autorizações atendem, frequentemente, a pedidos de políticos e de donos de garimpos que destroem a vida e poluem as águas de diversos rios da Amazônia, inclusive recentemente as do rio Madeira, com dragas de sucção. As áreas agora ameaçadas estendem-se por 12,7 mil hectares e ao menos duas delas são Territórios Indígenas. Todas se encontram em São Gabriel da Cachoeira, no Noroeste do estado do Amazonas, uma das regiões mais preservadas da Amazônia, abrigando 23 etnias indígenas, entre as quais os Baniwa, os Wanano, os Tukano e os Yanomâmi. Trata-se de um ataque frontal aos direitos dos indígenas, consagrados na Constituição de 1988, e até mesmo de um ataque simbólico, pois São Gabriel da Cachoeira é o município com maior densidade populacional de indígenas no Brasil.
Outra vítima dessa guerra contra os indígenas, direta ou indiretamente apoiada pelo governo federal, é a etnia Parakanã. Seus caciques protocolaram dois ofícios no STF nos quais afirmam aceitar a “proposta” de abrir mão, em favor de três associações de agricultores, de 392 mil hectares, ou mais da metade do Território Indígena Apyterewa (PA), não obstante ser este demarcado e homologado pelo governo federal desde 2007. Na prática, esse território já não mais pertencia aos indígenas, invadido que foi, impunemente, por devastadores da floresta, apoiados pelos políticos locais e pela prefeitura de São Félix do Xingu.[4]
Os indígenas, os povos da floresta em geral, a própria floresta e, portanto, os povos da América do Sul como um todo estão igualmente na mira de outras pressões e agressões de parte dos grileiros, garimpeiros, grandes mineradoras e, sobretudo, do agronegócio, fortemente amparados no Congresso Nacional. Três Projetos de Lei tramitam no Congresso, visando completar o desmonte da legislação protetiva do patrimônio étnico, cultural e natural do país.
O primeiro é o PL 191/2020, de iniciativa do Poder Executivo. Ele regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição, visando, em última instância, a liberação da mineração e do garimpo, bem como a construção de usinas hidrelétricas, em terras indígenas. Além de ser apresentado sem consulta prévia às populações afetadas, esse PL foi considerado inconstitucional pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público. Apesar disso, ele continua sendo apreciado pelo Congresso Nacional.
O segundo é o PL 2159/21, que propõe a “flexibilização” do licenciamento ambiental. Leia-se sob o termo “flexibilização” a liberação irrestrita e automática de quaisquer projetos não considerados “de significativo impacto ambiental”, os quais se beneficiariam de uma “licença por adesão de compromisso”, simplesmente autodeclaratória.
O terceiro é o PL 510/21, que trata da chamada regularização fundiária. Ele não apenas anistia os desmatamentos e invasões ilegais de terras feitas até 2014, mas abre caminho para a ocupação de 37 milhões de hectares, 24 milhões do quais de florestas situadas em terras da União. Esse PL 510/21 interage com o PL 4843/2019, já aprovado pelo Senado, permitindo a aplicabilidade do PL 510/21 às áreas já destinadas aos assentamentos da reforma agrária, ou seja, “aos 66 milhões de hectares ocupados pelos assentamentos rurais nos estados da Amazônia Legal, permitindo a titulação de médios e grandes imóveis e retirando os pequenos produtores dessas áreas.”[5]
A Comissão Episcopal para a Amazônia, a Comissão Ecologia Integral e Mineração da CNBB, a rede Eclesial Panamazônica (REPAM-Brasil), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) atuam na Amazônia e junto com ela e seus povos, em solidariedade a seu clamor. O Cacique caiapó Raoni Metuktire nos ensina: “Se eles desmatarem toda a floresta, o tempo vai mudar, o sol vai ficar muito quente, os ventos vão ficar muito fortes. Eu me preocupo com todos, porque é a floresta que segura o mundo”.[6] Ir. Dorothy Stang, morta em Anapu (PA), declarou: “A morte da floresta é o fim de nossa vida”.
Papa Francisco afirma que os povos nativos, especialmente os mais excluídos, “são os principais interlocutores, dos quais devemos primeiro aprender, a quem temos de escutar por um dever de justiça e a quem devemos pedir autorização para poder apresentar nossas propostas”.
10 de dezembro de 2021
Dom Sebastião Lima Duarte – Presidente da Comissão Ecologia Integral e Mineração
Dom Cláudio Hummes – Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia
Dom Erwin Kräutler – Presidente da REPAM-Brasil
Dom Roque Paloschi – Presidente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira – Presidente da Comissão Pastoral da Terra – CPT
Daniel Seidel – Secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz
[1] Cf. Cristiane Prizibisczky, “Amazônia acumula 73 mil focos de incêndio em 2021, segundo dados do INPE”. ((o)) eco, 1/XII/2021.
[2] Cf. Samuel Fernandes, “Queimadas na Amazônia impactam 90% das espécies de animais e plantas da floresta”. Folha de São Paulo, 1/IX/2021.
[3] Cf. Vinicius Sassine, “General Heleno autoriza avanço de garimpo em áreas preservadas na Amazônia”. Folha de São Paulo, 5/XII/2021.
[4] Cf. Rubens Valente, “Caciques cedem à invasão e aceitam abrir mão de 392 mil hectares no Pará”. UOL, 2/XII/2021.
[5] Cf. Duda Menegassi, “PL 510 abrirá caminho para ocupação de 24 milhões de hectares de florestas públicas”. ((o)) eco, 4/V/2021.
[6] Cf. Nicole Oliveira, “Cacique Raoni: ‘É a floresta que segura o mundo. Se acabarem com tudo, não é só índio que vai sofrer’.” Arayara.org, 20/XI/2019.
Parabéns ! Excelente documento de denúncias e anúncio na defesa indígena e não indígena humanitária! Ecologia Integral.
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