Entender a realidade e projetar o trabalho para os próximos anos. Estão são as ideias-chave da reunião do Comitê Ampliado da Rede Eclesial Pan-Amazônica/REPAM-Brasil, que ocorre nesta terça e quarta-feira, 4 e 5, no Centro Cultural Missionário, em Brasília/DF.
“O objetivo deste encontro específico é fazer a análise de conjuntura do Brasil e da REPAM e trabalhar o planejamento para os próximos anos”, explica irmã Irene Lopes dos Santos, secretária executiva da REPAM-Brasil. Outro ponto que será abordado nestes dois dias é a Campanha da Fraternidade de 2019, cujo tema é “Fraternidade e Políticas Públicas” e o lema “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27).
“Nós vamos trabalhar a questão das políticas públicas porque é um tema muito forte para a REPAM e para toda a realidade da Amazônia brasileira”, ressaltou irmã Irene.
O início da reunião do Comitê Ampliado da REPAM, com a participação dos assessores e articuladores regionais, foi marcado pelas análises de conjuntura, conduzidas pelo professor Melillo Dinis, pelo procurador Felício Pontes e pelos assessores da REPAM-Brasil Moema Miranda e Daniel Seidel.
Melillo falou da realidade atual no campo sociopolítico do Brasil, principalmente a partir do fato de que haverá um novo governo em 1º de janeiro. As projeções e contradições relacionadas à nova configuração do Governo Federal revelam tensões e esperanças para quem está envolvido com a vida e a luta dos povos amazônicos.
De acordo com o professor e advogado, as maiores tensões decorrem da perplexidade sobre o que vai acontecer, uma vez que não há elementos para apontar o que realmente pode se concretizar, apesar de serem desenhados quatro cenários para o novo governo.
“Eu tenho dito que nós temos pouco proponentes, portanto teremos muitos oponentes. Isso significa um quadro de perplexidade, o imponderável pode acontecer. Acho que é isso a maior marca das tensões que vão modificar o humor da população, da economia, de todos”, sugere Melillo.
Por outro lado, há como sinal de esperança a articulação dos movimentos sociais e populares. Para o professor, as tradicionais formas de luta do povo brasileiro vão crescer e, se possível, de forma unificada e unitária “para que se possa enfrentar tempos obscuros e sombrios que é o que acho que vai acontecer a partir de 1º de janeiro, exatamente pela pouca qualidade e pela perplexidade que está no campo da tensão”.
Para fazer chegar ao conjunto do povo brasileiro as pautas sociais, como as demandas da Amazônia, é necessário diálogo e busca por união e unidade, “para enfrentar e criar pautas menos identitárias e mais sociais que possam, por exemplo, garantir as conquistas da democracia, os direitos sociais. Vai ser muito difícil, mas no caso dos cristãos, a esperança é a última que morre. E quando morre, ressuscita”.
Poder global
Moema Miranda teve como ponto de partida para sua exposição a “reconfiguração do poder global”. A assessora da REPAM apresentou uma análise que considera a realidade internacional, na qual os países mais ricos buscam barrar iniciativas de desenvolvimento mais promissoras dos até então, na metade da última década, considerados emergentes, como o Brasil. Também abordou a lógica de mercado e de exploração, o modelo econômico capitalista que já não é suportado pelo mundo, no qual as mudanças climáticas não são elementos de uma pauta do meio ambiente, “mas referem-se às condições de vida no planeta”, no qual se instala um projeto de “mundo de escassez”.
Para Moema, neste cenário, o papa Francisco tem sido a “única voz dissonante desse projeto”. A assessora sustenta que Francisco, ao falar de uma vida com mais sobriedade, rompe com o projeto de consumo e acúmulo de bens e capital. Francisco neste contexto, é a única voz com poder de ser ouvida internacionalmente que se mostra contrário a este modelo. A grande questão deixada é saber qual o projeto pode ser pensado como proposta de organização da sociedade que discuta o mundo.
Desenvolvimento socioambiental
O procurador da República Felício Pontes contrapôs dois modelos de desenvolvimento em jogo na Amazônia: o predatório e o socioambiental. O primeiro, já foi experimentado na época da ditadura militar no Brasil e hoje volta com slogans parecidos e a monocultura e a exploração de energia somadas à atividade madeireira, pecuária e mineração.
Felício apresentou dados relacionados à movimentação econômica de atividades do ecossistema amazônico que atinge 692 bilhões de dólares por ano. Os empreendimentos em bionegócios, por exemplo, responde por pelo menos 1,2 mil produtos e serviços e setores como alimentos, fármacos, essências, turismo, artesanato e os fitoterápicos.
“O debate não é só humanístico e ambiental, é econômico também”, reforça o procurador, para quem é necessário resgatar projetos de formação de lideranças para enfrentar o avanço do modelo predatório.
Laicato forte
Daniel Seidel parafraseou Paulo Freire ao estruturar sua exposição em três “palavras geradoras”: democracia interrompida, eleições 2018 e Igreja em saída. Em sua breve fala, reforçou as escutas sinodais e o Ano Nacional do Laicato, promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil/CNBB entre 2017 e 2018, para a retomada do envolvimento de todos os batizados na Igreja, o que fortaleceu o envolvimento dos cristãos leigos e leigas, principalmente com a formação de escolas de Fé e Políticas Brasil afora.
O encontro do Comitê Ampliado da REPAM-Brasil segue nesta quarta-feira com atividades de planejamento e partilha de atividades.