A chegada de grandes projetos a áreas de pesca artesanal leva às comunidades violações de direitos e outros impactos negativos do ponto de vista socioambiental e socioeconômico. No Pará, o avanço da mineração e a construção de portos afetam as comunidades pela água e pela terra, conforme partilhou a pescadora Josana Pinto da Costa, na live de apresentação do Relatório dos Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil, nesta terça-feira, 29 de junho. A data foi escolhida por ocasião do Dia de São Pedro, padroeiro dos pescadores.
“Os grandes projetos têm trazido morte e destruição para o nosso povo, eles atacam os nossos territórios, atacam a nossa cultura, atacam a identidade, e tem tirado o sono, causado muito adoecimento”, partilhou a pescadora de Óbidos (PA).
Restrição de acesso aos territórios, desmatamento, especulação imobiliária, empreendimentos turísticos, latifúndios e fazendas são os principais fatores identificados na pesquisa do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) como causas dos conflitos nas áreas das comunidades tradicionais pesqueiras de 14 estados brasileiros.
“O relatório denuncia sistemáticas violações que as comunidades pesqueiras vêm enfrentando ao longo desses 520 anos de colonização e exploração e como nesse último período como esses conflitos se acentuam, como se agravam”, explicou a secretária-executiva do CPP Nacional, Ormezita Barbosa.
A Pesquisa
O levantamento foi feito a partir de formulários preenchidos por grupos locais do CPP e por entidades parcerias. Foram 86 formulários preenchidos entre 2018 e 2019 com informações a respeito de 166 comunidades tradicionais pesqueiras em 14 estados da federação. Os conflitos, de acordo com o relatório, afetaram mais de 49 mil famílias, envolvendo 40.237 mulheres e 17.906 crianças e adolescentes. São 434 relatos de conflitos e violações que compõem o relatório que estará disponível na próxima semana.
As informações também são contextualizadas a partir das consequências socioambientais e socioeconômicas sofridas pelas comunidades. De acordo com o CPP, as consequências socioambientais dizem respeito à diminuição da quantidade e da variedade do pescado, a destruição de habitats e assoreamentos. No âmbito socioeconômico, os pescadores sentem a restrição de acesso ao território, a diminuição da renda familiar, a perda de traços tradicionais, conflitos internos e quebra de laços comunitários.
Na luta por seus territórios, por exemplo, os pescadores sofrem com ameaças de morte e o racismo, em diversas formas, além de outras violações a que são submetidos, como crimes sexuais, homicídio, inquérito policial, lesão corporal, processo judicial, racismo religioso, tentativa de homicídio e violência de gênero.
Ormezita ressalta que 70% dos formulários analisados tem relatos de processos de criminalização conta as comunidades. “Como cresceu nesse último período o número de comunidades perseguidas, como tem sido criada uma ofensiva para desmobilizar para amedrontar as comunidades e fragilizar o processo organizativo”, pontua.
Pescadores na Pandemia
O relatório do CPP também tem dados relacionados à pandemia da covid-19. As informações foram coletadas entre março e abril deste ano, com questões mais abrangentes dos conflitos, como na parte geral da pesquisa, e também com perguntas específicas dos impactos da covid-19 nas comunidades. Nesse ponto, a pesquisa tem informações de 82 comunidades, de 53 municípios e 12 estados brasileiros.
Somente 39% das comunidades relataram casos de covid-19. Mas os impactos socioeconômicos de agravamento de situações já vivenciadas pelos pescadores foram fortemente sentidos no período de pandemia. A redução da renda teve maior destaque.
Das 82 comunidades que forneceram os dados, 43% delas apontaram que a pandemia teve alto impacto na sua realidade. E 46% avaliou que a pandemia teve médio impacto na dinâmica dos pescadores.
São Pedro
O bispo de Brejo (MA) e referencial da Pastoral dos Pescadores, dom José Valdeci Santos Mendes, falou durante o lançamento do relatório a partir da data dedicada àquele pescador chamado por Jesus “para ser discípulo fiel e que, pela sua fidelidade, se tornou mártir na caminhada da Igreja”.
Assim como São Pedro, liberto das correntes de Herodes pelo anjo enviado por Deus, dom Valdeci indica como os mensageiros de Deus os homens em mulheres “que se comprometem com a vida, que se comprometem com a luta, que se comprometem com um mundo mais justo e mais fraterno”. O bispo motivou os agentes a continuarem na luta contra os Herodes do mundo atual, “que matam, negam direitos, negam a vida, massacram os pobres, as comunidades tradicionais”.
Para dom Valdeci, que também preside a Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora da CNBB, o caderno quer ajudar os agentes do CPP a continuarem firmes na luta e na resistência.
“Ele ajudará, com certeza, no fortalecimento das nossas comunidades pesqueiras que sofrem todo tipo de perseguição nos tempos atuais; a fazer essa memória daqueles que lutaram e continuam lutando; e nos ajudará também a darmos passos para frente, para dizer que, diante dos desafios e ameaças de direitos, precisamos continuar fazendo e refazendo a nossa história”.
Fonte: CNBB