Atuar na defesa de Direitos Humanos, principalmente no que se refere a questões de terra e território, não é das atividades e ações mais seguras. O interesse de grandes grupos que exploram o meio ambiente na perspectiva de um consumismo cada vez mais exacerbado e insustentável impõe-se não somente sobre os bens que pretendem alcançar, mas sobre as vidas, os corpos e os modos de ser e estar no mundo que conflitam com o modelo que entendem como único. É o que o Papa Francisco chama de “paradigma tecnocrático dominante” (LS, n. 101).
Chico Mendes, Irmã Dorothy Stang, Dezinho, Frei Henri des Rosiers, Padre Josimo, Ir. Cleusa, Pe. Ezequiel Ramin, Dema, José Cláudio e Maria do Espírito Santo, Dilma de Baião, Dona Maria Joel, para citar algumas pessoas, outras várias lideranças e comunidades têm suas vidas ameaçadas, sendo que muitas delas foram assassinadas em razão das lutas que encampam, tais como a defesa da Amazônia, do meio ambiente, da terra e territórios, dos Direitos Humanos.
O modelo de desenvolvimento dominante no Brasil, desde a chegada violenta dos portugueses, visa à concentração de terra, em detrimento de povos e comunidades que nela habitam. Estes constroem os espaços de suas culturas há tempos imemoriais e entendem a vida e sua comunhão com os outros seres e a Mãe-Terra de forma integral e integrada, gerando muitas disputas que, por não serem mediadas pelo Estado, culminam em conflitos e mortes.
A realidade brasileira está conectada ao contexto da Amazônia e da América Latina.
A necessidade de proteger pessoas ameaçadas em razão de sua atuação é uma prática histórica feita pelas próprias organizações. Estas também exigiram medidas dos Estados, o que levou à adoção da “Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos”, ou somente, “Declaração dos Defensores de Direitos Humanos”. Ela foi promulgada pelas Nações Unidas em 1998 para “defender” “quem defende direitos”.
Forjou-se, então, a identidade de “defensores e defensoras de direitos humanos”, com o intuito de abarcar as diversas identidades dos grupos que lutam por direitos e que, em razão dessas lutas, sofrem ameaças, criminalização, perda de bens, ofensas à honra e morte. Falar em “defensores e defensoras” exige dar visibilidade aos múltiplos protagonistas: sem-terra, indígenas, atingidos(as) por barragens e pela mineração, afrodescendentes, quilombolas, ribeirinhos(as), extrativistas, geraizeiros(as), quebradeiras de coco, pequenos(as) agricultores(as), camponeses(as), agricultores(as) familiares, povos de fundos de pasto, seringueiros, pescadores(as) e muitos(as) outros(as) lutadores e lutadoras socioambientais.
Uma dimensão menos percebida das ameaças se dá nas relações de gênero e na exposição ao perigo de muitas mulheres, potencialmente vítimas de violência doméstica ou feminicídio. A Campanha pretende também destacar a agressão que deriva do machismo e contribuir na conscientização das comunidades sobre este tema.
O número de defensores e defensoras mortas em todo mundo vem crescendo consideravelmente depois da adoção da “Declaração sobre Defensores”, o que mostra sua importância e também seu limite. Segundo a Front Line Defenders, foram 136 em 2014, 156 em 2015, alcançando o número de 281 em 2016. A América Latina carrega o peso de ser a região mais perigosa para a atuação em defesa dos Direitos Humanos. “Das mortes em 2015, mais da metade ocorreu na região amazônica, enquanto que, em 2016, esse número subiu para mais de três quartos, conforme a Front Line Defenders.” Segundo o relatório da Anistia Internacional, o Brasil é o país das Américas onde mais se matam defensores dos Direitos Humanos. O documento chama atenção para o aumento dos assassinatos de defensores de direitos humanos nos últimos três anos.
A fragilidade democrática atual no Brasil e o discurso de ódio contra militantes de direitos humanos ampliaram um contexto tóxico e perigoso para comunidades, povos, movimentos sociais e grupos e suas lideranças no país, pois está acontecendo o desmonte do Estado Democrático de Direito, com discursos e práticas contra os Direitos Humanos. Essa situação eleva os riscos da atuação dos lutadores e lutadoras por direitos no país.
Programas e fundos de apoios atuantes
A ameaça de violência sempre atingiu quem se organiza para defender os direitos contra quem detém o poder político, econômico e/ou social. As estratégias de “proteção” são construídas lado a lado com as demais estratégias da própria luta. ‘Fazer a luta avançar e se manter fiel à causa’ é condição imprescindível para a conquista de direitos, ainda que os sujeitos possam (e devam) revisitar suas dinâmicas históricas de proteção e fortalecê-las em parceria com outros sujeitos.
Existem mecanismos formais e informais de articulação para incentivo à proteção de comunidades e lideranças que defendem direitos humanos, em nível local, estadual, nacional e internacional, a partir de redes em formação, fundos de emergência e políticas públicas de proteção que podem ser acessados para o fortalecimento das lutas e visando acolhimentos emergenciais de casos em situação de grave risco e/ou ameaça.
Existem fundos emergenciais: como o de apoio a organizações como a Front Line Defenders e o Fundo Elas; em nível nacional, há iniciativas de aporte financeiro pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, um fundo emergencial da Misereor, contribuições da Fundação Ford e da Pórticos, por exemplo.
O Projeto “Defendendo Vidas e Garantindo Direitos Expropriados”, construído em conjunto com o CIMI e a CPT, e financiado por Misereor, atua para a articulação e o fortalecimento de redes solidárias de proteção, através de oficinas de proteção e autoproteção, com sensibilização de entidades, movimentos sociais e organizações para o tema da proteção. O referido Projeto atua também com o acolhimento emergencial de lideranças ameaçadas. Essa proteção emergencial pode se dar na própria coletividade ou, em último caso, na retirada de seu local de origem por um espaço de tempo determinado a fim de evitar que seja assassinado(a). Do mesmo modo, várias organizações e movimentos também atuam com Direitos Humanos fazendo proteção de lideranças ameaçadas.
O Brasil instituiu a Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos pelo Decreto Federal nº 6.044/2007. Através desta política pública é mantido o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH). Existem também Programas de Proteção em seis estados brasileiros: Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco e Rio de Janeiro, sendo que há quatro outros em implantação: Pará, Amazonas, Mato Grosso e Distrito Federal. O programa federal, o PPDDH, tem como missão atuar como articulador de políticas públicas e redes de proteção nos estados brasileiros que não são atendidos por programas estaduais. Esta política existe porque a proteção de lideranças e comunidades ameaçadas é uma responsabilidade do Estado. Quando a ameaça acontece, o Estado precisa ser imediatamente ativado, formalmente, inclusive para não prejudicar eventuais passos seguintes que possam ser dados, vencidos os mecanismos internos, como a ativação junto a mecanismos internacionais (BRASIL, 2007).
Estes programas têm limites conhecidos pelas entidades que já lidaram com eles: consideram as ameaças e as violações em nível individual e não comunitário, chegando a personalizar o conflito e sua resolução; tendem a solucionar a ameaça retirando (temporária ou definitivamente) a liderança do território em que atua, mesmo sendo raramente esta a melhor solução; têm limites em sua continuidade, no financiamento de suas ações e na participação da sociedade civil.
A autoproteção por mecanismos não violentos é, todavia, uma das estratégias que trabalha com a independência e a autonomia das lideranças e das organizações, sendo construída com ativa participação dos(as) envolvidos(as). Sua implementação não substitui outras formas de proteção, pelo contrário, compõe um conjunto de ações articuladas e consistentes que se complementam para gerar as condições necessárias ao fortalecimento das lutas, dos(as) lutadores(as), das causas e dos(as) defensores(as).
Conforme relatado em https://anistia.org.br/noticias/ataques-letais-mas-evitaveis-assassinatos-e-desaparecimento-de-defensores-dos-direitos-humanos/, pesquisa realizada em 23/01/2020.