23% dos municípios da Amazônia Legal tem presença de facções criminosas
A forma como a violência impacta na degradação do meio ambiente e ameaça a vida dos povos amazônicos não é um problema pontual, de fácil resolução. Os dados apresentados no Cartografias evidenciam, por exemplo, o aumento da taxa de mortes violentas nos municípios da região, em patamar 45% maior do que se observa no restante do país. Além disso, o crescimento bastante evidenciado na quantidade de apreensão de drogas ilícitas – entre 2019 e 2022, por exemplo, houve o aumento de 184,4% da apreensão de cocaína realizada pela Polícia Federal.
Até outubro de 2023, o estudo Cartografias da Violência na Amazônia, publicado pelo FBSP, foi capaz de mapear a presença de facções criminosas em pelo menos 178 dos 772 municípios da Amazônia Legal, o que corresponde a 23% dos municípios, compreendendo 57,9% da população da região. Em 80 municípios, foi possível identificar situações de disputa territorial entre duas ou mais facções.
Além do cultivo e processamento de cocaína gerarem impactos significativos na degradação ambiental, frequentemente resultando no desmatamento de áreas de preservação, o relatório do UNODC menciona que grupos organizados que se concentravam na produção e no tráfico de drogas estão diversificando sua ação para atividades altamente lucrativas relacionadas com crimes que afetam o meio ambiente.
A Bacia Amazônica é especialmente acometida devido à abundância de recursos naturais, presença limitada do Estado, corrupção, informalidade e desemprego. A corrupção facilita a mineração e o desmatamento ilegal por meio da falsificação de licenças e de documentos, trazendo implicações perigosas para o meio ambiente. Ainda, a aquisição ilegal de terras financiadas pelo tráfico de drogas tem causado tensão local a respeito da propriedade de terras, especialmente quando se trata de territórios indígenas que são afetados pela violência, dentre ameaças e assassinatos. Os grupos criminosos também estão envolvidos com outros delitos gravíssimos, como o tráfico de pessoas para fins de trabalho análogo ao de escravo e de exploração sexual. As populações mais vulneráveis são frequentemente recrutadas ou forçadas para atividades relacionadas ao crime, como garimpo ilegal, exploração madeireira, funções de cozinheiros, motoristas ou, em determinadas situações, para a exploração sexual. Das 25,1 mil de áreas garimpadas na Amazônia estão localizadas em Terras Indígenas, representando 10% do total do bioma.
Segundo dados do Caderno de Conflitos no Campo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a pistolagem foi o segundo tipo de violência contra a ocupação e a posse que mais teve registros de ocorrência em 2023 (264), um crescimento de 45% em relação ao ano de 2022. Os indígenas e quilombolas foram um dos mais atingidos nas ocorrências de violência, 47 indígenas e quilombolas 19.
O avanço da presença desses grupos tem relação com as dinâmicas do sistema prisional: entre 2012 e 2022, a taxa de pessoas privadas de liberdade por 100 mil habitantes aumentou 43,3% no Brasil. Na Amazônia Legal, esse incremento foi de 67,3% Em Roraima, essa taxa aumentou 94,7%; no Pará, o aumento foi de 48,5%
A falta ou escassez de presença do Estado, não apenas em questões relacionadas à segurança pública, mas também na ausência ou insuficiência de políticas públicas abrangentes de geração de empregos, assistência social, saúde e educação, resulta em impactos adversos para a população, que se torna mais suscetível à agência das organizações criminosas.
Por trás desse tráfico desumano, estão redes criminosas que lucram com a miséria alheia, tirando proveito da vulnerabilidade econômica e social de milhões de pessoas em todo o mundo. Essas redes não só exploram os trabalhadores, mas também contribuem para a degradação ambiental, desmatando florestas, poluindo rios e contaminando o solo em busca de lucro rápido e fácil.
Enquanto a exploração de recursos naturais e o narcotráfico continuarem a ser alimentados pela ganância e pela impunidade, a luta por justiça e dignidade para todos os seres humanos e para o planeta que habitamos será uma batalha árdua. Combater essa realidade sórdida requer uma abordagem multifacetada, que inclua não apenas a aplicação rigorosa da lei e o fortalecimento das instituições responsáveis pela proteção dos direitos humanos, mas também medidas para promover o desenvolvimento econômico sustentável, garantir o acesso à educação e saúde, e empoderar as comunidades vulneráveis para que possam resistir à exploração e construir um futuro digno e livre.