REPAM-Brasil com informações de Luis Miguel Modino, comunicação CNBB Norte1
A diocese de Roraima realizou nesta segunda-feira (17/06) a abertura da 39ª Semana do Migrante, que em 2024 tem como tema “Migração e Casa Comum”, e como lema “Alarga o espaço da tua tenda” (Is 54,2). A migração é uma situação presente em Roraima nos últimos anos. Dados apontam que 30% da população do Estado é formada por migrantes venezuelanos. Anualmente entram cerca de 200 mil venezuelanos por ano pela fronteira de Pacaraima.
O bispo de Roraima e presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), dom Evaristo Spengler lembrou que a população de Roraima é uma população migrante, chegada de diferentes estados do Brasil. A partir de 2017, a migração foi de venezuelanos, e “a Igreja foi a primeira que começou a dar uma resposta a essa situação, não vamos dizer problema, porque é a acolhida de irmãos”. A Igreja local, com a ajuda da Igreja do Brasil, foi dando passos, sobretudo com a Caritas, e hoje são muitas as estruturas da Igreja de Roraima, em parceria com outras instituições, que acolhem os migrantes. Dom Evaristo lembrou que cada dia a Igreja Católica contribui pelo menos com 1.500 cafés da manhã e 1.500 almoços, fora do serviço de documentação, de acolhimento, com o projeto Sumauma.
“Todos os que chegaram aqui trouxeram a sua cultura, o seu jeito de ser, a sua história, e cada um trouxe um pouquinho mais de enriquecimento a nossa sociedade, a visão do mundo, a culinária. A migração não é um problema, a migração é uma riqueza, que torna a sociedade mais plural, mais acolhedora, uma sociedade de fato aberta a todas as pessoas que possam aqui chegar”, ressaltou o bispo.
Com relação ao cuidado da Casa Comum, tema da 39ª Semana do Migrante, o bispo de Roraima lembrou que a mudança climática atingiu fortemente o nosso estado, lembrando o longo período de seca de agosto de 2023 a março de 2024.
“É necessário olhar com cuidado para essa questão do meio ambiente, olhar para recompor aquilo que de fato foi essa terra, hoje cada vez mais enfraquecida com as queimadas”, lembrou.
O bispo de Tubarão e presidente da Comissão Especial de Enfrentamento ao Tráfico Humano da CNBB, dom Adilson Pedro Busin, presente na abertura da Semana do Migrante, fez um convite a “alargar a tenda do nosso coração para acolher, para proteger, para cuidar”. O bispo lembrou a presença de 4.000 venezuelanos em sua diocese, afirmando que “nossa terra é onde nós vivemos, é onde nós encontramos pessoas para partilhar a família humana, onde somos acolhidos e ganhamos o pão”, pedindo que “o nosso coração, a nossa família, a nossa comunidade, a nossa Igreja e a sociedade possa sempre estender as estacas como sinal de acolhida, porque todos nós somos família de Deus”.
Roraima é um Estado marcado por uma realidade grave e diversificada, como é a questão do Povo Yanomami, um território indígena onde o garimpo ilegal tomou conta, com quase 80 pistas de pouso clandestinas, controladas pelo narco garimpo. As fronteiras com os outros países, sobretudo Venezuela e Guiana, muitos vulneráveis, sendo fácil entrar e sair do país.
O tráfico de pessoas é algo sobre o que se está começando a falar entre os povos indígenas, segundo Davi Kopenawa, que afirma ser algo antigo entre os brancos. Nessa perspectiva, o líder yanomami destaca que “é bom que vocês acordaram para falar com nós”. Ele denuncia a exploração das mulheres Yanomami pelos garimpeiros, insistindo em que cada vez são mais as indígenas grávidas de garimpeiros.
Os migrantes em Roraima são vítimas do tráfico humano, que se concretiza de diversos modos, no trabalho escravo, a servidão doméstica, o aluguel de crianças para mendicância, para as pessoas serem atendidas em primeiro lugar nas filas, a exploração sexual de crianças e adolescentes, inclusive o roubo de crianças do colo das mães. Pode ser falado abertamente de falta de respeito aos direitos das pessoas, muitas vezes com a conivência do poder público e da própria sociedade.
Uma realidade que também se dá nos abrigos de acolhida, superlotados, com poucas pessoas para realizar o atendimento e cuidado, que em muitos casos tem se tornado territórios sem lei, tendo acontecido assassinatos dentro desses abrigos. De fato, muitos migrantes não querem entrar nos abrigos, preferem dormir na rua, até o ponto de que Boa Vista é a cidade com maior porcentual de população de rua do Brasil.
Nessa realidade, a Igreja Católica, a única instituição livre de fato para denunciar a violação dos direitos humanos, tem alargado sua tenda para acolher aqueles que chegaram no Brasil depois de enfrentar grandes e graves dificuldades. Com relação ao Projeto Sumauma, sediado na paróquia da Consolata de Boa Vista, seu pároco, padre Revislander dos Santos Araújo, destaca que esse trabalho, esse milagre da partilha, iniciou com a chegada dos primeiros venezuelanos em Boa Vista. A paróquia da Consolata é a mais próxima à rodoviária da cidade e lá os migrantes iam à procura de ajuda.
O padre insiste em que “todo mundo tem o direito de ir para onde quiser”, ressaltando que “com nossa pobreza, a gente tenta dar todos os dias o melhor que temos para que eles se sintam bem entre nós”. Uma partilha que ajudou a combater a xenofobia e acolher o outro, destacou.
No enfrentamento ao tráfico de pessoas, uma realidade muito ligada à migração, se faz necessário juntar forças para que as autoridades possam efetivar essa política, algo que não está acontecendo no Estado de Roraima, para descobrir luz para fortalecer nossa caminhada, segundo Socorro Santos, diretora do Programa de Direitos Humanos e Cidadania, da Assembleia Legislativa de Roraima. Ela reflete sobre a realidade do tráfico humano, que é dinâmico, multifacetário, ele muda de acordo com a realidade local e o momento histórico.
O tráfico humano também é campo de pesquisa na Universidade, constatando o grande crescimento do contrabando de migrantes, sua perda de cidadania, que vai além do fato de ter documentos, abordando a questão do migrante como assistido e não como protagonista de direitos. Essas pesquisas levam a enxergar o problema da interiorização, visto muitas vezes como projeto de se livrar dos migrantes, igualmente o feminicídio entre os migrantes.
Essa realidade leva a olhar as pessoas como objetos, como “a carne mais barata do mercado”, o que coloca em vulnerabilidade as mulheres, os povos indígenas, os negros, no Brasil. Um fato que deve levar a se questionar onde estamos errando como sociedade, a tomar consciência de combater os crimes que são cometidos diante da vulnerabilidade das pessoas.