Por Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas
Pela primeira vez pus os meus pés no Egito. Sempre tive esta vontade. Faltava oportunidade, dinheiro, coragem e decisão. Chegou, enfim, este dia e esta hora. Realizei meu sonho.,
A Bíblia está cheia de reminiscências sobre o Egito. De lá veio o povo de Deus, tirado do cativeiro, conduzido por Moisés, para a Terra Prometida. De lá também vieram José e Maria, conduzindo Jesus, nos seus braços, para se cumprir a profecia do profeta Oseias que dizia: “Do Egito chamei o meu Filho” (Os 11,1).
E esta profecia se realizou plenamente em Jesus Cristo (Mt 2,15). Ele fez o caminho inverso: saiu da Terra Prometida, viveu no Egito, refez este caminho e retornou à Terra Santa. Ele, de fato, é o caminho que nos conduz a Deus. Depois da morte de Herodes, voltou a Nazaré, conforme está escrito (Mt 2,19-23).
Hoje, estão catalogados dezessete lugares por onde a Sagrada Família passou, durante os três anos desta peregrinação. O Governo do Egito, mesmo sendo uma República Islâmico, oferece esta rota aos peregrinos cristãos, não por fé, mas por conveniência, por turismo e por dinheiro.
Uma profecia que se realiza, por menor que seja, é sempre uma grande vitória e uma grande esperança. Profecia existe para se cumprir. Aquilo que nunca se cumpre pode não ser profecia. É preciso apenas saber ler as profecias. Que não se realizem as profecias dos profetas das desgraças, dos desastres e dos agouros.
Se soubermos ler, com olhos de águia, a outra profecia, o Egito é o primeiro filho de Deus. A Assíria é o segundo e Israel é o terceiro (Is 18,24). Como também sabemos, a vida é uma missão e toda missão é vida. O Egito, uma “dádiva do Nilo”, é terra desta missão da vida e a vida desta missão. Fui ao Egito com a missão de conhecê-lo e de me conhecer. Não sei se consegui, ao menos, um destes sonhos. Mas tentei, viajei, sonhei… Pior é não tentar, não sonhar, não fazer nada.
Cairo tem uma Mesquita em cada esquina, parecido com algumas de nossas cidades, com relação a igrejas não católicas e, às vezes, nem cristãs.
O Egito é o berço da sabedoria e da cultura do Oriente. Moisés e Jesus beberam e absolveram muito desta sabedoria e desta cultura. O que hoje se atribui à antiga sabedoria e à cultura egípcias? Muito, sobretudo, na astronomia, matemática, arquitetura e na medicina; assim como na literatura, arte, culinária, mitologia e na religião, entre outras.
Estive, nesta rápida passagem pelo Egito, em uma Igreja Ortodoxa, dedicada à Theotokos, a Virgem Maria, Mãe de Deus. É a única Igreja cristã, à beira do Nilo. O Rio Nilo é como as veias no corpo humano, por onde corre o sangue, a água, geradora de vida. Boa parte do Egito é deserto. A terra fértil está a trinta ou quarenta quilômetros, às margens direita ou esquerda do Nilo. Diz a tradição que, no local onde esta Igreja está construída, foi encontrado o livro contendo a profecia que acabei de narrar. Dentro desta Igreja há também um poço, cuja água foi retirada para higienizar e dar de beber a Jesus.
Entrando, físico, espiritual e misticamente, nesta Igreja, saímos com três ideias fixas na vida, na cabeça e no coração: a paternidade de Deus, a maternidade de Maria e a nossa filiação. Deus é nosso Pai, Maria é nossa Mãe e nós, seus filhos e suas filhas, somos todos irmãos. Como dizia o então Papa João Paulo II: “A Igreja respira por dois pulmões: o do Oriente e o do Ocidente”.
Além disto, visitei as Pirâmides, a Esfinge, a Vila dos Faraós, o Museu Nacional da Civilização Egípcia, o Museu Copta e uma Mesquita. Visitei o bispo do Vicariato Apostólico do Egito, dom Cláudio. Visitei também a Basílica de Santa Teresinha, em Schubra, um lindo lugar de oração, de acolhida, de convivência e de encontro para os cristãos e também para os muçulmanos, em particular, as mulheres. Rezei aí uma missa, na terceira novena à Nossa Senhora do Carmo. Muito interessante este ecumenismo prático, já que teoricamente não é muito possível. À Santa Teresinha é dedicada uma estação do Metrô do Cairo. É um sinal de como ela está no coração deste povo. Mesmo sendo o “resto de Israel” deve ser mais forte e mais corajoso no profetismo e nas obras da evangelização.
Por fim, “do Egito chamei o meu Filho” é um forte reclamo e um apelo vocacional para qualquer um de nós. Todos podemos evocar para nós este chamado paternal e filial de Deus. Cada um de nós é este filho ou esta filha de Deus chamado à vida e à missão. Este também é um apelo à sinodalidade: embora diferentes, somos todos chamados a caminhar juntos pelas estradas da vida.
A conclusão a que chego, nesta rápida viagem ao Egito, é que não somos os primeiros e nem seremos os últimos a crer em Deus. Muitos já creram, antes de nós, e muitos ainda haverão de crer depois de nós.