Por Luis MIguel Modino
De 6 a 27 de outubro de 2019 aconteceu a Assembleia Sinodal do Sínodo para a Amazônia, um processo que tem marcado o caminho de uma Igreja sinodal. Nos dias do Sínodo, no domingo 20 de outubro de 2019, nas Catacumbas de Santa Domitila, foi realizado o Pacto das Catacumbas pela Casa Comum, fazendo memória do pacto realizado no mesmo lugar durante o Concílio Vaticano II.
Um dos presentes foi Dom José Altevir da Silva, que vê aquele momento como oportunidade para avançar na “importância de uma Igreja com rosto amazônico”. O Bispo da Prelazia de Tefé diz que sentiu “um momento histórico muito forte e ao mesmo tempo a renovação de compromisso”.
O Bispo considera o Sínodo para a Amazônia um compromisso, insistindo em que “as pessoas que não entendem a importância desse pacto que nós fizemos, eles nunca vão conseguir defender a Igreja que quer ser uma semente de vida para nossa Amazônia”. Ele faz um chamado a “falar cada vez mais da importância desse pacto”, a “acolher esse Deus da vida que criou tudo isso para nós”.
Segundo Dom Altevir “todos aqueles e aquelas estão se comprometendo com esta causa, vão ser perseguidos”, insistindo em que “as comunidades tradicionais, os quilombolas, os indígenas, eles têm muito a nos ensinar porque eles estão ali no dia a dia, enfrentando, defendendo”. Um Pacto que “são indicações e compromissos que dá para fazer um programa em nossas igrejas locais”.
Completou três anos do Sínodo para a Amazônia e um dos momentos marcantes desse Sínodo foi o Pacto das Catacumbas para o cuidado da casa comum, que lembra o Pacto das Catacumbas realizado durante o Concílio Vaticano II. O senhor participou desse momento, o que representou para o senhor aquela celebração?
Em primeiro lugar foi essa ligação com o Pacto das Catacumbas no final do Concílio Vaticano II, trazendo presente para a vida da Igreja hoje na Amazônia a importância de uma Igreja com rosto amazônico, como os bispos antes pensavam também uma Igreja pobre, servidora, profética, uma Igreja que está junto com as pessoas, não separada do povo.
O fato de fazer acima dos túmulos dos mártires, foi fazer essa retomada de uma maneira consciente, bonita e compromissada com a profecia, com o martírio, que hoje está sendo esquecido. O primeiro momento de estar ali, celebrando nas Catacumbas de Santa Domitila, vinha para mim essa memória histórica.
Senti um momento histórico muito forte e ao mesmo tempo a renovação de compromisso, especialmente no momento de assinar ou de molhar os nossos dedos no urucum, algo próprio da Amazônia, dos povos indígenas, deixando nossas marcas sobre o tecido, representando aquele urucum o sangue dos mártires, de muitos mártires de ontem e de hoje, e o compromisso selado para que nós pudéssemos levar em frente esse pacto, esse compromisso com a Igreja aqui na Amazônia.
O que dizer àqueles, inclusive gente que se dizem católicos, que não entendem esse compromisso com o cuidado da casa comum? Por que é importante esse pacto nesse sentido?
Esse pacto é importante porque o Sínodo da Amazônia para nós, muito mais para nós que fazemos parte da Igreja da Amazônia, é muito mais do que um documento, muito mais do que um legado deixado pelo Papa Francisco. É realmente um compromisso de vida junto a esse povo, junto a essa mata e esse rios. As pessoas que não entendem a importância desse pacto que nós fizemos, eles nunca vão conseguir defender a Igreja que quer ser uma semente de vida para nossa Amazônia, isso não tem como explicar para quem não quer entender.
O que nós devemos fazer justamente é falar cada vez mais da importância desse pacto que foi celebrado com vários bispos, leigos, padres, religiosas presentes. Essa foi uma diferença, pois no Concílio Vaticano II estavam presentes os bispos, mas agora essa presença diversificada, isso para nós foi muito importante para ver que a força transformadora e sustentadora dessa dimensão profética na Amazônia, ela vai além da Igreja hierárquica, ela realmente brota do chão da terra, na pessoa dos leigos, dos padres comprometidos, bispos, e isso incomoda às pessoas que não querem entender.
Quem critica muitas vezes um pacto como esse é porque não quer entender o compromisso, esse jeito de abraçar essa causa. O melhor jeito que tem é continuarmos lutando para que a vida seja transformada aqui em nosso meio, em nossa querida Amazônia. O compromisso nos leva a reconhecer, como lembrou Oscar Beozzo, que não somos donos da terra, mas nos comprometemos em acolher esse Deus da vida que criou tudo isso para nós, defender a terra, defender o rio, defender a casa comum é sem dúvida defender a obra da criação de Deus, a primeira Bíblia, a obra da Criação. Ninguém entendeu essa Bíblia, e aí veio a segunda Bíblia, que é a que nós usamos, a Bíblia escrita, mas a primeira já foi escrita por Deus através da nossa casa comum.
Dentre os presentes no Pacto das Catacumbas estavam representantes dos povos indígenas, que são perseguidos, martirizados em muitas regiões da Amazônia por assumir no dia a dia esse Pacto pelo cuidado da casa comum. O que significa para a Igreja esse testemunho dos povos indígenas e das comunidades tradicionais da Amazônia e como essa Igreja pode se comprometer mais na defesa desses povos perseguidos pela sociedade e pelos governos dos diferentes países da Amazônia?
Todos aqueles e aquelas que estão se comprometendo com esta causa, vão ser perseguidos, porque o sistema de morte, o sistema bruto do capitalismo selvagem, que vem com toda a força bruta acima dos pequenos, eles vão procurar calar a voz de quem defende a nossa casa comum. Como o Papa Francisco nos fala, o grito do pobre é o grito da Terra, e se confundem. O grito do rio, o grito da nossa realidade da Amazônia, o grito dos animais correndo do fogo das queimadas planejadas pelo sistema para avançar cada vez mais na destruição da nossa Amazônia em busca de seus próprios interesses, um interesse não comum e sim de um grupo pequeno.
Esse grupo pequeno que anda atrás de dinheiro, de ganância, esse grupo vai perseguir todos aqueles e aquelas que abraçarem esta causa. As comunidades tradicionais, os quilombolas, os indígenas, eles têm muito a nos ensinar porque eles estão ali no dia a dia, enfrentando, defendendo, até mudando de aspectos culturais, como é o caso agora na nossa região. A questão desses piratas que estão atacando todo mundo na beira do rio, os moradores. Os povos indígenas não escapam disso, eles viajavam a noite para visitar seus parentes, nas canoinhas deles, por causa do sol, durante o dia é muito quente.
Hoje eles estão com medo porque os piratas estão ameaçando, eles entram nas casas, mesmo que não tenham tantas coisas, mas eles estão metendo medo nas pessoas. Se percebe que aspectos culturais valiosos estão sendo afetados, mas eles não abrem mão, eles não têm para onde ir. A Igreja deve aprender com eles, a Igreja deve se sentir também aliada dos povos originários, entender os povos indígenas a partir de uma visão de pobreza, não tem para onde ir, eles não abandonam o cuidado da casa comum. Essa é uma das maiores lições que como Igreja devemos aprender dos povos indígenas, abraçar a causa, morrer pela causa, em defesa da nossa casa comum.
É uma expressão de pobreza e de amor, a pobreza e o amor estão juntos, os pobres nos evangelizam nesse sentido. Por isso que a Igreja tem muito que aprender com os povos indígenas. A gente não pode fugir, nós temos que abraçar essa causa e assumir até o fim a exemplo dos povos originários.
Uma defesa da casa comum que aos poucos vai sendo abraçada pela Igreja como aparece no Documento que recolhe o processo de escuta do Sínodo sobre a Sinodalidade, recentemente apresentado. Até que ponto o Sínodo para a Amazônia, junto com a Laudato Si´, tem ajudado a que a Igreja tome consciência da necessidade do cuidado da casa comum?
Os documentos têm ajudado, Laudato Si´ vai ser eternamente reatualizada, porque ela não fala de fora para dentro, mas ela fala de dentro para fora. Parece que é que a voz da Terra saindo pelos parágrafos da encíclica. É algo realmente inexplicável, é a ação de Deus presente nesse importante documento. O Sínodo para a Amazônia, nós ainda estamos um pouco aquém do que deveríamos fazer.
O Pacto das Catacumbas do Sínodo para a Amazônia, ele nos traz algumas indicações, que assim como o do Concílio Vaticano II, são indicações e compromissos que dá para fazer um programa em nossas igrejas locais. Seria muito importante para nós como Igreja, se recorrêssemos a esses documentos, não deixasse adormecer esse ardor, esse grito, esse clamor profético que o Papa Francisco nos coloca tanto na Laudato Si´ como no Sínodo para a Amazônia.
Especialmente no Sínodo para a Amazônia, que foi construído por tantas pessoas no processo de escuta, que deu certo. Os povos originários foram escutados e a voz deles virou compromisso. Cabe a nós aproveitarmos esses espaços e preencher nossos documentos na Igreja local, nossas diretrizes, nosso plano de pastoral, seja realmente banhado, iluminado, clareado por essas luzes, para que o compromisso de amor e ardor missionário, profético, não possa esfriar.
Tem que fazer de tudo para que se torne mais comum e mais conhecido. Eu tenho aqui mesmo, na entrada da casa onde eu moro, tem o Pacto das Catacumbas, está lá todos os nossos compromissos, tem os desafios da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe. São coisas que a pessoas chega aqui, entra e vê qual é a caminhada da Igreja, onde nós queremos ir. Isso deve ser feito com muita frequência, a gente não deixar criar novos documentos antes de vivenciar esses compromissos que nós temos, que não vai ser fácil fazer isso.
É importante insistir, como foi pedido, para mudar nosso trabalho pastoral na Amazônia. Como o Papa pediu, passar da visita à presença, para garantir realmente o direito à mesa da Palavra e da Eucaristia, e acima de tudo a defesa dos nossos territórios. Isso é um compromisso que nós devemos abraçar, porque se não defendemos o território não adianta lutar a favor da saúde, da educação. Se não defender o território, não tem como lutar por outros direitos.