Relatório publicado por CITA, Pariri e APA demonstra que empresas internacionais estão viabilizando obras que afetam os territórios tradicionais dos povos indígenas na região do rio Tapajós
Numerosas empresas internacionais estão atuando para tornar possível a controversa linha férrea Ferrogrão (EF-170) e o projeto “Complexo Hidrelétrico e Hidrovia do Tapajós”. Isto é demonstrado num relatório publicado hoje pelo Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), Pariri e a Associação para os Povos Ameaçados (APA). Os projetos de infraestruturas resultariam em danos ambientais maciços e os direitos indígenas seriam violados. Várias comunidades indígenas da região do Tapajós apelam, portanto, às empresas internacionais para que condicionem o seu financiamento ao respeito dos direitos humanos.
Estão planeados grandes projetos de infraestruturas na região do Tapajós: O projeto Complexo Hidrelétrico e Hidrovia do Tapajós que consiste numa via navegável, sete grandes barragens e 29 pequenas centrais hidroelétricas, e a linha ferroviária Ferrogrão, que tem cerca de mil quilómetros de comprimento. Os projetos visam o transporte de mercadorias como a soja e a carne de bovino mais rápido e mais barato. De acordo com um estudo, barragens do projeto Complexo Hidrelétrico e Hidrovia do Tapajós inundaria uma área de mais de 780 km2, que é agora considerada terra protegida das comunidades indígenas. Além disso, a construção da Ferrogrão exigiria uma alteração dos limites da Reserva Natural de Jamanxim. Isto abriria a área até agora protegida para uso económico e traria consigo enormes danos ambientais.
Instituições financeiras concederam empréstimos com um valor total de 235 mil milhões de dólares americanos aos potenciais participantes no projeto Ferrogrão
Numerosas empresas internacionais envolvidas
A Ferrogrão e o projeto Complexo Hidrelétrico e Hidrovia do Tapajós estão em fase de planeamento. O financiamento direto ainda não foi, portanto, determinado. No entanto, sabe-se quais empresas internacionais estão interessadas na construção e na operação dos projetos. Segundo o relatório do CITA, Pariri e da APA, no caso da Ferrogrão são principalmente empresas alimentares que demonstraram interesse no projeto, enquanto que a maioria dos potenciais interessados no projeto Complexo Hidrelétrico e Hidrovia do Tapajós são empresas de energia. Além disso, o novo relatório também mostra pela primeira vez as instituições financeiras que estão a financiar estes potenciais interessados.
Instituições financeiras concederam empréstimos com um valor total de 235 mil milhões de dólares americanos aos potenciais participantes no projeto Ferrogrão. Os maiores financiadores são o Citigroup (EUA), Bank of America (EUA), e BNP Paribas (França). No caso do projeto “Complexo Hidrelétrico e Hidrovia do Tapajós” as instituições financeiras concederam empréstimos num total de 279 mil milhões de dólares aos potenciais interessados. O Santander (Espanha), BNP Paribas (França) e Crédit Agricole (França) fazem parte dos maiores financiadores. Em relação aos investimentos, o relatório identificou um investimento de 46 mil milhões de dólares da parte das instituições financeiras nos potenciais interessados no projeto Ferrogrão e um investimento de 126 mil milhões de dólares nos potenciais interessados no projeto Complexo Hidrelétrico e Hidrovia do Tapajós.
“Estes projetos nada mais trazem do que destruição para nós. Vamos perder tudo: a nossa cultura, a nossa língua, os nossos costumes”
Os povos indígenas apelam às empresas internacionais
As comunidades indígenas irão sofrer muito com os projetos planeados na região do Tapajós. “Estes projetos nada mais trazem do que destruição para nós. Vamos perder tudo: a nossa cultura, a nossa língua, os nossos costumes”, diz Juarez Munduruku. Ele é cacique da aldeia de Sawre Muybu e seria directamente afectado pelo projeto Complexo Hidrelétrico e Hidrovia do Tapajós. O cacique teme que a dragagem do rio destrua o leito do rio e preencha afluentes importantes. O peixe, a fonte alimentar central das comunidades indígenas, seria também ameaçado. “E tudo isto apenas para tornar a soja ainda mais barata e para explorar ainda mais a Amazónia”, acrescenta o cacique da aldeia.
No entanto, o relatório mostra que a população indígena diretamente afetada não tem uma palavra a dizer no planeamento dos projetos. Isto desrespeita o seu direito ao consentimento prévio, livre e informado (CPLI). O CITA, Pariri e a APA apelam assim às empresas internacionais para que assumam a sua responsabilidade empresarial e que condicionem o seu financiamento ao respeito dos direitos humanos. “Agora é o momento de agir, antes que o dano seja feito”, diz Juarez Munduruku. A ativista dos direitos humanos Alessandra Munduruku encontra palavras claras para a responsabilidade destas empresas: “Os bancos são cúmplices na morte da floresta tropical amazónica. Porque financiam os responsáveis pelos projetos. Sem eles, não haverá Ferrogrão, nem via navegável, nem centrais eléctricas”.
As comunidades indígenas e a APA exigem uma ação imediata por parte das instituições financeiras
- Ação proativa: Na atual fase do projeto, as instituições financeiras devem ainda exercer influência sobre os parceiros comerciais e exigir o processo FPIC desde o início.
- Disposição para o diálogo: As instituições financeiras devem evitar possíveis danos através do diálogo com as comunidades afetadas e as ONGs.
- Transparência: Transparência relativamente ao seu papel e responsabilidade nos projetos de infraestruturas acima mencionados perante as pessoas afetadas e o público.
A médio prazo, as comunidades indígenas e a APA exigem das instituições financeiras
- Uma melhoria na gestão de risco: Para além dos riscos financeiros, as empresas devem incluir consistentemente os riscos sociais e ambientais na análise de risco (abordagem de dupla materialidade).
- As empresas devem incluir indicadores sobre direitos indígenas (especialmente CPLI) nas políticas, na gestão de risco e nos processos de monitorização de todas as atividades empresariais.
- As empresas devem introduzir fatores de risco específicos de cada país e região, por exemplo, para o Brasil e a Amazónia.
- As empresas devem controlar regularmente a conformidade dos seus parceiros comerciais com o CPLI. Em caso de violações repetidas, devem pôr termo à relação comercial por meio de cláusulas de saída.
Fonte: Comunicação Cimi