Espiritualidade, ecologia e migração foram os pontos refletidos pela professora Márcia de Oliveira e o padre Dário Bossi dentro do 35º Congresso da SOTER que conta com a participação de mais de 600 congressistas presenciais e on-line e acontece de 11 a 14 de julho.
Tendo como ponto de partida a migração venezuelana no território amazônico, uma realidade muito presente em Roraima, o Estado onde a professora Márcia mora, ela refletiu sobre o que essas mobilidades nos ensinam enquanto Igreja na região. A professora da Universidade Federal de Roraima enfatizou que “a migração não é um problema, são irmãos e irmãs que precisam de acolhimento, uma oportunidade para toda a Igreja repensar sua missão”.
Não podemos esquecer o processo de deslocamento que envolve o mundo inteiro, um terço da humanidade vive fora de seu território de referência, enfatizou a professora, que também relatou o processo de migração interna na Amazônia, com um 46% da população indígena deslocada de seus territórios para a periferia das cidades. Um deslocamento que acontece de forma obrigatória, sem a pessoa ter o direito de escolher a decisão de migrar, segundo a professora.
Diante dessa realidade chamou a ver o migrante como um lugar teológico, “acolhê-los não é uma escolha, é um mandato evangélico, sendo um desafio eclesial de grande relevância”, disse Márcia de Oliveira. Acolher na perspectiva cristã, como algo profundo, “não é apenas atender e mandar embora, acolher por amor e por cuidado, não por medo, por desprezo”. A professora fez um chamado a ter respeito pela dignidade do migrante, algo que pede o Papa Francisco, questionando os muros construídos que impedem os migrantes viver com dignidade mundo afora.
A Amazônia é atualmente uma rota migratória, disse a professora, e seguindo aquilo que o Papa Francisco pede, a Igreja é chamada a ser “uma comunidade para acolher, proteger, promover e integrar”. Isso diante de uma sociedade onde o migrante é bem-vindo na medida em que ele esquece sua cultura e não queira ser diferente. Para isso, um ponto central é “acolher com compaixão, uma acolhida que brota da sinceridade do coração”.
Márcia de Oliveira recordou o dito por Bauman, quando fala de interesses políticos e econômicos que não se importam com a vida das pessoas e da capacidade da sociedade moderna de produzir deslocamentos e não se responsabilizar por isso. Diante disso, a acolhida aos migrantes é um dever da sociedade, de rompimento do esquema capitalista e tudo o que gera essa injustiça.
A Doutrina Social da Igreja mostra a necessidade do acolhimento como atitude de transformação, e nessa perspectiva lembrou a falta de cuidado da Casa Comum como causa da migração. Isso tem que levar a acolher com compaixão, a praticar a acolhida com solicitude que parte do próprio Jesus, refletindo sobre a espiritualidade do exilio da Sagrada Família. Igualmente a superação das desigualdades para gerar pertencimento e a atitude de acolhida como algo que inclui todas as dimensões na Igreja.
O padre Dário Bossi partiu da reflexão sobre algumas lições sobre a espiritualidade amazônica que podem nos ajudar a crescer na busca de sentido. Nesse sentido, defendeu a importância de se conectar às raízes que vem das espiritualidades ancestrais, perceber que na luta por resistência isso é garantia de vida, que as espiritualidades são a forças, pois vinculam com as forças ancestrais e nos sonhos para as próximas gerações.
Nessas espiritualidades amazônicas colocou a escuta, indignação e a conversão e profecia como um tripé, colocando o exemplo de pessoas concretas em que o missionário comboniano vê essas atitudes. Como exemplo de escuta colocou Berta Cáceres, á líder ambiental indígena hondurenha, que afirmava que “eles estão com medo de nós porque nós não estamos com medo deles, e junto com isso: “venceremos, foi o rio que me disse”. Uma escuta ampla, que no Sínodo nos levou a entender o desaprender, reaprender e aprender, afirmou Bossi, uma escuta que se faz celebração e contemplação.
Como referência de indignação colocou Edvard Dantas Cardeal, da comunidade de Piquiá de Baixo, no Maranhão, exemplo de uma pessoa anônima que lutou contra a mineração na Amazônia, que afirmava que “a beleza dessa luta é que a gente não cansa, e quando houver uma derrota a gente reage com mais ânimo e convicção!”. O padre Bossi fez um chamado a se Indignar diante do colapso da Criação, da falta de água, do lixo nos oceanos, do aumento constante das temperaturas. Uma necessidade em um tempo decisivo que deve levantar nossa indignação, vendo o papel das religiões, como um instrumento que “não pode ser uma fuga moral, as Igrejas não podem se distanciar dos gritos”.
Finalmente, no campo de conversão e profecia colocou o líder indígena Ailton Krenak, que afirma que a conversão primeira é a apertura à pluralidade, fazendo ver que “nós não somos as únicas pessoas interessantes neste mundo”. A partir desse chamado, citou algumas atitudes de conversão: reverência diante do recebido; reconciliação, regeneração, rearmar vínculos, laços; volta à simplicidade, sobriedade feliz, bem-viver; conversão ao bem comum, para desmontar a doença da possessão individual acima do coletivo.