A REPAM-Brasil dá início a uma nova série de entrevistas com vozes que vivem, estudam e defendem os territórios amazônicos.
No primeiro episódio, conversamos com Joel Valério, Fundador Presidente do Instituto Conviva, sobre os impactos profundos da mineração ilegal nas comunidades locais.
Acompanhe, compartilhe e ajude a ecoar essas realidades que precisam ser vistas, ouvidas e transformadas.
- Quais são os principais efeitos que a atividade mineradora tem causado nas comunidades locais, especialmente em relação ao acesso à água, saúde e modos de vida tradicionais?
A garimpagem ilegal de ouro e cassiterita tem causado impactos severos nas comunidades indígenas Yanomami, mas o restante da população também sente os efeitos do problema, pois ao longo do tempo vem afetando diretamente o acesso à água potável, a saúde pública e os modos de vida tradicionais. A seguir, estão os principais efeitos:
1. Contaminação da Água e do Solo
O uso indiscriminado de mercúrio para separar o ouro contamina rios e igarapés, afetando diretamente a principal fonte de água potável e alimentação dos Yanomami.
Estudos, como os da Fiocruz e do ISA (Instituto Socioambiental), mostram alto níveis de mercúrio no corpo dos indígenas, com contaminação acima dos limites seguros em diversas aldeias. A água barrenta que resulta da atividade percorre todo o Estado, dificultando a vida dos ribeirinhos, a pesca e a coleta de água para consumo por vezes ficam prejudicada, as roças ficam inviabilizadas e isso reflete na vida periférica das cidades.
2. Crise Sanitária e Ameaças à Saúde
A presença de garimpeiros favorece o surto de doenças infectocontagiosas, como malária, tuberculose, infecções respiratórias, DSTs, além do aumento da desnutrição infantil.
A malária se expandiu com os criadouros de mosquitos nos buracos abertos pelos garimpos e a circulação de não-indígenas contaminados.
Segundo Davi Kopenawa, nos relatórios da Hutukara (2022), o sistema de saúde indígena (SESAI) é insuficiente e negligenciado, e em muitos casos, profissionais não conseguem chegar às aldeias devido à presença de garimpeiros armados.
3. Impactos nos Modos de Vida Tradicionais
Os Yanomami têm seus territórios sagrados invadidos, prejudicando práticas culturais como a caça, pesca e rituais xamânicos, muitas vezes relacionados ao equilíbrio ecológico.
A presença de garimpeiros gera conflitos diretos, inclusive com uso de armas, causando medo, deslocamento forçado e desorganização da vida comunitária.
Jovens indígenas são aliciados para o trabalho nos garimpos, rompendo ciclos de transmissão de saberes tradicionais e causando desagregação social.
Nesse novo modelo de garimpagem ainda tem o agravante do crime organizado ter dominado grande parte dos pontos de garimpo, isso aumenta a violência com o aparecimento de vários tipos de drogas e armamento pesado que por vezes vai parar na mão de alguns indígenas.
Os efeitos são devastadores: desestruturação sociocultural, degradação ambiental e extermínio da cultura e físico dos Yanomami.
- 2. Como as lideranças comunitárias têm se mobilizado para denunciar e enfrentar os danos provocados pela mineração nos seus territórios?
As lideranças indígenas, especialmente Yanomami, têm desempenhado um papel corajoso na denúncia e enfrentamento dos impactos da mineração ilegal em seus territórios. Seja na política, jurídica e na comunicação nacional e internacional revelando uma grande resistência diante de uma negligência permissiva do Estado.
Davi Kopenawa Yanomami, xamã e o mais reconhecido líder Yanomami, desde os anos 1980 tem denunciado publicamente os danos ambientais, sociais e espirituais causados pelo garimpo ilegal, ele denuncia não apenas a destruição da floresta e o envenenamento dos rios pelo mercúrio, mas também a “cegueira” dos napë (não indígenas) diante da espiritualidade e do modo de vida Yanomami, em sua obra autobiográfica A Queda do Céu (Kopenawa & Albert, 2015).
A Hutukara tem produzido relatórios técnicos e denúncias públicas como o documento “Yanomami Sob Ataque” (2022) nos quais são apresentados dados sobre a escalada da violência, surtos de malária, desnutrição infantil, contaminação por mercúrio e a presença de organizações criminosas controlando frentes de garimpo. Esses documentos têm sido fundamentais para sensibilizar a opinião pública, acionar o Ministério Público Federal e pressionar o Estado brasileiro e organismos internacionais como a ONU e a OEA, o uso de redes sociais e mídias alternativas com denúncias em tempo real, como faz a Associação Wanassedume Ye’kwana, além de articulações com organizações socioambientalistas como o ISA, Greenpeace, Survival International e universidades que oferecem suporte técnico e jurídico às comunidades.
A exigência da desintrusão dos garimpeiros é um grito que ecoa não só dentro da mata, mas em todos os cantos do mundo
3. O que você considera essencial para que os direitos das populações afetadas pela mineração sejam respeitados e garantidos diante do avanço dessas atividades?
É necessário um compromisso real do Estado, deixar de fazer uma política conforme a pessoa que está no poder. É essencial garantir a demarcação e proteção efetiva dos territórios indígenas, assegurar a presença constante do Estado com políticas públicas de saúde, educação e fiscalização ambiental, e fortalecer a participação das comunidades nas decisões que afetam seus modos de vida, com base no direito à consulta prévia, livre e informada, conforme a Convenção 169 da OIT, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989 e entrada em vigor internacional em 5 de setembro de 1991.