Desde 14 de fevereiro, as aulas estão suspensas para 240 estudantes, de dez aldeias Apinajé; lideranças afirmam que seguirão mobilizados até que estado volte a gerir transporte escolar
Conforme a Constituição Federal de 1988, a educação é um direito de todos e dever do Estado. Mas, no estado do Tocantins, o texto constitucional vem sendo ignorado. Desde o dia 14 de fevereiro, cerca de 240 estudantes indígenas, de dez aldeias do povo Apinajé, estão com as aulas suspensas devido à falta de transporte.
De acordo com Eliane Franco Martins, coordenadora do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Goiás/Tocantins (GO/TO), todas as escolas indígenas do Tocantins são atendidas pelo estado. No entanto, os indígenas foram surpreendidos no retorno do ano letivo: o transporte escolar foi municipalizado – agora apenas os estudantes do município de Tocantinópolis são contemplados com esse serviço.
“O território indígena pertence a outros municípios, como São Bento e Maurilândia. E agora, o município de Tocantinópolis, através dessa municipalização, só quer fazer o transporte dos alunos que pertencem ao município de Tocantinópolis. Esse serviço de transporte escolar sempre foi feito pelo estado e não pelo município. Então fizeram a municipalização desse serviço sem a Consulta Livre, Prévia e Informada ao povo Apinajé. Agora os alunos estão há duas semanas sem ir para a escola por falta de transporte escolar”, explica Eliane.
“Os alunos estão há duas semanas sem ir para a escola por falta de transporte escolar”
Em resposta à decisão tomada pelo município de Tocantinópolis e pelo estado do Tocantins, cerca de 100 indígenas do povo Apinajé ocuparam na manhã desta quinta-feira (24) a Diretoria Regional de Ensino (DRE) de Tocantinópolis. Eles tiveram a oportunidade de conversar pessoalmente com o prefeito do município, Paulinho (PSD), e com o diretor da DRE, Dorismar Carvalho de Sousa, e entregar um ofício com reivindicações.
“Diante dessa mudança no transporte escolar indígena, solicitamos a imediata revogação e anulação desse convênio firmado entre a Seduc [Secretaria de Educação] e o município de Tocantinópolis, que não teve diálogo e nem a participação de nosso povo. Dessa forma, entendemos que esse tipo de convênio viola e descumpre o protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, diz um trecho do documento.
“Entendemos que esse tipo de convênio viola e descumpre o protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”
No mesmo texto, os indígenas afirmaram se sentir “prejudicados e desrespeitados” com o acordo assinado pelos órgãos do estado do Tocantins, já que não permitiram a participação do povo no processo. De acordo com o Cimi Regional GO/TO, após a reunião da manhã desta quinta-feira, o prefeito de Tocantinópolis e o diretor da DRE do município se comprometeram a encaminhar a demanda para o estado. Os indígenas seguirão em greve até receberem um retorno.
Falta de material escolar
Não é só a má gestão do transporte escolar que está afetando a realidade do povo Apinajé: a falta de materiais para estudar também gerou impactos na realidade de crianças, adolescentes e das famílias dos estudantes. Em documento entregue à prefeitura e à DRE de Tocantinópolis, as lideranças também mencionaram esse problema.
“Outra reclamação dos pais e mães dos estudantes é em relação à interrupção repentina da compra de material escolar, como cadernos, lápis, borracha e outros itens garantidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD). Em razão de nossa vulnerabilidade econômica, declaramos que não podemos aceitar essa medida que dificulta e restringe nosso direito de educar nossos filhos. Entendemos que o estado, através da Seduc, deve atuar para facilitar e garantir o direito e acesso ao ensino e aprendizagem dos estudantes indígenas em todas as suas fases ou etapas”, afirmam as lideranças.
“A compra desses materiais é feita pelas associações das escolas indígenas, da Diretoria Regional de Ensino, da Seduc. Agora a Diretoria Regional de Educação de Tocantinópolis está negando a aquisição desse material. Então os alunos estão sem materiais para ir para a escola, porque a diretoria não comprou. Mas a associação indígena tem recurso para adquirir”, explica Eliane Franco.
Entre as famílias afetadas está a de Maria Ribeira, anciã do povo Apinajé do Tocantins. Vó de oito crianças e adolescentes, ela conseguiu apenas comprar os materiais somente para dois netos. “Estou preocupada, eles não estão nem estudando. Estão sem materiais e sem transporte. Queremos resolver essa situação. Precisam buscar os meus netos na aldeia”, afirmou Maria durante entrevista à TV Anhanguera.
“Estou preocupada, eles não estão nem estudando. Estão sem materiais e sem transporte”
Ao Cimi, Emílio Apinajé, presidente da Associação União das Aldeias Apinajé (Pempxà) do Tocantins, disse que foi errado não consultarem a base, ou seja, os caciques, para tratar tanto do transporte quanto dos materiais escolares.
“A maioria dos caciques não ficou sabendo, por isso fizemos esse ato [na manhã do dia 24 de fevereiro de 2022]. A gente tem recurso, tem direito à consulta para as nossas escolas. Que dê tudo certo, continuaremos mobilizados”, afirmou.
O que diz a LBD
O artigo 70 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD) considera como despesas de “manutenção e desenvolvimento do ensino” aquelas voltadas a garantir os objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis. Essa definição compreende as despesas que se destinam à aquisição de material didático-escolar e à manutenção de programas de transporte escolar.