Governos na Pan-Amazônia se autoproclamam “os novos Herodes da realidade”, afirma o secretário executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica/REPAM, Maurício López. Recordando as passagens bíblicas do Tempo do Natal, na Liturgia da Igreja, López relaciona a perseguição do Rei Herodes, na época do nascimento de Jesus, à ofensiva aos povos amazônicos na atualidade.

Dentro da Oitava de Natal, no evangelho do dia 28 de dezembro, Herodes manda matar todas as crianças abaixo de dois anos, após os magos do Oriente não retornarem para dizer onde o menino Jesus havia nascido. Este dia foi estabelecido como memória dos Santos Inocentes. Já na liturgia da Epifania do Senhor, na semana seguinte, é refletida a passagem do Evangelho que revela a perturbação do rei da Judeia ao ser questionado sobre o nascimento do “rei dos Judeus”.

Destes episódios é que Maurício apresenta a reflexão ligando-a à realidade amazônica. Os governos agem como o rei do tempo de Jesus, “eliminando qualquer possibilidade de vida para os pequenos, que são os que tecem a esperança, e em meio a quem, sem dúvida, esta esperança de vida e advento nasce e renasce hoje”.

A denúncia do secretário executivo da REPAM é à “negligência das autoridades locais, o conformismo, a cumplicidade com interesses que tiram a possibilidade da vida acontecer”. Os comentários de Maurício foram publicados em matéria assinada pelo padre Luís Modino, no portal CEBs do Brasil.

Para López, os governos fazem “ouvidos surdos aos gritos da realidade”, como assassinatos constantes, num contexto no qual a morte se apresenta como sinal cotidiano em muitos lugares da Amazônia. Também são ignoradas ou até endossadas as intenções de reverter processos históricos de conquistas de povos pela demarcação de seus territórios, nos quais reafirmam suas identidades.

Maurício também reflete sobre a atitude de Maria e José ao se colocarem a caminho, na fuga da perseguição do rei Herodes. Ele recorda aqueles dispostos a colocarem-se a caminho, “com as mãos na massa, para tecer possibilidades, todos os dias, na defesa dos direitos, da identidade, transmitindo cultura, língua, trazendo o sustento diário dessa vida para a Amazônia que ressoa como possibilidade de futuro”.

Para construir esse futuro, continua, é necessário “estar a caminho, como Maria e José, que, em meio às circunstâncias de opressão, para também ter a chance de liberdade, são obrigados a estar a caminho”, diz. Esta realidade se manifesta hoje na Amazônia, com “Marias e Josés” que “vivem a situação da diáspora, migração e refúgio, expulsos de suas terras, porque as condições não permitem mais, porque a violência não permite ter um futuro, e deixam tudo o que têm para pegar a estrada. Arriscam tudo o que têm, a segurança, para poderem ter a chance da vida nascer”.

Os migrantes de hoje “saem de seus lugares, estão a caminho, em busca de um novo lugar. Indígenas que são expulsos de suas terras ancestrais por interesses do agronegócio, do extrativismo, e eles são, de alguma forma, forçados a viver nas periferias urbanas, sem a terra, que é a fonte de vida e dignidade para eles”, reforça Maurício.

A encarnação do Verbo Divino no meio da humanidade, segundo Maurício, se concretiza “no nascimento da possibilidade do Reino e de esperança [divina] para todo o planeta, a chegada de Jesus em um ambiente malcheiroso, rodeado talvez de insalubridade, de animais, em uma caverna ou lugar totalmente inapropriado, como resultado da rejeição de tantas irmãs e irmãos que não são capazes de ver que a encarnação acontece lá hoje”. Este fato se atualiza na Amazônia, de acordo com Maurício: ali se irrompe um “novo sujeito eclesial, que nos fala de si mesma como esperança e futuro, mas também como risco e vulnerabilidade, como local periférico onde a encarnação acontece”.

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