“Tudo está interligado, como se fôssemos um. Tudo está interligado, nessa casa comum. Amazônia hoje e sempre”. O canto proposto por Yashodhan, líder espiritual do Kilombo Morada da Paz, deu o tom do encerramento da 4ª Semana de Estudos Amazônicos (Semea) na manhã desta sexta-feira (1º), na Dom Helder Escola de Direito, em Belo Horizonte/MG. Em um último ritual coletivo, os participantes foram convidados a ficar de pé e reconhecer o outro a seu lado. “É para olhar mesmo, com vontade”, brincou a quilombola. Enquanto alguns arriscaram movimentos tímidos, outros se abraçavam com desenvoltura, repetindo as palavras de Yashodhan.
“Como vocês viram, é um evento diferente do que estamos acostumados, academicamente. Não queremos falar sobre as populações tradicionais ou sobre a importância da Amazônia. Queremos falar com essas pessoas, aprender com elas”, destacou Luiz Felipe Lacerda, secretário-executivo do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (Olma), que coordenou a 4ª Semea. De acordo com Luiz Felipe, uma das principais conclusões construídas no decorrer da semana foi: precisamos descolonizar a ciência. O alerta vale para mestres, doutores, acadêmicos e pesquisadores, de forma geral. “Precisamos de uma transformação radical. Nossos artigos estão aprisionados num sistema de publicações – vivemos a escravidão do Lattes – depois vão direto para gaveta, e ninguém lê. Essa ciência não serve mais”, apontou o secretário. O principal, segundo ele, é garantir voz e espaço aos indígenas, quilombolas, populações tradicionais, moradores de rua e a todos que tiveram esses direitos negados historicamente.
Já o procurador da República José Adércio Leite Sampaio, professor da Dom Helder Escola de Direito, destacou a necessidade de converter projetos e ideias em ações concretas. Inspirado pelo poema Ritual, de Astrid Cabral, e por todas as reflexões feitas durante a 4ª Semea, o professor anunciou a primeira iniciativa, que será executada em parceria com o Olma e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam): a concessão de bolsas de estudos para graduação, mestrado e doutorado em Direito na Dom Helder. Elas serão destinadas a pesquisadores que desejam atuar em defesa dos povos indígenas e tradicionais, assim como membros das próprias comunidades. “Será um grande projeto de defesa desses povos. Agradeço ao reitor da Dom Helder, professor Paulo Stumpf, que é o mentor da iniciativa”, afirmou José Adércio.
Confira a cobertura completa sobre a 4ª Semana de Estudos Amazônicos!
O reitor Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia (Faje), Geraldo de Mori, colocou a estrutura e os recursos da faculdade à disposição desta e de outras iniciativas que possam surgir, como o projeto realizado em parceria com a Diocese de Rio Branco (AC), finalizado em 2018. “Formamos cinco mestres em Teologia, que estão dando uma contribuição interessante naquela parte da Amazônia. Estamos abertos a novos diálogos, não apenas para levar o nosso saber, mas para ouvir a realidade dos povos da região. Vocês têm tanto a oferecer. Essa troca de saberes, sabores e cheiros, estabelecida durante a Semea, foi muito importante para todos nós”, avaliou.
Para Daniel Seidel, assessor da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), o evento foi o primeiro eco do Sínodo da Amazônia no Brasil. “Só isso já mereceria reconhecimento. Mas foi muito mais. Foram as experiências partilhadas, a metodologia, as rezas, o jeito de fazer e o respeito ao protagonismo”, apontou. Como parte da Rede Eclesial, Daniel afirmou sair fortalecido e renovado, além de mais responsabilizado e comprometido. “Ouvir os questionamentos dos povos tradicionais me fez repensar profundamente muitas visões que tinha”, contou. O assessor deixou ainda um pedido à Dom Helder: trabalhar para o reconhecimento da pachamama – mãe terra – como sujeito de direitos.
O enceramento da 4ª Semea contou também com a participação de David Romero, delegado para Amazônia da Província dos Jesuítas do Brasil. Ele contou que, quando recebe visitas, sempre repete: é importante entrar na Amazônia, mas é mais importante que a Amazônia entre em vocês. “E a 4ª Semea tem sido realmente uma experiência de partilhar, de deixar ela entrar”, afirmou, com satisfação. Durante toda a semana, David observou a foto que estampa o painel do evento, com uma parte da floresta, um rio, nuvens e o céu. “Isso é o que vemos. E o que não vemos? Bilhões de seres vivos que fazem parte do ecossistema. Tudo está interligado. E o que isso representa? Vida”, afirmou. Palavras que, por coincidência – ou não, lembram o canto de Yashodhan.
Para o padre Álvaro Negromonte SJ, Superior do Núcleo Apostólico Belo Horizonte/Santa Luzia, o evento foi um sucesso, em todos os sentidos. “Pedi muito a Nosso Senhor que nós tivéssemos um encontro realmente forte, que viessem pessoas do bem. E Ele nos atendeu”, afirmou, em tom de agradecimento.
Inovações
Duas novidades marcaram a 4ª Semana de Estudos Amazônicos: a apresentação de trabalhos acadêmicos e a realização das atividades em múltiplos locais. Além da Dom Helder, a Faje e o Centro Loyola foram sede do evento. “Pela audácia e coragem da Dom Helder, abrimos para a apresentação de trabalhos, o que foi muito importante. Já a questão das diferentes sedes foi um desafio”, brincou Luiz Felipe. O secretário fez inúmeros agradecimentos, em especial ao padre Álvaro Negromonte, pela confiança e suporte. Anunciou também o Centro Universitário FEI, em São Paulo, como a sede da 5ª Semea, que será realizada em 2020. Por fim, realizou a entrega de certificado aos melhores trabalhos acadêmicos.