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Na Semana Laudato Si’ (19 a 23 de maio), a REPAM-Brasil amplifica as vozes que ecoam do coração da floresta. São reflexões vivas, que nos convidam à comunhão com a Terra, com os povos e com o Criador.

No quarto artigo da série, Diego Aguiar — agente da Secretaria Executiva da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), em Manaus (AM) — compartilha sua reflexão sobre o chamado da Laudato Si’ à conversão ecológica e ao compromisso com os territórios amazônicos.


Diego Aguiar  

Há dez anos, o Papa Francisco nos presenteou com a encíclica Laudato Si’, um documento que ultrapassa os limites da fé e se transforma em um chamado universal à consciência, à responsabilidade e ao cuidado com a vida. Mais do que um texto doutrinário, Laudato Si’ é uma carta de amor — à Terra e à humanidade — que nos convida a recordar nossa profunda conexão com a Casa Comum. Nela, encontramos o lembrete de que fomos criados em harmonia com o planeta e que nossa sobrevivência está intrinsecamente ligada à preservação desse equilíbrio. No entanto, seguimos mergulhados em um sistema que nos educa para o oposto: para o consumo excessivo, o individualismo e a exploração desenfreada da natureza. Um sistema que transforma bens comuns em mercadorias, e territórios vivos em áreas de sacrifício. 

A força de Laudato Si’ está, justamente, em nos fazer enxergar que as crises que enfrentamos não são separadas — uma ambiental e outra social —, mas parte de uma mesma e profunda crise socioambiental. Não se trata apenas de salvar árvores ou espécies em extinção, mas de repensar radicalmente o modo como vivemos, produzimos, nos relacionamos e sonhamos com o futuro. Essa visão integrada tem mobilizado, ao longo da última década, comunidades, lideranças e organizações a buscarem alternativas que expressem, na prática, o cuidado com a Terra e com os mais vulneráveis. 

Escrevo a partir de Manaus, uma grande cidade encravada no coração da Amazônia. E é deste lugar — físico e simbólico — que compartilho a forma como vivo os valores da Ecologia Integral. É na Amazônia que aprendi, com minha ancestralidade e com os povos originários, que não há vida possível sem a floresta, sem os rios, sem a escuta da Terra. Que Deus também se manifesta na vida que cresce no chão molhado, na folha que brota, no peixe que resiste. Aqui, aprendemos que cuidar da natureza é cuidar de nós mesmos. Que lutar pela preservação da Amazônia é lutar pela continuidade da vida em todo o planeta. Mas também é aqui que sentimos, todos os dias, os efeitos perversos de escolhas que colocam o lucro acima da dignidade: queimadas que envenenam o ar, rios contaminados por mercúrio e rejeitos, populações invisibilizadas e violentadas por projetos de morte. 

Diante desse cenário, resistir é um ato de fé. E é também um compromisso com a esperança. Junto a comunidades de base, movimentos socioambientais, juventudes engajadas e experiências de economia solidária, vivenciamos uma espiritualidade que nasce da terra e se transforma em ação. Uma espiritualidade que denuncia, mas também anuncia: novos modos de viver são possíveis. A Ecologia Integral não é um ideal distante, mas uma prática cotidiana que se expressa no cultivo da agroecologia, na partilha dos saberes, no consumo consciente, na formação de redes de cuidado e na valorização das culturas e vozes dos povos amazônicos. 

E é justamente essa escuta que o mundo precisa aprender. Escutar a Amazônia, hoje, é reconhecer que há sabedoria e resistência em quem habita essas margens. Que os povos indígenas, ribeirinhos e comunidades tradicionais não são obstáculos ao progresso, mas guardiões de um futuro possível. Escutar é um ato de amor, de humildade e de transformação. É entender que não existe justiça climática sem justiça territorial, nem cuidado com o planeta sem ouvir quem sempre soube cuidar. 

Laudato Si’ me inspira, hoje, a seguir acreditando que é possível construir um novo mundo. Um mundo em que fé e vida caminhem juntas, em que espiritualidade e compromisso político se entrelacem, em que a Terra seja tratada não como recurso, mas como mãe. Agradeço ao Papa Francisco por essa mensagem corajosa e por seu carinho com a nossa querida Amazônia. Que possamos Amazonizar nossos corações, nossas relações e nossas estruturas. E que, a partir desse gesto profundo de reconexão, sejamos capazes de plantar, juntos, o amanhã que sonhamos. 

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