Mais de 20 mil garimpeiros ilegais têm invadido a Terra Indígena Yanomami, no estado de Roraima, no extremo norte do Brasil. A consequência é um sofrimento que vai aumentando cada dia, com um perigo real de se tornar um genocídio.

A Igreja católica tem se tornado uma das grandes aliadas dos povos indígenas, assumindo a necessidade de ecoar sua voz, segundo a Ir. Laura Vicuña Pereira Manso, agente pastoral do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e representante dos povos originários na Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA).

A religiosa denuncia nesta entrevista o que está atrás da situação que atinge ao povo Yanomami, mas também aos povos indígenas em geral, mostrando a importância que eles têm no futuro da Amazônia e do Planeta. Não podemos esquecer que eles são os grandes defensores da casa comum.

Nos últimos meses, a situação do povo yanomami, em consequência da atuação dos garimpeiros, tem piorado cada vez mais, sendo relatadas situações que poderiam ser consideradas como um genocídio. Para alguém que conhece a realidade, como agente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), qual é realmente a situação do povo yanomami neste momento?

A situação do povo yanomami é um continuo de violências e de violações de direitos. Se a gente for olhar historicamente, no ano de 1993, houve a chacina de Haximu, onde uma aldeia inteira foi exterminada, por conta de conflitos e invasão de garimpeiros na Terra Yanomami. Trago esse fato para exemplificar o contínuo de invasões que ocorrem na Terra Yanomami.

Na verdade, as invasões, elas permaneceram de décadas passadas, e continuam até hoje, com o agravamento de violências, com o agravamento também dessa pandemia que ocorre em escala mundial, e ainda deixando em extrema vulnerabilidade esse povo. Isso ocorre nos últimos anos, sobretudo nos últimos três anos do atual governo, em que houve um recrudescimento da violência contra os povos indígenas.

Houve uma legitimação da invasão dos territórios, e os invasores se sentiram muito mais fortalecidos e muito mais legitimados pelas falas e pelas posições do atual presidente, que abriu os territórios indígenas para que seja um espaço de exploração económica em todo o território brasileiro.

Recentemente, Dom Erwin Kräutler, numa entrevista, analisando os resultados da COP26, disse que um dos grandes perigos do Brasil é considerar a Amazônia como algo exclusivo do país, sem a obrigação de dar satisfação do que acontece na Amazônia. Diferentes organizações, dentre elas a Igreja católica, através do CIMI, da CEAMA, da REPAM, está pressionando organismos internacionais. Por que é importante essa pressão e qual o papel que os organismos internacionais deveriam ter na defesa dos povos originários da Amazônia brasileira?

A Amazônia, ela sempre foi tema de debate através das décadas, porque a Amazônia sempre foi também um território promissor e de avanço das fronteiras económicas. O Sudeste, o Centro-Oeste, são totalmente explorados e totalmente sendo espaço de grandes fazendeiros. Fica a Amazônia, que já em épocas passadas, no século passado, com as primeiras colonizações, sempre foi vista como uma terra onde se podia fazer dinheiro.

Com essa ideologia, no decorrer dos tempos, se foi firmando essa postura de que a Amazônia é um espaço só do Brasil, e não como um espaço que é de toda a humanidade, por ser um dos biomas que inclusive controla toda a parte do clima em escala mundial. Todos os biomas se interconectam, mas a Amazônia, por ser essa grande floresta húmida, tropical, existente, nessa região do continente americano, e também por ser uma floresta que ela equilibra o clima em nível mundial, isso contraria os grupos econômicos que estão querendo avançar contra a Amazônia.

É importante a pressão de organismos internacionais porque quem mantem a floresta em pé são os povos indígenas, são as comunidades tradicionais. E justamente, essas comunidades e os povos originários são muito violentados por terem um estilo de vida que mantem a floresta e o equilíbrio do Planeta, essa ecologia e integralidade que os povos têm no cuidado da casa comum. E isso contraria os grupos econômicos que veem a natureza, a floresta, a vida, só como mercadorias que podem ser compradas e vendidas.

Essa relação dos povos originários, das comunidades tradicionais com o meio em que vivem, a terra como mãe, a água como vida, isso é um empecilho para esse tipo de desenvolvimento tecnocrata que mata tudo e que mata a vida. É justamente a pressão de organismos internacionais que vai chamar a atenção e que vai de fato ser essa voz que defende os povos que vivem na Amazônia. E a Igreja, com certeza, é uma grande aliada dos povos originários e dos povos amazônicos, sobretudo a partir do Sínodo da Amazônia, onde a Igreja reafirma o seu compromisso de ser aliada das lutas dos povos, na defesa da vida, da terra e dos direitos.

Fale sobre um elemento importante, que é a Igreja como aliada dos povos originários, sobretudo a partir do Sínodo para a Amazônia. Realmente os povos originários experimentam e se sentem mais protegidos em consequência dessa aliança com a Igreja?

Com certeza é uma aliança que defende a vida, que defende os sistemas próprios de vida de cada povo, porque nós temos no Brasil 305 povos, com sistemas próprios de vida, com culturas, com espiritualidades. Que um organismo, como é a Igreja católica, que valoriza, que respeita essa diversidade, e visibiliza para o mundo a grande riqueza e potencial dos povos originários e amazônicos, com certeza é um ganho muito grande.

A gente gostaria de lembrar quando o Papa Francisco esteve em Puerto Maldonado, na abertura do Sínodo para a Amazônia, diante dos povos que lá estávamos, de vários países da Pan-Amazônia, o Papa Francisco pedia que a Igreja fosse essa voz que fizesse ecoar a voz dos povos indígenas e todo o sofrimento que os povos indígenas padecem na Amazônia, todas as violações e violências. O Papa Francisco afirmou que nunca os povos indígenas estiveram tão ameaçados, por conta dessas frentes econômicas.

A partir dali a Igreja assume dar eco aos povos indígenas. Não falar pelos povos indígenas, mas fazer eco desse sofrimento e ser uma aliada, uma companheira que caminha junto, que está junto anunciando a vida, mas também denunciando todos os projetos de morte que pesam sobre os povos originários.

A senhora é agente do CIMI e uma das três representantes dos povos indígenas na Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA). Quais são as dificuldades que alguém que trabalha com os povos originários encontra no dia a dia, e até que ponto sente o apoio da Igreja nesse trabalho cotidiano?

O grande desafio de trabalhar com os povos originários, com a causa das minorias, é que sofrem perseguição, sofrem calunia. Mas isso não abate o compromisso, não desanima a continuar firmes nessa luta. Também porque além de trabalhar no Conselho Indigenista Missionário, também como indígena de um povo que está em luta pelo seu reconhecimento étnico, a gente faz todo esse processo de defesa e de compromisso com a vida.

A Igreja ao longo da história foi, é e sempre será uma aliada dos menos favorecidos, nessa opção preferencial pelos pobres, nessa opção preferencial pela vida. A gente sente essa presença de Igreja aliada, de Igreja que caminha junto, Igreja que é solidária, Igreja que está em busca e sendo presença junto aos últimos da sociedade, como sempre nos convida o Papa Francisco.

A gente sente essa grande preocupação que a Igreja tem por essas temáticas em defesa da vida. Diante dessa situação do povo yanomami, que grita um pedido de socorro pela vida, temos hoje um compromisso com a vida do povo yanomami. Igual que o povo yanomami, temos muitos outros povos no Brasil e na Pan-Amazônia que sofrem os mesmos tipos de violação. Por isso a necessidade de a Igreja fazer ecoar essa voz. E o Papa Francisco assume ser esse aliado dos menos favorecidos. Ser um aliado, ser uma pessoa que caminha junto com aqueles que mais sofrem, uma Igreja em saída, samaritana e Madalena.

De cara ao futuro, diante das lutas e denúncias que estão sendo realizadas, poderíamos dizer que existem motivos de esperança para poder melhora a situação do povo yanomami e de tantos outros povos que são perseguidos na Amazônia brasileira e na Pan-Amazônia?

Os povos originários são povos da esperança, são povos da resistência, são povos que acreditam e defendem projetos de vida pautados no bem viver. Justamente com essa esperança, com essa teimosia e com essa persistência e resistência histórica, que a gente não se dobra diante dos projetos de morte. A gente sempre diz: “a pesar do que acontece, a vida prevalece”.

Tudo isso que acontece com o povo yanomami na atualidade, que acontece com os povos indígenas em nível de Brasil, em nível de Pan-Amazõnia e em nível de mundo, são situações que não tiram a esperança dos indígenas, porque os povos indígenas são povos da resistência. Resistiram a 521 anos de massacre, com certeza resistirão mais tempo e resistirão sempre, porque a vida é o bem maior. O bem viver é aquilo que pauta a nossa existência, que pauta o nosso existir enquanto povos originários, povos que são filhos e filhas da terra.

Qual a mensagem que lança diante dessa situação que sofre o povo yanomami e os povos originários na Pan-Amazônia?

Uma mensagem à população, todas as pessoas de boa vontade, para que a gente cuide essa casa comum como um bem precioso do Criador, e que a gente realmente veja os povos originários como esse grande potencial de vida, como esse grande potencial de defesa dessa casa comum. Para que isso aconteça, a gente realmente precisa da ajuda e da solidariedade internacional.

*Luis Miguel Modino, comunicação REPAM-Brasil. 

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