O objetivo do documento é deter a perda de sua biodiversidade, a degradação de seus solos e fontes de água e as ameaças contra os direitos dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, bem como oferecer condições de vida dignas a essas populações.
Representantes dos governos do Brasil, Colômbia e Peru, líderes religiosos e indígenas estiveram reunidos no evento “Religiões em Ação por uma Amazônia Sustentável”, que ocorreu dentro dos Diálogos Amazônicos neste domingo (06) no Hangar-Centro de Convenções da Amazônia, em Belém. O evento foi promovido pela Iniciativa Inter-Religiosa pelas Florestas Tropicais (IRI).
Na abertura, o Reverendo Agnaldo Gomes, Diretor de Religiões pela Paz Brasil e membro do Conselho da IRI, mencionou que as religiões abriram profundas feridas em negros e
indígenas no país, “mas que, em nome da paz, há um esforço conjunto para a implantação da IRI no Brasil como facilitador de um processo de integração e convivência harmônica entre as religiões”.
Os debates foram promovidos pela Iniciativa Inter-Religiosa pelas Florestas Tropicas (IRI), que busca mobilizar comunidades de todas as tradições religiosas e espiritualidades, desde as bases até as lideranças, para somar seus esforços à grande coalizão que trabalha para proteger as florestas tropicais, lutar contra as mudanças climáticas, defender os direitos dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais e promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia, Juntamente com governos, povos indígenas, organizações da sociedade civil, empresas e agências da ONU.
Para Carlos Vicente, Facilitador Nacional da IRI, as lideranças religiosas podem ajudar a criar uma ampla mobilização popular em defesa da Amazônia e sua gente. “Queremos contribuir para fortalecer a mobilização socioambiental que existe nos países”, disse.
Na mesa de debates, Juan Bello, Diretor do PNUMA para a América Latina e Caribe, destacou que levou um bom tempo para acontecer um encontro dessa natureza, por isso se tratava de um dia memorável. “Viver em harmonia com a natureza e através da espiritualidade para encontrar um caminho. A Amazônia representa um reservatório da espiritualidade para habitar nesse planeta, por isso, enquanto tivermos essa oportunidade, nós seguiremos acompanhando vocês. Tudo isso tem que ser traduzido em políticas de preservação da natureza. Pensando num futuro de união e sabedoria e harmonia”, afirmou.
Annette Bull, Depunty Chief of Mission da Noruega, destacou que o país tem investido consideráveis recursos na implantação de políticas públicas para a proteção da biodiversidade e apoio aos povos indígenas nesses 40 anos. “Reforço o compromisso do meu país para um futuro mais sustentável”, completou.
O Cardeal da Amazônia, Dom Leonardo Steiner, participou do evento de forma virtual e citou uma frase do Papa Francisco em sua fala: “Tirem as mãos da Amazônia”. Ele enfatizou a necessidade de diminuir a poluição dos rios por mercúrio e de preservar a fauna e a cultura do povo amazônico.
A Iniciativa Inter-Religiosa pelas Florestas Tropicais tem um Conselho Consultivo formado por entidades religiosas das mais diferentes tradições e organizações indígenas no Brasil, na Colômbia e no Peru. Um dos pontos altos dos Diálogos foi a apresentação desses conselheiros:
A pastora Romi Bencke, Secretária Nacional do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) e Conselheira da IRI no Brasil, pontuou que é importante respeitar os povos indígenas da Amazônia que optaram por não ter contato. “Às vezes a melhor forma de cumprir o ‘ide’ é ‘ficai’. Nós precisamos mais ouvir do que falar e apoiar as iniciativas de desmatamento zero”, afirmou.
A Reverenda Loida Sardiña, Secretária General do Conselho Inter-Religioso da Colômbia e Conselheira da IRI na Colômbia, disse que “é preciso reconhecer a responsabilidade que
temos com a Amazônia”.
O bispo César Llanco, Conselheiro da IRI no Peru e Presidente da Iglesia Metodista, fez uma rápida fala na qual destacou a importância de unir espiritualidade com preservação ambiental.
Os membros da IRI reconhecem que o desmatamento na Amazônia ameaça a existência das populações locais e da humanidade e que, portanto, é indispensável uma ação decisiva para interromper e reverter esse processo. Por isso, foi criado um documento de compromisso com a Amazônia e apelo à ação pelo fim do desmatamento. Ele foi entregue à Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, à Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva e a Ministra do Meio Ambiente do Peru, Albina Ruiz, que estavam no evento.
Seu objetivo é deter a perda de sua biodiversidade, a degradação de seus solos e fontes de água e as ameaças contra os direitos dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, bem como oferecer condições de vida dignas a essas populações. Ainda segundo o documento, as autoridades devem adotar políticas públicas abrangentes e planos de desenvolvimento sustentável para a Amazônia para alcançar os seguintes resultados:
- Zerar o desmatamento da Amazônia até 2030;
- Fortalecer a governança socioambiental;
- Demarcar as terras indígenas pendentes;
- Desinstruir as terras indígenas já homologadas;
- Destruir os garimpos nas terras indígenas;
- Proteger os povos indígenas isolados contra qualquer tentativa de contato forçado e respeitar a consulta prévia, livre e informada sobre empreendimentos que afetem os territórios indígenas;
- Criar as unidades de conservação da biodiversidade prioritárias;
- Dar destinação das terras devolutas segundo critérios socioambientais;
- Implementar uma estratégia transnacional para combater o crime ambiental e o tráfico de drogas na região amazônica;
- Adotar mecanismos eficientes de pagamento por serviços ambientais para comunidades amazônicas e proprietários de terras que conservem e restaurem a floresta;
- Estabelecer um novo padrão de planejamento e execução de projetos de infraestrutura na Amazônia que viabilize o desenvolvimento de uma bioeconomia baseada no uso sustentável da biodiversidade e dos recursos naturais;
- Incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico para viabilizar o estabelecimento de uma economia florestal sustentável; e
- Proporcionar acesso a serviços públicos essenciais (saúde, educação, saneamento ambiental, conectividade e segurança pública) de qualidade para a população amazônica, buscando reduzir as graves desigualdades sociais e a pobreza na região.
A Iniciativa Inter-Religiosa destaca ainda que: “Essas propostas são frutos de décadas de mobilizações sociais, estudos científicos e projetos e ações pilotos bem-sucedidas no bioma em todos nossos países”.
Durante a entrega do documento, a líder indígena Cíntia Guajajara entoou um cântico de exaltação à floresta e ao Deus Tupã. “Nós temos essa conectividade muito forte com a mãe terra, nós trazemos essa energia do céu”, disse ao final.
Para a Ministra Marina Silva, é impossível amar o criador sem respeitar a criação que é a floresta. “Eu li todos os compromissos, são todos compatíveis com o que estamos fazendo com muito trabalho. A gente tá trabalhando duro e já conseguimos reduzir em 42,5% o desmatamento entre janeiro e julho de 2023. Mas nós não queremos diminuir o desmatamento só por ações de força, mas também por ações de desenvolvimento sustentável. É preciso que as leis do coração sobre o cuidado com a natureza prevaleçam, quando a lei está dentro de nós, o cuidado está dentro de nós, o respeito está dentro de nós, aí nem precisa de tantas leis”, disse a Ministra.
Albina Ruiz, Ministra do Meio Ambiente do Peru, enfatizou o compromisso do seu país em trabalhar de forma conjunta com a IRI porque eles fazem as coisas com o coração. “Pois temos que escutar primeiro e posteriormente concordar ou não, mas todos temos que concordar com a restauração e o desmatamento zero. Não podemos permitir que tráfico de drogas continue avançando, nem o tráfico de pessoas, nem da fauna nem da flora, muito menos a destruição da natureza.”, concluiu a Ministra peruana.
Sônia Guajajara disse ter abraçado a IRI por entender a importância da diversidade de religiosidades e por trazer muita força para a resistência. “Para nós, a terra é o nosso próprio corpo. Mais do que acordos, precisamos de uma agenda municipal, estadual e nacional de alternativa à crise climática. A semente está na origem e nós que somos povos originários também somos sementes. Nunca mais um Brasil sem nós.” pontuou Sônia.