Por Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas e Vice-Presidente da REPAM-Brasil
O silêncio do luto invadiu nossos corações ainda embriagados pela luz da Páscoa. A vida imitou a liturgia. No tempo da ressurreição, fomos surpreendidos pela morte daquele que, ao longo de seu pontificado, nos ensinou que o Evangelho é também uma forma de respirar, cuidar, semear. Papa Francisco não foi apenas um líder. Foi um profeta, uma Páscoa viva em meio às trevas de um mundo que insiste na injustiça, na desigualdade e na destruição da criação.
Francisco assumiu a missão de ser a voz dos que não têm voz, especialmente daqueles que, desde o início da história da América Latina, foram silenciados: os povos originários, os pobres e a própria terra. A encíclica Laudato Si’, que neste ano completa uma década, não foi apenas um texto teológico ou pastoral. Foi um apelo urgente e amoroso por conversão ecológica, por justiça socioambiental e por uma nova forma de nos relacionarmos com o mundo.
A Igreja, pela voz de Francisco, passou a afirmar com coragem: “Tudo está interligado”. E isso não é apenas uma metáfora espiritual. É uma constatação da nossa realidade mais urgente. A crise ambiental é também social, e vice-versa. O preço do tomate, do leite, do café, não é apenas um dado econômico. É o resultado concreto de uma crise climática que castiga, sobretudo, os mais pobres. Não se trata de um modismo. Trata-se de sobrevivência.
No coração dessa reflexão, o Papa olhou com carinho e escuta para a Amazônia. O Sínodo para a Amazônia, convocado por ele, foi uma resposta ao grito que os bispos amazônicos vinham fazendo há décadas. Um grito pequeno, frágil, muitas vezes abafado. Mas, ao encontrar o microfone profético de Francisco, ganhou o mundo. O Papa não criou esse clamor. Ele o acolheu, o amplificou, o tornou parte do discernimento da Igreja universal.
A Querida Amazônia não é apenas um sonho. É um compromisso. É o reconhecimento de que os povos da floresta, ao contrário do que muitos dizem, não são obstáculos ao desenvolvimento, mas mestres de uma convivência sustentável e pacífica com a criação. Eles não desmatam para lucrar, desmatam – quando o fazem – para viver, e preferem preservar. O estilo de vida indígena é uma reserva moral e espiritual para o nosso tempo.
Francisco foi, sem dúvida, o Papa da ecologia integral. Mas mais do que isso: foi o Papa da escuta, do discernimento e da coragem. Seu legado não está apenas nos documentos que assinou, mas na forma como viveu e sofreu por aquilo que acreditava. Foi criticado, atacado, mal interpretado, mas permaneceu firme. Foi um sinal dos tempos.
Agora, enquanto o mundo se prepara para a COP 30 no coração da Amazônia, recordamos que esse movimento começou com passos silenciosos, muitas vezes solitários, mas profundamente proféticos. O Papa nos ensinou que não há separação entre espiritualidade e compromisso com a Terra. Ele nos lembrou que a liturgia da vida exige ação, compaixão e escuta.
Nosso desafio agora é continuar. Dar sequência à escuta. Plantar esperança onde só há cinzas. Cuidar da casa comum, como ele cuidou. Ouvir os pobres e a terra, como ele nos ensinou. E reconhecer que, talvez, o tempo de Deus não siga o nosso relógio. Mas quando Ele age, tudo floresce.
Francisco se foi. Mas sua voz ecoa em nossas matas, rios e comunidades. O Papa da esperança e da Terra permanece entre nós.