Por Mayra Wapichana/ Ascom -CIR
Depois da 5ª Assembleia Estadual da Juventude Indígena de Roraima, realizada no mês de maio, no Centro Regional Lago Caracaranã, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, evento que despertou ainda mais o interesse dos jovens indígenas pela temática virtual, no dia 14 de julho, os jovens indígenas da comunidade indígena Jabuti, Terra Indígena Jabuti, região da Serra da Lua, município de Bonfim/RR, receberam a Oficina “Acesso à internet e Mídias Sociais: influência na comunidade indígena”.
A Oficina, realizada pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) por meio da Assessoria de Comunicação e Núcleo da Juventude Indígena de Roraima, com o apoio da coordenação regional da juventude indígena da Serra da Lua, contou com a presença de 20 jovens indígenas, idade entre 16 a 26 anos, incluindo lideranças indígenas e professores da comunidade.
Para a atividade, o CIR contou com a colaboração das comunicadoras indígenas Ariene Lima, do povo Wapichana, estudante do Curso de Comunicação da Universidade Federal de Roraima (UFRR) administradora da página Rede Murupú (Facebook) e Glycya Ribeiro, do povo Macuxi, da comunidade indígena Vista Nova, Baixo São Marcos, estudante do Curso de Psicologia da UFRR, do perfil Levante Indígena (Instagram).
O atual coordenador da juventude indígena de Roraima, Alcebias Mota Constantino, do povo Macuxi, da comunidade indígena Barro, região do Surumu, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, há três meses à frente do Núcleo da Juventude Indígena, também participou da programação com a pauta sobre o fortalecimento da juventude indígena de Roraima. Uma ocasião importante em que a juventude também se mobiliza em suas bases, principalmente, buscando atividades voltadas ao público específico.
O tema “mídias sociais e acesso às tecnologias: influências na comunidade”, abordado na 5ª Assembleia da Juventude Indígena de Roraima foi o canal de incentivo para os jovens da comunidade Jabuti que buscaram junto ao CIR, mais informações sobre o acesso à internet e mídias sociais, ou digitais, antes mesmo do sinal chegar à comunidade. Um interesse que não é só ao acesso, mas como utilizar e a sua importância coletiva.
Apesar de ser uma comunidade próxima à capital roraimense, a 70 km de Boa Vista, possuir energia elétrica e de fácil acesso, localizada na BR 401, sentido ao município de Bonfim e o país vizinho, Guiana, mas o único acesso que pouco existe na comunidade indígena é o acesso à internet. Porém, já existe uma discussão comunitária para a chegada da internet, ainda esse ano, motivo que incentivou o jovem Fernando Luis Jacó, do povo Wapichana, a buscar uma atividade que abordasse o tema.
Em uma dinâmica de partilhas de conhecimentos sobre o acesso à internet, o coordenador local da juventude indígena, Alex José da Silva, declarou que pouco “curte” o mundo virtual, não conhece como funciona e as informações de que a internet é boa, soube de outras pessoas, mas demostrou curiosidade em conhecer observando a importância para a comunidade.
“Eu, não curto muito isso. Algumas pessoas já me falaram que é boa. Fico pensando, se eu for lá, na internet, o que vai acontecer e o que vou ver. Mas, no meu pensamento é muito bom ter internet na nossa comunidade”, expressou Alex, mesmo não tendo um conhecimento sobre o mundo virtual, mas sabe da importância para a comunidade Jabuti e como exemplo, citou o atendimento à saúde indígena, quando há ocorrências, além das pesquisas escolares.
No ponto de vista da jovem Sarah João Francisco a internet é boa, apesar de ser também utilizada de forma negativa. Contou sobre a necessidade de uso para as pesquisas escolares, bastante solicitadas pelos professores e são pesquisas que não tem nos livros disponíveis na escola.
“No meu ponto de vista a internet é boa, mas aqui na nossa comunidade não temos internet. Às vezes, os professores pedem para pesquisar, mas vamos pesquisar aonde, que nem no livro a gente acha o que precisamos”, contribuiu Sarah, na roda de conversa, muito consciente também sobre os riscos, principalmente, para os jovens que muitas vezes perdem a vida por causa das “amizades” feita na internet.
A preocupação do uso é também das lideranças indígenas da comunidade. A vice – tuxaua da comunidade Jabuti Iracema dos Santos Matos estudante do Curso de Licenciatura Intercultural do Instituto Insikiran na linha específica Comunicação e Artes, avaliou como importante a Oficina na comunidade por levar esclarecimento e informação sobre os benefícios da internet e redes sociais.
Destacou que a comunidade Jabuti está sendo “visualizada”, principalmente, por causa da atuação dos jovens indígenas que saem da comunidade e voltam com resultados positivos, por exemplo, a Oficina realizada na comunidade.
Para Fernando, que teve a iniciativa de promover a Oficina na comunidade, apesar de saber dos benefícios da internet, apontou uma das preocupações que é o diálogo. Segundo Fernando, viu pela televisão que nas grandes cidades, como São Paulo, a população substituiu o diálogo pessoal pelo virtual, efeitos que não quer que aconteça na comunidade indígena, onde o diálogo pessoal é tradicional.
A apresentação das inciativas indígenas Rede Murupú, Levante Indígena e do Conselho Indígena de Roraima (CIR), que há anos utiliza o meio virtual para dar visibilidade às questões indígenas de Roraima, principalmente, através o site institucional que levou ao mundo a maior parte da luta dos povos indígenas, serviu para os jovens perceberem as utilidades benéficas para o contexto social, cultural e político dos povos indígenas.
A jovem Glycya Ribeiro do perfil Levante Indígena, que concluiu recentemente o Curso de Psicologia da Universidade Federal de Roraima (UFRR), fez um breve histórico sobre o uso das redes sociais, mas também o processo de reafirmação da identidade indígena no ambiente escolar, acadêmico e social. De origem da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, região do Baixo Cotingo, Glycya, é da geração que teve o processo escolar concluído na cidade encarando ambientes de discriminação e preconceito.
Seguidora das redes sociais, Glycya contou que resolveu criar o perfil quando percebeu que não tinha perfis no aplicativo Instagram com a temática indígena e o que tinha, sendo administrado por não indígenas, não condizia com a cultura indígena. Outra razão foi de não encontrar perfis que informasse questões indígenas de outros estados.
Com o tema “a luta dos povos indígenas do Brasil”, o perfil criado durante o Acampamento Terra Livre (ATL) 2018, disponibiliza narrativas, notícias, indicações de livros, documentários, artistas e outras iniciativas. As indicações de livros, Glycya prioriza as obras de autores indígenas.
Para Glycya a oficina foi relevante porque apesar dos benefícios da internet, também “é um lugar perigoso para os jovens, adolescentes”, desde que entrou na sociedade não indígena e agora está entrando nas comunidades indígenas.
“A Oficina serviu como prevenção para os jovens indígenas da comunidade, porque, além disso, foi importante mostrar que eles podem usar a internet em favor da sua comunidade, divulgação da sua cultura, reivindicação de direitos, reafirmação da identidade, ou seja, podem está utilizado à internet como instrumento de resistência e de luta”, avaliou Glycya, em uma ocasião propícia não só à comunidade Jabuti, mas para o CIR e comunidades indígenas de Roraima que, embora utilizem a internet, mas são poucas as iniciativas com perfil voltado a causa indígena.
Ariene dos Santos Lima é mais uma jovem indígena em Roraima que interage nas redes sociais para dar visibilidade à organização social da sua comunidade indígena, da região de origem, Murupú e do movimento indígena, como sempre tem afirmado. Ingressou no Curso de Comunicação Social da UFRR em 2015, por meio do Processo Específico para Indígenas (PSEI), teve de se adaptar as mídias digitais e interagir com o universo acadêmico e social.
Considerando as mídias digitais como algo novo, inclusive para a comunidade indígena, que começa a ter acesso, Ariene contou que criou a página Rede Murupu, em 2016, no início do Curso, quando começou a perceber que poderia ajudar a sua comunidade indígena. Inicialmente, a página tinha o nome de “A voz da comunidade Truaru”, mas depois mudou para Rede Murupú, região que possui cinco comunidades indígenas, Truaru da Cabeceira, Serra da Moça, Morcego, Serra do Truaru e recentemente, Anzol.
A Rede publica atividades da região Murupú e da comunidade Truaru da Cabeceira, com destaque para as pautas da juventude e das lideranças indígenas. Para Ariene, “criar uma página foi uma forma de contribuir com a sua região e também, colocar em prática o que aprende no Curso”.
A jovem estudante, identificada nas redes sociais como Ariene Susui, Susui na língua Wapichana significa flor, nome identitário que vem do processo escolar, também utiliza as redes sociais como reafirmação da identidade indígena.
Recentemente, Susui, apresentou um artigo com o título “Mídia digital como ferramenta para os povos indígenas em Roraima: um estudo de caso na Rede região Murupu”, no I Seminário Internacional de Educação Bilíngue, realizado na Universidade Federal de Roraima.
Ariene deixou a mensagem de que não é fácil interagir com o meio virtual, fato que, há três, não tinha nenhum acesso e hoje, utiliza o assunto como objeto de estudo, inclusive já aponta como tema de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), previsto para concluir no próximo ano. “As mídias digitais são importantes para que possamos mostrar ao mundo as nossas vivências. É uma flecha e arma de luta”, concluiu Ariene, deixando a mensagem de que “é importante mostrar que a juventude e os povos indígenas se organizam para o bem da comunidade”.
No contexto de fortalecimento da juventude indígena em Roraima, Alcebias Mota Constantino, destacou que o momento “é de fortalecimento das lideranças indígenas, um repasse de responsabilidades à juventude”.
Alcebias informou sobre os retrocessos dos direitos indígenas, as tramitações de leis no Congresso Nacional que são contra os direitos dos povos indígenas, além das ameaças locais, como a ação do Governo do Estado de Roraima pela ADIN nº 5905 proposta no STF a qual pleiteia a inconstitucionalidade de alguns artigos da Convenção 169 da OIT, a suspensão de todos os procedimentos administrativos e judiciais das terras indígenas em todo Brasil que tenha como objeto a ampliação das terras indígenas que não respeitam a tese do “Marco Temporal” de 05/10/1988.
Segundo Alcebias, “o cenário atual é muito frágil”. Fez um breve histórico de luta dos povos indígenas de Roraima e como exemplo de luta, a criação do CIR que tem uma “voz enorme”, reforçou Tobias.
Destacou que a maior força da organização indígena vem dos Tuxauas das comunidades indígenas que o CIR representa. Reforçou também que a força pela garantia dos direitos territoriais, saúde, educação e outros direitos indígenas, vem das comunidades indígenas, especialmente, da juventude que dá continuidade a luta das lideranças indígenas.
A iniciativa dos jovens sobre o uso da internet, redes sociais e de certa forma o uso da comunicação como instrumento de fortalecimento da comunidade, organização e do movimento indígena, também vem em um momento importante para a assessoria de Comunicação do CIR que começa a protagonizar a atuação da comunicação indígena no Estado.
Desde 2013, atuando em um processo de reestruturação da assessoria de Comunicação, o CIR tem como assessora a jornalista indígena, Mayra Celina, ou Mayra Wapichana, como se identifica na luta indígena. Formada pelo Curso de Comunicação da Universidade Federal de Roraima (UFRR) pelo Processo Seletivo Específico para Indígenas, Wapichana foi a primeira da turma de 2010 a concluir o Curso.
Atuando na assessoria em diferentes mídias, virtual, radiofônica, impressa e também na execução de atividades na área de Comunicação, Mayra avalia que a comunicação indígena avança não somente em Roraima, mas na Amazônia e no Brasil, a partir da atuação de comunicadores indígenas em suas comunidades, organizações indígenas e iniciativas independentes.
Colaboradora da obra Mídia Índio(s): acesso das comunidades indígenas às novas tecnologias do jornalista e documentarista Bruno Pacheco de Oliveira, juntamente com comunicadores indígenas das regiões Sul e nordeste do país, Wapichana acredita que “o desafio não é ter acesso às novas tecnologias, mas de produzir conteúdos próprios, com narrativas e visões indígenas”.
Ao final, os jovens apontaram como positiva a oficina e pediram outras que possam envolver mais jovens indígenas e coletivamente construírem um projeto que atenda a demanda da comunidade indígena.
A comunidade indígena Jabuti, terra indígena homologada em ilhas com 14 mil hectares pelo decreto s/n. de 15/01/96, possui uma população de 490 e 107 família, originário dos povos Wapichana e Macuxi, a maioria Wapichana. A atuação da comunicação indígena em Roraima fortalecendo a política do malocão.