Terminou, no início da tarde desse domingo (02), o Encontro de Povos e Comunidades das Bacias do Araguaia e Tocantins. Foram três dias de partilha, discussões e busca de soluções coletivas. Motivada pela REPAM-Brasil, a atividade fez parte, também, do processo de escuta em preparação ao Sínodo para a Amazônia.
De acordo com Pe. Dário Bossi, assessor da REPAM-Brasil e um dos articuladores do encontro, a atividade superou as expectativas. “O número de pessoas e comunidades representadas ultrapassou o que esperávamos e as discussões realizadas contribuíram, e muito, para se articular e pensar alternativas para a região”, destacou Bossi.
Para Dom Giovane Pereira, bispo de Tocantinópolis, faltava uma escuta mais ampliada dos povos e comunidades no regional norte 3 e o Encontro de Bacias supriu essa necessidade. “Saímos sensibilizados com a escuta realizada aqui de que precisamos ser uma Igreja mais comprometida com as águas, os povos e os territórios, uma Igreja que não seja indiferente”, pontuou o bispo.
Os participantes do encontro redigiram uma carta aberta para toda a sociedade. Preocupações e denúncias, bem como compromissos estão manifestados no texto. “Com profetismo, denunciamos os crimes e as agressões que estão sendo cometidas contra a vida das bacias destes dois rios, afetados e impactados de maneira imprudente e irresponsável”, diz a carta.
No texto, eles ainda afirmam o “compromisso com as bacias do Araguaia e Tocantins. Vamos proteger as nascentes e lembraremos todos os dias destas águas em nossas vidas, pois, precisamos delas para viver!”
Confira o texto na íntegra: Carta aberta do Encontro de Povos e Comunidades das Bacias Araguaia e Tocantins
MENSAGEM FINAL DO ENCONTRO DE POVOS E COMUNIDADES
DAS BACIAS DO ARAGUAIA E TOCANTINSNós – leigas e leigos, lideranças indígenas, padres, religiosas e bispos da Igreja Católica – participantes do Encontro de Povos e Comunidades das Bacias dos Rios Araguaia e Tocantins na cidade de Miracema do Tocantins/TO, reunidos entre os dias 30 de novembro a 02 de dezembro de 2018, no Centro de Treinamento de Lideranças da Diocese de Miracema do Tocantins, todos dialogando sobre a importância das bacias Araguaia e Tocantins.
Somos anciãos, jovens, mulheres, homens e crianças, somos comunidades tradicionais, e povos indígenas Tapirapé, Gavião, Karajá, Apinajé, Suruí, Krahô, KrahôTakaywrá, Kanela do Araguaia, Xerente, Krahô-Kanela, quilombolas, quebradeiras de coco, pescadores, ribeirinhos, camponeses, gerazeiros, acampados, sem-terra, assentados e povo das cidades.
Somos todos filhos do Sol, do Cerrado, da Amazônia, da floresta, da terra e das águas. Representamos algumas prelazias, dioceses e arquidiocese dos estados do Maranhão, Pará, Tocantins e Mato Grosso.
Nas terras de Miracema, nos encontramos com as águas do Cerrado e da floresta, somos rios Sono, Araguaia, Xingú, Tocantins, Xavante, Pau D’arco, Gorgulho, Garças, Itacaiunas, Vermelho, Javaé, Paranã, Formoso, São Martins, Botica, Arraias, Manuel Alves e Taguarussu Grande e tantos outros mais. Juntos somos muitas águas, construindo a trama e a teia da resistência. Unidos pelas águas do Cerrado e da Pan – Amazônia.
Movidos pelo espírito missionário e voluntário, sintonizados com o Papa Francisco e o cuidado com a casa comum, manifestamos nossa preocupação com as condições de degradação e ameaças que se encontram nossos rios Araguaia e Tocantins.
Neste encontro, também de escuta do Sínodo para a Amazônia, refletimos sobre as condições das veredas, nascentes, riachos e ribeirões, formadores dos pequenos médios e grandes rios destas bacias. Avaliamos de forma crítica e objetiva sobre as ameaças e agressões cometidas contra os nossos rios e territórios.
Com profetismo, denunciamos os crimes e as agressões que estão sendo cometidas contra a vida das bacias destes dois rios, afetados e impactados de maneira imprudente e irresponsável por atividades da mineração, agronegócio, pecuária e desmatamentos. Em nome de um suposto desenvolvimento econômico, estão maltratando e matando os rios com agrotóxicos, lixos, esgotos, hidrelétricas, substâncias químicas e assoreamentos. Estão desviando o leito dos rios para atender propriedades particulares e fazendo o rio encher e esvaziar.
Em Miracema do Tocantins, às margens do querido Tocantins, ecoaram gritos pedindo socorro pelos rios e pelas águas da Pan-Amazônia. Gritos de alertas clamando pelo cuidado e conservação dos rios de todas as bacias: Araguaia, Tocantins, Pantaneira, São Francisco, Paraná e Amazônica. Ainda, ecoaram gritos de resistência e insistência em defesa de todos os rios dessa grande nação. Por todos os rios oferecemos nossa luta, mística, amor e oração!
Debatemos com sabedoria e razão sobre o passado, o presente e o futuro de nossos rios, que outrora eram cheios de vida, onde existiam farturas de peixes, tartarugas, tracajás e pássaros de todas as espécies, agora ameaçados de extinção pela ganancia do capital.
Pedimos perdão por essa covarde agressão contra nosso patrimônio ambiental e bem comum da humanidade: rios de vida, rios sagrados, milagres da criação. Os rios são sujeitos de direitos, uma entidade viva, que dela dependem outras vidas! Ele sobe levando a esperança, alimentando o povo, despertando os poetas e os profetas, articulando e plantando esperanças até desembocar no mar.
Rios de Vida, cheios de águas cristalinas, maravilhas da criação, viemos com amor e paciência, falar de vossa existência. Queridos rios de águas claras, deixem-nos falar com a razão, precisamos lhes pedir desculpas porque não temos cuidado das tuas águas, que se vierem a faltar em teus leitos, sobrarão em lágrimas nos nossos olhos.
Reafirmamos o nosso compromisso de denunciar nos maiores tribunais o roubo das nossas águas para favorecer o capital. Vamos denunciar que você é explorada e exportada para outros países. Vamos denunciar que tem produtores ferindo seu leito. Vamos denunciar tudo o que tira os seus direitos.
Estamos questionando e resistindo contra a marcha da insensatez que destrói o cerrado e avança sobre os rios. A guerra, a injustiça e a tirania estão na ordem do dia. Repudiamos o Matopiba, o ‘mata tudo’ do agro, e o ‘vale da morte’, chamada de mineração. Em nome do desenvolvimento, quanta destruição! Afinal, o que vai sobrar para os povos desta nação?
Reafirmamos o nosso compromisso com as bacias do Araguaia e Tocantins. Vamos proteger as nascentes e lembraremos todos os dias destas águas em nossas vidas, pois, precisamos delas para viver!
Oferecemos nossos contos, orações, poesias e canções, exaltando nossos rios de vida, tesouros da criação. Patrimônio sagrado e orgulho desta grande nação. Temos sede de justiça, queremos paz e Bem Viver para os rios. Oxalá, doravante, não aconteça mais nenhuma destruição!
Que os mártires da terra e das águas nos iluminem e encorajem, para sermos profetas da esperança e da resistência na defesa e proteção de nossa Casa Comum.
Miracema do Tocantins -TO, 02 de dezembro de 2018.