A comunidade quilombola Tanque da Rodagem recebeu reforço de agricultores familiares e de comunidades e povos tradicionais.
Uma comitiva com mais de 50 pessoas, articulada pela Teia dos Povos do Maranhão, juntou-se aos quilombolas da comunidade Tanque da Rodagem, no município de Matões, distante 630 km de São Luís, que ocupam as margens da MA 262, na noite desta última quarta-feira (15). O acampamento recebeu o nome da líder quilombola Fátima Barros. Uma mulher conhecida pela atuação como educadora e pela defesa dos povos tradicionais. Ela era uma das principais vozes do movimento quilombola e negro do Tocantins, que faleceu por Covid-19 em abril deste ano.
Entre os presentes, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas e povos indígenas: Tremembé, Akroá Gamella, Krenyê e Quilombolas. Um ritual, ao redor de uma fogueira, marcou a chegada do reforço e gritos ecoaram: “Juntos somos um povo só! Eu também sou Quilombola”.
A segunda noite, após a chegada do reforço, foi sem energia no território. A comunidade verificou que as canelas (postes) foram retiradas. De acordo com informações que chegam do acampamento, os povos estão “sem cobertura, sem comunicação, sem água”, denunciam.
Permanência no território, apreensão dos tratores e ação judicial
As famílias quilombolas que montaram acampamento desde a última sexta-feira (1) vão continuar em vigília. De acordo com Givanildo Regis, do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), “ainda temos muitas outras solicitações para serem atendidas, além da apreensão dos tratores que destruíram o cerrado maranhense. Vamos seguir com o levante”, disse.
Na noite de terça-feira (14), um comboio da Polícia Militar do Maranhão chegou ao território e fez a apreensão dos tratores, que com a técnica do uso do correntão da soja, destruíram a vegetação nativa com árvores protegidas e espécies frutíferas que servem ao sustento das famílias. A comunidade demanda a presença das Secretarias de Segurança Pública e do Meio Ambiente com urgência no território.
A Comissão Pastoral da Terra ingressou, no domingo (12), com pedido de liminar em uma ação de Reintegração e Manutenção de Posse (nº 0801137-93.2021.8.10.0098). Na quarta (15), o processo foi remetido para a Vara Agrária da Comarca da Ilha de São Luís, para fins de regular processamento do feito pelo juízo competente, mediante alegação de “incompetência desta Vara Única da comarca de Matões, para processar e julgar a presente ação, e, em atenção aos ditames do Provimento nº18/2021 da Corregedoria Geral de Justiça deste Tribunal”.
A peça judicial contempla 12 solicitações entre elas: que seja concedida em caráter de urgência medida liminar de reintegração de posse em relação ao território Tanque da Rodagem, que os plantadores de soja, Eliberto Stein e Silvano Oliveira, sejam condenados a indenizar os autores, a título de danos patrimoniais e morais e indenização dos frutos entre outros pedidos.
O acampamento, que já dura seis dias, foi montado em protesto contra crimes cometidos no território, desde a última sexta-feira (10), sem nenhuma Ordem Judicial ou Licenciamento Ambiental. Os mandantes dos crimes são os agricultores, Eliberto Stein e Silvano Oliveira, que pretendem investir no monocultivo de soja.
Das mais de 60 famílias que moram no território, metade já se encontra desabrigada devido ao conflito com os plantadores de soja. Outro quilombola que não quis se identificar falou sobre as memórias que têm do território. “Aqui está a minha vida, a minha história, as minhas lembranças, nunca pensei em ter que sair dessa comunidade”, desabafou. O quilombola Silvério Nascimento, afirma que não tem pra onde ir e nem como sustentar os 12 filhos. “São as minhas plantações que consigo sobreviver e dar de comer para os meus meninos. O que vou fazer?”, perguntou.
Na terça-feira (14), Servidores da Secretaria de Igualdade Racial do Maranhão foram impedidos por funcionários dos fazendeiros de acessar a área em disputa. Usando um carro e um caminhão, eles trancaram a rodovia. Foram intensas a divulgação na imprensa denunciando o clima de tensão e violência no território, que está sob ataque de funcionários armados dos agricultores.
O governo do Estado do Maranhão encaminhou reforços da Polícia Militar somente após intensas aparições na mídia. No local, também encontra-se uma equipe da Superintendência de Proteção e Defesa de Direitos Humanos, que alegou que o Governo do Estado vem trabalhando em ações de mediação e prevenção de conflitos. Mas, como os próprios quilombolas denunciaram, há mais de dois meses a situação se agravou e metade das mais de 60 famílias, encontra-se desabrigada.
Sobre a comunidade Tanque da Rodagem
Desde 2013, tramita no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o processo de reconhecimento da área como território quilombola. No entanto, a última movimentação no processo do Tanque de Rodagem foi em 2017. Sem a documentação definitiva da posse, os moradores não conseguem avançar com a regulamentação das moradias e nem acessam linhas de crédito para a produção agrícola. Os primeiros quilombolas a ocuparem a área onde está o Quilombo Tanque de Rodagem chegaram na década de 1970. O terreno fica na beira da rodovia MA-262, onde os moradores já organizaram a divisão do território, com casas e plantações para o sustento da comunidade.
Linha do Tempo
10/09 – Três tratores e homens contratados por um ruralista do Paraná invadem o território e derrubam mata nativa, árvores frutíferas e roças usando o “correntão” para arrasto da vegetação;
11/09 – A comunidade em resistência bloqueia a MA-262, em Matões, no Leste Maranhense;
Os quilombolas impedem os jagunços de se apropriarem dos tratores para continuar com a destruição do Cerrado;
Homens armados ameaçam a comunidade na noite de sábado e bloqueiam a estrada;
Alguns guardas municipais estão envolvidos na ameaça e parecem estar trabalhando para o ruralista;
Três quilombolas sofrem ameaças claras e diretas;
12/09 – A Comissão Pastoral da Terra ingressa com pedido de liminar em uma ação de Reintegração e Manutenção de Posse (nº 0801137-93.2021.8.10.0098);
13/09 – A comunidade ainda aguarda a presença de representantes das Secretaria de Segurança Pública e de Meio Ambiente, avisados desde sexta, ocm pedidos reiterados pela CPT e DPE;
Presença da Promotoria e da Defensoria Pública no território;
14/09 – Servidores da Secretaria de Igualdade Racial do Maranhão são impedidos por funcionários dos fazendeiros de acessar a área em disputa;
A polícia interpela os funcionários dos fazendeiros e os revista na rodovia;
Um comboio da Polícia Militar do Maranhão chega ao território e faz a apreensão dos tratores.
15/09 – Chega ao local uma equipe da Superintendência de Proteção e Defesa de Direitos Humanos;
O processo (nº 0801137-93.2021.8.10.0098) é remetido para a Vara Agrária da Comarca da Ilha de São Luís, para fins de regular processamento do feito pelo juízo competente, mediante alegação de “incompetência desta Vara Única da comarca de Matões;
Cerca de 50 pessoas, mobilizadas pela Teia dos Povos do Maranhão, chegam ao território Tanque da Rodagem em apoio aos quilombolas.
Fonte: Raízes do Cajueiro via CPT