(Divulgação)

Por Thierry Linard de Guertechin s.j.[1]

No dia 15 de outubro de 2017, o Papa Francisco anunciou a realização de um Sínodo Especial dos Bispos da Pan-Amazônia, território que compõe a região além da bacia dos rios. Realizar-se-á em outubro de 2019 em Roma[2] cujo tema é: “Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.

Esses novos caminhos serão elaborados para e com o povo de Deus que habita nessa região. Exigem que os povos indígenas e das comunidades amazônicas sejam “os principais interlocutores” (LS, 146) nos assuntos pastorais e socioambientais do território, “especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam seus espaços” “LS, 146). Aqui, há uma referência explicita à teologia argentina do “povo”, que se diferencia das teologias da libertação. Não há espaço aqui para comparar a experiência social e pastoral da Argentina com outras da América latina. Na teologia do povo, os protagonistas são os povos com suas culturas respectivas, privilegiando uma unidade histórico-cultural de nação.

As reflexões do Sínodo especial, partindo de um território específico, pretendem superar o âmbito estritamente eclesial para não dizer eclesiástica, e também amazônico, por serem relevantes para a Igreja universal e para o futuro do planeta. “Considero (a Amazônia) relevante para o caminho atual e futuro, não só da Igreja no Brasil, mas também de toda a estrutura social”.[3]

Se na encíclica LAUDATO SI’, o papa Francisco considera que as mudanças climáticas, a pobreza e o aumento das desigualdades sociais são desafios para todo o planeta, “também para a Igreja universal é de vital importância escutar os povos indígenas e todas as comunidades que vivem na Amazônia, como primeiros interlocutores deste Sínodo. Por causa disso, precisamos de convivência mais próxima. Queremos saber como imaginam um “futuro tranquilo” e o “bem viver” para as futuras gerações”.[4]

Está em vigor uma dialética do local e do global. No primeiro encontro mundial dos movimentos populares em Roma, o papa Francisco disse: “sei que estais comprometidos todos os dias em coisas próximas, concretas, no vosso território, no vosso bairro, no vosso lugar de trabalho: convido-vos também a continuar a procurar esta perspectiva mais ampla; que os vossos sonhos voem alto e abracem o todo”. O Sínodo e a Encíclica se fecundam mutuamente.

 

PREPARAÇÃO LONGÍNQUA DO SÍNODO: pequeno histórico.

Em 1979, a Igreja no Brasil promoveu uma Campanha da Fraternidade, onde se ressaltava a dimensão social da questão ecológica. “Preserve o que é de todos” era seu lema. Em 1992, um pouco antes da conferência das Nações Unidas no Rio de Janeiro, o Setor Pastoral Social da CNBB organizou um seminário, a Igreja e a questão ecológica, para debater numa análise ético-teologal o tema do “Meio Ambiente e desenvolvimento”, questionando o mercado, como regulador das relações humanas, para a questão ambiental e para favorecer uma ecologia humana e social. “o paradigma do desenvolvimento econômico e linear… chegou aos seus limites, levando o mundo a beira de um colapso ambiental… //… Por estar ligado com o todo, o problema ecológico necessita passar pelos mais diversos fóruns e níveis de discussão coletiva”.[5]

Em 1990, num encontro de dioceses e prelazias, a ecologia começou a fazer parte da pauta dos assuntos eclesiais da Amazônia. O tema do encontro foi “Em defesa da vida na Amazônia”. Em 2003, foi constituída a Comissão Episcopal para a Amazônia em vista de agilizar a solidariedade entre Igrejas-Irmãs, consolidar o “rosto amazônico” da Igreja e suscitar, em 2007, uma Campanha da Fraternidade. O objetivo principal desta foi conhecer a realidade em que vivem os povos da Amazônia, sua cultura, seus valores e as agressões que sofrem por causa do atual modelo econômico e cultural, e lançar um apelo à conversão, à solidariedade, a um novo estilo de vida e a um projeto de desenvolvimento à luz dos valores humanos e evangélicos, seguindo a prática de Jesus no cuidado com a vida humana, especialmente a dos mais pobres, e com toda a natureza.

No mesmo ano 2007, a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe pediu às Igrejas “procurar um modelo de desenvolvimento alternativo, integral e solidário, baseado em uma ética que inclua a responsabilidade por uma autêntica ecologia natural e humana, que se fundamenta no evangelho da justiça, da solidariedade e do destino universal dos bens, e que supere a lógica utilitarista e individualista, que não submete os poderes econômicos e tecnológicos a critérios éticos. Portanto, estimular nossos homens do campo a se organizarem de tal maneira que possam conseguir sua justa reivindicação”.[6]

No mesmo ano, em sintonia com o Documento de Aparecida, a Misereor, organização caritativa da Alemanha, lançou um projeto de estudo abordando a mudança climática, a pobreza e as desigualdades. Neste quadro iniciou-se no Brasil, com o apoio da Misereor, o Fórum das Mudanças Climáticas e Justiça Social atuando até hoje.

 

PREPARAÇÃO MAIS IMEDIATA DO SÍNODO

A REDE ECLESIAL PAN-AMAZÔNICA, nasceu em Brasília no 12 de setembro de 2014, para articular a Igreja nos nove países da Pan-Amazônia.[7] É uma rede que quer proporcionar espaços de escuta, diálogo e ação conjunta em vista de uma pastoral de conjunto que implica a defesa, o apoio e a promoção dos povos indígenas e outros grupos de vulnerabilidade socioambiental e eclesial. A Laudato Si’ foi assumida como Carta Magna da ação eclesial e socioambiental de Igrejas bem articuladas.

Sem dúvida, a própria encíclica LAUDATO SI’ introduz o conceito e, ao mesmo tempo, suscita uma prática de ecologia integral pelo cuidado da casa comum como resposta ao triplo desafio interligado que são as mudanças climáticas, o empobrecimento dos povos e o abismo das desigualdades sociais. Não é sem razão que os 250 participantes da 5ª Semana Social Brasileira, em Brasília, nos dias 3 a 5 de setembro de 2013, sugeriram, numa carta ao papa Francisco, a convocação de um evento internacional sobre a vida no planeta, iniciativa hoje encaminhada pela encíclica e a convocação do Sínodo.

A REDE no Brasil encarregou-se de fazer conhecer e divulgar a encíclica Laudato Si’ por meio de seminários respondendo assim ao desafio do cuidado da casa comum.  Assim 15 seminários regionais foram organizados e, debatendo a encíclica, ativaram a esperança e a urgência de articulação e o fortalecimento dos movimentos populares e sociais. Como disse Dom Cláudio Hummes, Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia e Presidente da REPAM, “Eles (os seminários) foram uma benção na medida em que tiveram a força de convocar, provocar dinamismos e fortalecer a Rede Eclesial em uma sociedade que está angustiada. A criação dos comitês locais dá continuidade à reflexão no território e oferece o espaço para que a população local participe da discussão e da busca de caminhos para uma crise que é local e mundial. A convocação do Sínodo especial para a Amazônia é um elemento importante desse processo que a REPAM está animando e articulando”.[8]

 

O DOCUMENTO PREPARATÓRIO

O Documento segue a metodologia, hoje tradicional e assumida nas esferas eclesiais, do “ver, julgar e agir”. Perpassa no Documento o desejo de romper com as estruturas que maltratam e destroem a vida e com os projetos e mentalidades de neocolonização. Como Igreja, é preciso fortalecer o protagonismo dos próprios povos por meio de uma espiritualidade que valoriza a gratuidade da criação e compreende a vida social como diálogo e encontro. “A Amazônia é um espelho de toda a humanidade que, em defesa da vida, exige mudanças estruturais e pessoais de todos os seres humanos, dos Estados e da Igreja”.[9]

VER:

O crescimento sem discernimento das atividades agropecuárias, extrativistas e madeireiras danificou a diversidade biológica, poluiu as águas, empobreceu as populações originárias. Ainda existem resquícios da exploração colonial que enfraqueceu as estruturas sociais e culturais dessas populações. Hoje, vítimas de um novo colonialismo, sofrem processos semelhantes que ameaçam a sobrevivência dos territórios e de seus ocupantes com sua sabedoria no trato com o seu meio de vida. De fato, a Amazônia continua sendo uma terra disputada em várias frentes. Em sua história missionária, a Igreja demorou para reconhecer as culturas dessas populações vivendo em harmonia com o meio ambiente.

JULGAR:

“Um conteúdo inevitavelmente social” (EG, 177) inerente à missão evangelizadora, é particularmente relevante nos territórios amazônicos, visto a articulação entre vida humana, social e cultural e os ecossistemas. A ecologia integral não é mera articulação entre o social e o ambiental. É condição necessária mas insuficiente, se falta a promoção de uma harmonia que pede uma conversão pessoal, social e ecológica (cf. LS, 210). O Sínodo é e será uma grande oportunidade de escuta recíproca entre o Povo fiel e os senhores bispos atenciosos ao grito da Amazônia, atualização do grito do Povo de Deus no Egito (cf. Ex. 3,7).

AGIR:

Desenha-se um agenda, um consenso em torno dos direitos fundamentais que inclui um desenvolvimento integral respeitando as identidades e o meio de vida dos povos. Uma prioridade para a Igreja é redefinir os conteúdos, métodos e atitudes para implementar uma pastoral inculturada e capacitada para enfrentar os desafios dos territórios.

 

O Sínodo é um kairós para os Povos e as Igrejas da Pan-Amazônia, pois valoriza todos os processos sociais e eclesiais vividos que produzirão frutos no tempo pós-sinodal.

 

 

[1] Membro do Observatório de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA. Versão brasileira do original “LE SYNODE SPÉCIAL POUR L’AMAZONIE: ENJEUX ET PERSPECTIVES”, na Revista EN QUESTION do Centro AVEC, n° 126, juillet-août-septembre 2018, Bruxelles.

[2] Em Roma porque o papa quer participar ativamente. A Amazônia considerada região periférica torna-se central na visão papal.

[3] Almoço com os Cardeais do Brasil, a Presidência da CNBB, os Bispos da Região e a comitiva papal in PAPA FRANCISCO, MENSAGENS E HOMELIAS – JMJ RIO 2013.

[4] Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, DOCUMENTO PREPARATÓRIO, 2018, Preâmbulo, p.6.

[5] “A IGREJA E A QUESTÃO ECOLÓGICA”, Setor Pastoral Social – CNBB, edições paulinas, 1992, n°5.

[6] DOCUMENTO DE APARECIDA, 13-31maio de 2007, n° 474, c.

[7] A Pan-Amazônia é constituída pelos nove países que têm a floresta amazônica em seu território: Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Guiana francesa, Suriname e Brasil

[8] SEMINÁRIO GERAL REPAM – BRASIL, Brasília, 17 à 19 de novembro de 2017.

[9] DOCUMENTO PREPARATÓRIO, Preâmbulo, p. 5.

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios estão marcados *

Postar Comentário