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A Igreja tem como missão promover a salvação integral da pessoa humana, valorizando a cultura dos povos, em nossa região os indígenas, falando de suas necessidades vitais, acompanhando os Movimentos em suas lutas por seus direitos. O nosso serviço pastoral constitui um serviço à vida plena, que nos leva a anunciar a Boa Nova do Reino de Deus e a denunciar situações de pecado, estruturas de morte, violência e injustiça, promovendo o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico.

A realidade dos povos na Amazônia continua a ser desrespeitada em um dos seus direitos mais básicos: a autodeterminação.

A Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é lei no Brasil, determina que esses povos “[…] deverão ter o direito de escolher suas, próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural” (art. 7º, I). Assim, não cabe impor modelos de desenvolvimento sobre as minorias étnicas ou culturais.

Em nossa região, periodicamente, um novo “projeto de desenvolvimento” é lançado sem consulta livre, prévia e informada aos que serão diretamente atingidos. São projetos hidrelétricos, de mineração, de infraestrutura, de monocultura, de pecuária etc. Acarretam impactos desastrosos na Natureza e nos habitantes da região, aí incluídos os povos indígenas em isolamento voluntário.

Como está no documento final do Sínodo pela Amazônia de 2019: “No momento atual, a Igreja tem a oportunidade histórica de se diferenciar das novas potências colonizadoras, escutando os povos amazônicos para exercer com transparência sua atividade profética” (DF,15).

Nessa escuta, transparece a falta de demarcação dos territórios. Trata-se de um pleito fundamental. Ele sustenta os demais direitos, como saúde, educação, segurança alimentar, cultura etc. E não se trata de um direito restrito aos povos indígenas. “Mestiços, ribeirinhos, camponeses, quilombolas e/ou afrodescendentes e comunidades tradicionais” são sujeitos desse mesmo direito.

O clamor que vem da Amazônia defende a Natureza como sujeito de direitos. O ponto de inflexão, de onde não poderemos mais voltar em relação à Amazônia, é quando o desmatamento passar de 20% a 25%. Já chegou a 17% na Pan-Amazônia; e na parte brasileira, a 20%. A consequência será um processo de savanização do bioma, afirmam os cientistas.

Devemos caminhar para reconhecer, em comunhão com os povos originários, que a visão antropocêntrica utilitária está superada, o que significa dizer que os humanos não podem mais submeter os recursos da natureza a uma exploração ilimitada, que coloca em risco a própria humanidade. Daí a necessidade de impor limitações éticas e ecológicas à ação humana.

O caminho para esse reconhecimento já estava aplainado pela Encíclica mais lida na História da humanidade, a Laudato Si, quando esta afirma que “a Bíblia não dá lugar a um antropocentrismo despótico, que se desinteressa das outras criaturas” (LS 68).

O clamor dos povos da floresta nos exorta, de forma urgente, a fazer coro na luta pela autodeterminação dos povos da floresta; pela demarcação dos territórios; pela consulta prévia sobre os projetos que lhes atingem, e pelo reconhecimento dos direitos da Natureza.

Dom Gilberto Pastana
arcebispo de São Luís do Maranhão
Presidente do Regional Nordeste 5 da CNBB.

*Artigo publicado no Jornal do Maranhão – Maio/2024.

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