Sessão está prevista para iniciar às 14h, com a sustentações orais das partes envolvidas no processo; indígenas se mobilizam em Brasília e nos territórios para acompanhar o julgamento

Vigília em frente ao STF na noite do dia 24 de agosto. Foto: Scarlett Rocha / @scarletrphoto

Com sessão prevista para iniciar às 14h desta quarta-feira, 01 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento sobre a questão do “marco temporal” das demarcações de Terras Indígenas (TIs), suspenso na última quinta-feira (26) após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin. Ainda na quinta, o presidente da Corte, Luiz Fux, confirmou que o caso seria retomado como primeiro item da pauta por se tratar de um assunto “muito importante” com decisão nesta semana ou nos “dias subsequentes”.

Como já foi realizado a leitura do relatório, a sessão será retomada com as sustentações orais das partes envolvidas no processo: da Advocacia-Geral da União (AGU), representando a União; dos advogados da comunidade Xokleng, da TI Ibirama-LaKlãnõ (SC), alvo da ação original; do Instituto do Meio Ambiente do estado de Santa Catarina (IMA), que propôs a ação; além da Procuradoria-Geral da República (PGR), que se manifesta obrigatoriamente em processos envolvendo a temática indígena. AGU, PGR e as partes do processo terão, cada uma, 15 minutos de fala.

Em seguida, devem ocorrer as 34 falas dos chamados amici curiae – “amigos da Corte”, pessoas ou organizações que auxiliam as partes mais diretamente interessadas no caso e oferecem subsídios aos ministros e ministras que deverão proferir seus votos na sequência do julgamento.

Estão cadastrados para falar 21 amici curiae favoráveis aos direitos dos povos indígenas, entre organizações e instituições indígenas e indigenistas, socioambientais e de direitos humanos, e 13 contrários, ligados a representações e entidades do agronegócio. Cada fala terá até cinco minutos.

“Ter iniciado com a leitura do relatório já é um elemento extremamente importante. Foi um relatório minucioso do ministro Edson Fachin, que traz as grandes questões envolvidas na disputa processual neste recurso extraordinário, ou seja, as relações de posse  com relação às áreas de ocupação tradicional indígena à luz do artigo 231 da nossa Constituição Federal”, destaca Rafael Modesto, assessor jurídico do Conselho Indigenistas Missionário (Cimi) e advogado do povo Xokleng no caso.

A expectativa é que as sustentações orais das partes, da AGU, da PGR e dos amici curiae ocorram por  quase toda a tarde de quarta-feira (1º). A seguir, o primeiro ministro a proferir seu voto deve ser o relator, Edson Fachin.

Os povos originários, organizações indígenas e indigenistas esperam que o ministro relator, Edson Fachin, que já apresentou seu voto quando o processo estava em Plenário Virtual, “traga um voto idêntico ou similar ao que já havia sido apresentado, contra a tese do ‘marco temporal’, que é repelida pelos povos indígenas, pelas organizações de apoio e da sociedade civil, artistas, intelectuais, pela sociedade como um todo, e em defesa do direito originário, da ‘tese do indigenato’, que é a vontade do constituinte originário de 1988, portanto, em defesa da nossa Constituição Federal”, reforça o advogado do povo Xokleng.

Depois de Fachin, os outros nove ministros devem apresentar seus votos. Eles ainda podem solicitar uma nova suspensão do processo para analisá-lo melhor, o chamado pedido de “vistas”.

Teses em disputa

A Corte irá analisar a reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. O caso recebeu, em 2019, status de “repercussão geral”, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

No centro da disputa há duas teses:

A tese do chamado “marco temporal”, uma tese ruralista que restringe os direitos indígenas. Segundo esta interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa tese é defendida por empresas e setores econômicos que têm interesse em explorar e se apropriar das terras indígenas.

Oposta ao marco temporal está a “teoria do indigenato”, consagrada pela Constituição Federal de 1988. De acordo com ela, o direito indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à formação do próprio Estado brasileiro, independe de uma data específica de comprovação da posse da terra (“marco temporal”) e mesmo do próprio procedimento administrativo de demarcação territorial. Esta tese é defendida pelos povos e organizações indígenas, indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos.

“A nossa história não começou em 1988, e as nossas lutas são seculares, isto é, persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas”, reafirma o movimento indígena em nota divulgada no sábado (28). Os indígenas também asseguram seguir “resistindo, reivindicando respeito pelo nosso modo de ver, ser, pensar, sentir e agir no mundo”.

Mobilização indígena

Na semana passada, seis mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país estiveram presentes em Brasília, reunidos no acampamento “Luta pela Vida” para acompanhar o julgamento no STF e lutar em defesa de seus direitos, protestando também contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional, na maior mobilização indígena dos últimos 30 anos.

Após o início do julgamento e a previsão de que fosse retomado nesta quarta-feira (1º), os indígenas decidiram manter a mobilização em Brasília e nos territórios. Assim, cerca de mil lideranças indígenas, representando seus povos, permaneceram em Brasília, e o acampamento “Luta pela Vida” foi transferido para um novo local, a Funarte.

No início da tarde desta quarta-feira (1º), os povos indígenas que permanecem em Brasília devem sair do acampamento em marcha até a Praça dos Três Poderes, onde irão acompanhar o julgamento no STF.

Seguindo os protocolos sanitários de combate à Covid-19, o grupo permanecerá até o dia 2 de setembro e posteriormente unem forças com a Segunda Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece entre os dias 7 e 11 de setembro.

Fonte: Comunicação Acampamento Luta pela Vida 

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