Caso que pode definir o futuro dos povos volta para pauta de votação do Supremo em agosto, período que marca o reconhecimento internacional dos povos indígenas

Indígenas acompanharam sessão do STF do lado de fora da Suprema Corte, nesta quarta (30). Foto: Andressa Zumpano/Articulação das Pastorais do Campo

A sessão de quarta-feira (30) do Supremo Tribunal Federal (STF) foi encerrada sem que o caso sobre demarcação de terras indígenas fosse julgado. Depois do presidente da Corte, Luiz Fux, garantir que o caso retornaria à pauta após o recesso do STF, o julgamento foi remarcado para o dia 25 de agosto.

Mobilizados há semanas em Brasília e nos territórios em todas as regiões do país, os indígenas esperavam que a Corte analisasse a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Com status de “repercussão geral”, a decisão tomada neste julgamento servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça, também de referência a todos os processos, procedimentos administrativos e projetos legislativos no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

“Infelizmente não foi votada a repercussão geral, mas vamos continuar na luta, como sempre, pela demarcação das nossas terras e em defesa do meio ambiente. O Supremo se comprometeu em marcar o julgamento para agosto, e nós seguiremos mobilizados. O marco temporal é uma afronta aos direitos indígenas que nós não aceitamos”, alerta Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng.

“Temos que continuar na resistência. É necessário que a gente continue na mesma pegada, na mesma luta. Agosto tem que ser o mês da luta!”

O adiamento da decisão reforça o quanto é necessária a luta travada pelos povos. “Temos que continuar na resistência. É necessário que a gente continue na mesma pegada, na mesma luta. Agosto tem que ser o mês da luta!”, afirmou Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e um dos organizadores do acampamento Levante pela Terra, que mobiliza desde o dia 8 de junho mais de 850 pessoas de 50 povos, na capital federal.

O mês de agosto é marcado pelo reconhecimento internacional dos povos indígenas e segundo Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib, a luta por direitos segue firme, em todo o país, até a nova data do julgamento. “Estamos aqui hoje mais uma vez fazendo esse chamado para o ‘agosto indígena’. Voltaremos em agosto para Brasília para lutar contra todos esses retrocessos, contra todas essas medidas anti-indígenas que tramitam no âmbito dos três poderes da União”.

“Não é a primeira vez que nossos direitos são colocados em risco. Somos resistência e vamos continuar assim”

Marco temporal

O “marco temporal” é uma interpretação defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das TIs que restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas. De acordo com ela, essas populações só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito material comprovado pela área na mesma data.

A tese é injusta porque desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente para lutar por seus direitos.

A adoção do marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas também é um dos pontos previstos pelo Projeto de Lei (PL) 490, contra o qual os povos indígenas também se mobilizaram intensamente nas últimas semanas.

Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados na semana passada, o PL 490, que traz uma série de outros ataques aos direitos constitucionais indígenas, pode ser colocado em pauta a qualquer momento.

“Nós não desanimamos com o adiamento da votação, e nem quando o PL 490 passou na CCJ. Não é a primeira vez que nossos direitos são colocados em risco. Somos resistência e vamos continuar assim. Apesar de todos esses ataques, estamos cantando, em luta, e é assim que vamos vencer”, garante Juma Xipaya, liderança do médio Xingu, no Pará.

Adiamentos

O julgamento estava marcado anteriormente para 11 de junho deste ano, em plenário virtual, mas foi suspenso por um pedido de “destaque” do ministro Alexandre de Moraes, um minuto após começar. Os demais ministros sequer chegaram a depositar seus votos. Apesar disso, o voto do relator, ministro Edson Fachin, foi divulgado.

O presidente da Corte, Luiz Fux, recolocou o caso na pauta desta quarta-feira (30), mas não houve tempo para analisar o processo, que agora segue para julgamento no dia 25 de agosto.

Mesmo com a indecisão em relação a nova data do julgamento, os indígenas afirmam seguir mobilizados. “Temos que continuar na resistência. É necessário que a gente continue na mesma pegada, na mesma luta. Agosto tem que ser o mês da luta!”, afirma Kretã.

“Eles (ministros e ministras) não têm noção do sofrimento daqueles que moram embaixo de uma lona na beira da estrada e que tão dentro de uma retomada sofrendo ameaça, sofrendo reintegração de posse, lideranças criminalizadas. Os ministros não têm noção disso”, enfatizou a liderança.

A TI Ibirama-Laklãnõ está localizada entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, Vitor Meireles e José Boiteux, 236 km a noroeste de Florianópolis (SC). A área tem um longo histórico de demarcações e disputas, que se arrasta por todo o século XX, no qual foi reduzida drasticamente. Foi identificada por estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2001, e declarada pelo Ministério da Justiça, como pertencente ao povo Xokleng, em 2003. Os indígenas nunca pararam de reivindicar o direito ao seu território ancestral.

No processo de repercussão geral, os ministros também vão analisar a determinação do ministro Edson Fachin, de maio do ano passado, de suspender os efeitos do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). A norma oficializou o chamado “marco temporal”, entre outros pontos, a tese vem sendo usada pelo governo federal para paralisar e tentar reverter as demarcações.

Na mesma decisão do ano passado, Fachin suspendeu, até o final da pandemia da Covid-19, todos os processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de procedimentos demarcatórios. Essa determinação também deverá ser apreciada pelo tribunal.

Saiba mais sobre o caso do STF que definirá o futuro dos povos indígenas

Fonte: Cimi

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