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*Cardeal Dom Leonardo Ulrich Steiner 

Ao longo de mais de uma década de pontificado, o Papa Francisco nos convidou a olhar para o Evangelho não como um livro distante, mas como uma proposta concreta de vida, marcada pela misericórdia, pela atenção aos pobres e pela escuta sincera dos que caminham conosco. Seu legado, que alguns definem como “progressista”, é na verdade profundamente enraizado na tradição viva da Igreja e nos apelos do Concílio Vaticano II. 

A misericórdia foi, desde o início, o fio condutor do seu pastoreio. Não apenas como perdão, mas como transformação. Francisco nos lembrou que dar de comer, vestir o nu, visitar o doente e acolher o migrante não são apenas obras de caridade — são expressões do próprio coração de Deus. Isso se conecta diretamente à sua encíclica Laudato Si’, onde ele mostra que o cuidado com a Casa Comum é também cuidado com os mais pobres, que são os que mais sofrem os impactos da destruição ambiental. 

Outro traço notável de seu pontificado foi a promoção da sinodalidade — a escuta, o diálogo e a corresponsabilidade na vida da Igreja. Não se trata de uma mudança superficial, mas de um chamado profundo à conversão pastoral, à humildade de aprender uns com os outros. Também aqui o Papa abriu espaços para que mulheres participem de forma mais efetiva na missão e na estrutura eclesial, inclusive com nomeações relevantes na Cúria Romana. 

Alguns se perguntam se essas mudanças permanecerão. Acredito que sim. São passos coerentes com o Evangelho e com o espírito do Vaticano II. A Igreja, como corpo vivo, continua seu caminho, sempre voltada à sua missão no mundo concreto, nas alegrias e angústias das pessoas de hoje. 

Francisco também ajudou a Igreja a respirar com os dois pulmões — o do Norte e o do Sul global. Internacionalizou o Colégio Cardinalício, reconhecendo a riqueza das igrejas locais em todos os continentes. Esse gesto não foi apenas simbólico, mas pastoral: expressa o rosto universal da Igreja. 

Sim, vivemos um tempo de desafios. A perda de fiéis, o avanço da indiferença religiosa, a cultura do descarte. Mas acredito que nossa resposta não deve ser o medo, e sim a coerência. O que nos é pedido é fidelidade ao Evangelho, compromisso com a justiça, testemunho de fraternidade, escuta das dores do povo. Em meio a um mundo cada vez mais fragmentado, a Igreja é chamada a ser sinal de unidade, de esperança, de cuidado. 

Em cada encontro com o Papa Francisco, recordo sua simplicidade, seu humor inspirado, sua fé viva. Ele nos deixou mais do que um exemplo: deixou-nos um horizonte. Cabe a nós, agora, continuar navegando nessa direção. 

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