Em meio a tanta riqueza de alumina, a cidade não tem saneamento básico, água potável e sobram impactos ambientais e desigualdade social.
Por Catarina Barbosa |Amazônia Real
Barcarena (PA) – Três mulheres estão ameaçadas de morte em Barcarena, no nordeste do Pará. Duas Marias e uma Ludmilla. Mulheres pobres, negras, ribeirinhas. Estão intimidadas, perseguidas e atemorizadas porque denunciaram a contaminação dos mananciais por resíduos sólidos da produção de bauxita da maior mineradora do mundo, a Hydro Alunorte. Em meio a tanta riqueza de alumina, a cidade não tem saneamento básico, água potável e sobram impactos ambientais e desigualdade social para todos os cantos desta porção da Amazônia Oriental.
As três mulheres ameaçadas participaram das mesmas manifestações que se intensificaram em fevereiro passado, quando lagos e poços artesianos de comunidades de Barcarena, a 40 quilômetros de Belém, foram atingidos pela lama vermelha despejada nos igarapés Bom Futuro, Burajuba e nos rios Murucupi, Tauá e Pará. O Instituto Evandro Chagas confirmou a contaminação hídrica. A denúncia teve repercussão internacional.
A empresa multinacional norueguesa Hydro nega o vazamento de resíduos nos dias 16 e 17 do mês passado, mas pediu desculpas às comunidades de Barcarena por descartar água de chuva não tratada no rio Pará.
Maria do Socorro Costa Silva é presidente da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama) e moradora da comunidade de remanescentes quilombolas do Burajuba. Sua casa foi invadida por policiais militares em abril de 2016. Daí as ameaças não deram trégua.
“Sofro ameaças constantemente. Não sei o nome de ninguém, mas eles sabem quem eu sou. Sou ameaçada sempre porque nós denunciamos uma multinacional. Nós dissemos onde estavam as coisas erradas e provamos. A gente está botando a imagem dela [da Hydro] no chão”, afirma.
Ludmilla Machado de Oliveira, também da Cainquiama, acordou com o barulho de pedras contra as janelas de sua casa na comunidade quilombola Burajuba por volta das 3h da manhã do último domingo (18). Ela e a família não foram alvejadas porque dormiam, mas todos fugiram para Vila dos Cabanos, no centro de Barcarena. “Fico preocupada com a minha segurança, mas também com a da minha família. Se acontecer algo comigo, como é que eles ficam?”, questiona.
A terceira mulher ameaçada é Maria Salestiana Cardoso, 69, moradora da comunidade do Bom Futuro, que fica a 100 metros da bacia de rejeitos sólidos da mineradora Hydro, a DRS-2, que é alvo de investigação por poluição ambiental.
“Onde eu estou vejo um carro prateado, uma 4X4 prateada. Mas eu não tenho medo, eu não vou me calar, vou continuar denunciando o que acontece em Barcarena”, diz Maria Salestiana.
Em janeiro deste ano, o promotor Armando Brasil Teixeira pediu à Secretaria de Segurança “garantia de vida aos representantes da associação, considerando os fatos envolvendo suposta prática de crimes militares por policiais” às lideranças da Cainqueama, mas o pedido foi rejeitado pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará (Segup). Para mulheres pobres, negras e ribeirinhas não há segurança.
Duas mortes de autoria desconhecida
Na linha de frente das denúncias de impactos socioambientais em Barcarena, a Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama) ingressou com duas ações contra a mineradora Hydro Alunorte por despejo ilegal de rejeitos da refinaria de alumínio nos lagos, igarapés e rios este ano. A associação representa 112 comunidades tradicionais. Além da Cainquima, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA) também têm ações nas quais acusam a mineradora de suspeita de fraudes nas licenças ambientais e na contaminação por rejeitos da produção de alumina no município.
Em 2009, quando a empresa Alunorte estava sob o controle da Vale, houve denúncias da Cainquiama, do MPF e MPPA, além de multas do Ibama. Mas nada foi alterado no cenário de Barcarena.
“Em 2009 todo mundo viu, ouviu, bateu foto do que ela fez e não fizeram nada. A empresa comprou todo mundo, inclusive algumas lideranças de comunidade. Saiu dando dentadura, máquina de costura, ‘merreca’ para os centros comunitários. Mas eu não preciso da miséria de ninguém. Meu povo precisa de respeito. Dessa vez vai ser diferente”, diz Maria do Socorro Costa Silva, presidente da Cainquiama.
“Eu só sei que vai ter mais gente morta. Pode ser que eu seja a próxima, porque dessa vez a gente levou o caso para o mundo inteiro”, concluiu ela.
A liderança afirma que, por causa das denúncias, é perseguida por motoristas em carros prateados. “Eles ficam à espreita. Sou quilombola, sou reconhecida, não tenho medo, a luta da escravidão corre no meu sangue. Não vou me calar. Nós queremos as nossas bacias hídricas despoluídas”, exige Socorro, 53 anos, que além de líder da associação é mãe.
Maria do Socorro afirma que teme acontecer um acidente pior na bacia da DRS-2 da Hydro. “Se aquilo ali romper, imagine só, a bacia tem 35 metros de altura, a nossas casas têm no máximo três, vai ser um desastre. Em Mariana [cidade soterrada com a lama da mineração da empresa Samarco, em Minas Gerais] só tinha lama, na lama vermelha tem alumina, tem soda cáustica.”
Segundo ela, as ameaças sofridas pelos membros da Cainquiama vão além das denúncias contra a Hydro Alunorte. “Todo mundo sabia e sabe do que acontece em Barcarena, mas eles fazem vista grossa. O Simão Jatene (governador do Pará pelo PSDB) sabia, os diretores da Hydro sabiam, o Luiz Fernando Rocha (ex-secretário de Meio Ambiente) sabia. Eles têm que ser preso. O Luiz Fernando foi quem deu uma licença fraudulenta para que construíssem a DRS-2. Então, eles não gostam do que a gente faz. Por isso estamos sendo ameaçados”, afirma.
No último dia 12, Maria do Socorro Costa Silva e Ludmilla Machado de Oliveira velaram o corpo do amigo e segundo-tesoureiro da Cainquiama, Paulo Sérgio Almeida Nascimento, 47 anos. Ele foi assassinado no Ramal Fazendinha, zona rural do município. Antes, em 22 de dezembro passado, outro líder da associação tombou: Fernando Pereira, também a tiros, em Barcarena.
“Morreu o Fernando, morreu o Paulo Sergio, mas a verdade é que ela está nos matando lentamente. Cada dia a gente bebe a água (contaminada), cada dia a gente morre um pouquinho. Isso não é de agora, é de anos. Mas ninguém teve pulso de denunciar”, diz Socorro.
Ameaças depois de entrevistas
Moradora da comunidade quilombola do Burajuba, Ludmilla Oliveira conta à agência Amazônia Real que começou a receber ameaças depois que concedeu entrevistas a jornalistas que foram para Barcarena acompanhar os danos ambientais, em fevereiro. Ela não sabe dizer os nomes dos profissionais e nem suas respectivas empresas. “Não sou membro da diretoria (da Cainquiama), mas sempre estou na luta. Não tenho medo da Hydro e nem de ninguém de dentro dela”, afirma.
Sobre o apedrejamento de sua casa, ela conta que estava em casa com o marido e os três filhos. “Acordamos com um barulho. Eram as janelas, que são de vidro, sendo apedrejadas. Era um barulho muito grande. Meu esposo quis sair pra ver o que era, mas não deixei. Gritamos perguntando se estava tudo bem e meus filhos responderam que estavam seguros. Mas não conseguimos sair do lugar e passamos a noite em claro. Pela manhã fomos constatar que a haviam jogado um tijolo com um pedaço de concreto para dentro de casa.”
A família fotografou o que chamou de atentado, mas não registrou um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Barcarena. Ludmilla afirma que não confia na polícia, pois as mortes de Fernando e Paulo Sérgio estão impunes.
“A testemunha da morte do Paulo Sergio disse que viu a viatura da polícia perto do local onde ele foi morto. Então eu não tenho coragem de ir na delegacia registrar ocorrência. Não confio na polícia. Não confio no Governo do Estado. É uma desconfiança plena. Quem deveria nos defender não nos defende. O poder público deveria interceder pela gente, mandar uma medida protetiva, mas nada. Quantos ainda vão morrer por ter denunciado um crime desses? Quantas mães? Quantos pais de família?”, afirma a membro da Cainquiama.
Ludmilla disse que se dedicou muito aos protestos contra a mineradora Hydro e quer continuar, mas a família pede que recue. “A minha vontade é de continuar até o meu último fôlego, mas meus filhos e esposo querem que eu fique prisioneira em casa. Eu acho que parar de lutar não vai resolver. Eles já sabem quem eu sou. Onde eu tinha que aparecer, eu já apareci”, diz. “Mesmo com tudo isso, mesmo eu morrendo, pode ter certeza que a luta não vai parar.”
A comunidade do Bom Futuro é uma das mais atingidas pela lama vermelha com resíduos de rejeito de bauxita da mineradora Hydro, segundo laudo do Instituto Evandro Chagas, na madrugada do dia 17 para o dia 18 de fevereiro. Lá vive Maria Salestiana Cardoso e sua família.
“Vi minha casa sendo inundada e pedi que o meu filho filmasse a situação. Sei como funcionam as coisas. No dia seguinte, a água ia ter baixado e eles iam falar que a gente estava mentindo. Então, se a gente não registra nada, ia ser como em 2009″, disse.
Aposentada, Maria Salestiana também relata, assim como Ludmilla, que começou a receber ameaças após conceder entrevistas a jornalistas que foram a Barcarena em fevereiro. Ela suspeita que entre os jornalistas haviam pessoas ligadas a mineradora Hydro.
“Falei com vários repórteres e sempre os recebi muito bem, mas dois me chamaram atenção. Eles queriam fotografar cada uma das pessoas da família. Passou um tempo, eu tenho um conhecido que trabalha dentro da Hydro. Ele me disse pra eu não dar mais entrevista porque tinham as fotos de todo mundo aqui de casa lá com eles. Confesso que fiquei assustada”, afirma.
Maria disse que a poluição da lama vermelha de bauxita contaminou seus maiores bens na comunidade, sua plantação de árvores frutíferas, hortaliças, animais e o poço artesiano. “Tudo o que tem aqui está contaminado, e tudo foi plantado pela gente. A gente sabe que nada mais presta mais, nenhuma planta, árvore, água, nada. Até os animais morrem rapidamente, porque o solo não presta. O certo era a gente sair, mas não de qualquer jeito”, alerta.
O que dizem as autoridades do Pará?
A mineradora Hydro Alunorte enviou à reportagem a mesma nota que divulgou sobre a morte do tesoureiro da Cainquima, Paulo Sérgio Nascimento, na qual repudia as acusações de ameaçar e intimidar às lideranças de Barcarena.
“A Hydro condena firmemente qualquer ação dessa natureza e repudia qualquer tipo de associação entre suas atividades e ações contra moradores e comunidades de Barcarena. A empresa reforça que sua relação com a comunidade é pautada pelos valores da companhia e pelo respeito à legislação de proteção aos direitos do cidadão e do meio ambiente”, disse a empresa.
Em resposta à reportagem ao pedido de segurança do promotor Armando Brasil Teixeira às lideranças da Cainquiama, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará (Segup) disse que detectou que o pedido não havia sido seguido pela Promotoria Militar, órgão que pediu proteção para os membros da associação. Dessa forma, ela encaminhou o assunto para a Coordenação de Proteção a Vítima e Testemunha, vinculada à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH), que analisou e identificou que o caso necessita ser acompanhado pelo programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
Para a Segup, o Programa de Proteção a Vítima e Testemunha representa o compromisso de proteger aquelas e aqueles que lutam pela efetivação dos direitos humanos no Brasil.
“A solicitação encontra-se em análise para a inclusão das pessoas nos programas pertinentes à situação de cada uma, haja vista que existem processos a serem realizados, como a elaboração do parecer técnico interdisciplinar. Ao final desta análise a decisão da inclusão será emitida pelo Conselho Deliberativo”, disse a secretaria.
A Polícia Civil, por meio da sua assessoria de imprensa, informou à reportagem que as equipes da Delegacia de Vila dos Cabanos e da Divisão de Homicídios trabalham na busca de suspeitas que tenham relação com a morte de Paulo Sérgio, mas que os detalhes ainda estão sendo resguardados para não prejudicar as investigações. Contudo, ainda não há uma linha de investigação fechada. A assessoria disse ainda que todas as possibilidades estão sendo apuradas dentro do inquérito, inclusive, a hipótese de envolvimento de policiais militares na morte de Paulo Sergio.
Esta reportagem faz parte do projeto “Olhando por dentro da floresta”, da Amazônia Real em parceria com Aliança pelo Clima e pelo Uso da Terra (CLUA).