“Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão e encheu-se de compaixão por eles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E começou, então, a ensinar-lhes muitas coisas”. (Mc 6, 33-34)
Dar testemunho vocacional é sempre uma tarefa delicada, pois vocação é algo inacabado, sempre a se concluir. Tenho pra mim que só se concluirá no final da vida terrena.
Não vou falar do meu itinerário vocacional desde o início, mas da minha vocação em Porto de Moz, Paróquia de S. Braz, Prelazia do Xingu/PA, com 74 comunidades, onde a última comunidade leva-se um dia de viagem, subindo rios e rios, com um único padre, que atinge dois municípios: Porto de Moz e Prainha, região Oeste do Pará.
Minha vocação, propriamente dita, começou num grupo de jovens em Belém do Pará. Nas férias saíamos para missão na Transamazônica – Anapu, região atendida pelas irmãs de Notre Dame: Dorothy, Kátia e Jane. Andar de travessão a travessão, com “boroca” nas costas, dormir na casa do povo, partilhar de sua vida, tornou-se uma experiência inesquecível: encontro com o povo, encontro com Jesus, com o Deus da vida, que dá vida ao povo e faz nascer a vida cada manhã. Nesses encontros não tive dúvida do chamado, era urgente.
Já como seminarista, a experiência formativa do Instituto de Pastoral Regional/IPAR, principalmente na metodologia teoria e prática, ou seja, três meses de estudo intensivo e três de estágio pastoral, me ajudou a conhecer a realidade do povo, a entrar na sua vida.
Ajudou sim a entender as palavras de Jesus: “Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão e encheu-se de compaixão por eles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E começou, então, a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6, 33-34).
Toda vocação nasce de um encontro, embora, num primeiro momento isso não seja muito claro. Olhar, aproximar, sentir, e, acima de tudo, servir. Jesus sentiu compaixão, porque estavam ‘como ovelhas sem pastor’. Para Ele aquele povo precisava de alguém que os acompanhasse todos os dias, que os fizesse crescer individualmente, que os conhecesse pessoalmente vendo suas limitações, suas fraquezas, suas necessidades.
Estar com o povo, necessidade de ensinar, de estar junto, de servir, é o que tenho feito durantes todos esses anos aqui na Paróquia de São Braz, apesar de todos os desafios que a realidade atual nos coloca: falta de missionários e missionárias, grandes distâncias, destruição da natureza, desemprego, falta de políticas públicas, etc.
Atualmente grandes lobos rondam o rebanho, querem tirar-lhes aquilo que lhe é mais precioso: a terra, que é o seu ganha pão. Defender a vida do povo, a sua terra, o seu modo de vida, a sua visão de mundo é o que se coloca de mais urgente. ‘Defender a vida é dar tudo o que se possui, é dar o seu dia a dia, as suas energias, os seus pensamentos, as suas orações, o seu cuidado, o seu zelo por aquele que Deus lhe confiou, como se fosse o próprio Jesus’.
Me converto na vida do povo. Ele é muito acolhedor, partilha a sua vida em solidariedade com minha vida de padre. Saber se doar e se fazer presente, acho que é isso, é isso que alimenta a minha vocação.
Sim, aqui é terra de missão. Quem está disposto a se embrenhar nos rios, nos igarapés, viver lá onde o povo ribeirinho está?
De certa forma, o povo se adaptou. Na falta de padres e irmãs, missionários e missionárias, o povo encontrou um jeito de viver a fé: a celebração da Palavra de Deus. Para quem tem somente uma Eucaristia durante o ano, a Palavra de Deus é a Eucaristia. É a Palavra que os alimenta, lhes dá coragem, que os fortalecem. Nesse sentido, precisa-se repensar a “Eucaristia faz a Igreja” no contexto amazônico.
Somos uma Igreja leiga e leiga é a Igreja. Estamos apenas para servir, não para impor, mas para caminhar juntos. É preciso criar essa consciência. O povo precisa de padres, irmãs, missionários e missionárias para estar juntos.
Que o bom Deus esteja sempre conosco e mande trabalhadores para a Amazônia!
Pe. Ney Gemaque
Padre diocesano da Prelazia do Xingu
Paróquia de S. Braz – Porto de Moz-Pará