Por Márcia Oliviera* – UFRR/REPAM/CÁRITAS 

 

Amazônia em Chamas é o título do filme de  John Frankenheimer com roteiro de Andrew Revkin e William Mastrosimone de 1994. Tinha no elenco o autor  Raul Julia, Sônia Braga, Edward James Olmos e Luiz Gúsman. Um filme no estilo drama que conta a história do ambientalista brasileiro Chico Mendes, interpretado por Raul Julia. Chico Mendes é reconhecido no mundo inteiro como o maior defensor da Amazônia. Muito conhecido no Brasil, exceto por aqueles que não têm um mínimo de leitura atenta da história, da geografia, da economia, da sociologia e da política ambiental brasileira.

O Filme se passa na Amazônia e as primeiras cenas apresentam um seringueiro sendo queimado vivo na frente de toda comunidade. A cena choca pelos requintes de perversidade que retrata o assassinato do seringueiro julgado, punido e executado pelo patrão que se sentiu “traído” pelo trabalhador escravizado, que ousou desafiar suas ordens.

As chamas incandescentes do seringueiro, resultam num clarão no meio da noite. Os gritos de desespero e dor do homem sendo queimado vivo impactam a primeira parte do filme e faz jus ao seu título. Amazonas em chamas, ou amazônida em chamas apresenta os corpos humanos incandescentes no meio da floresta. Pessoas e árvores queimadas simultaneamente.  O cheiro de carne humana queimada incomoda e impacta o elenco e os assistentes do filme. A cena termina com a criança (Chico Mendes ainda menino) observando a fumaça que sobe aos céus da Amazônia que se torna mais escura até o covarde assassinato de Chico Mentes no dia 22 de dezembro de 1988 no município de Xapuri, no Estado do Acre.

Passados tantos anos, os céus enfumaçados da Amazônia denunciam que a Amazônia continua em chamas. Passados tantos anos, as chamas da Amazônia continuam sendo assunto nacional e internacional. No início desta semana as manchetes nacionais e internacionais denunciaram que fumaça das queimadas da Amazônia escureceram o céu de São Paulo logo depois do meio dia em 19 de agosto. As luzes automáticas da maior cidade do Brasil se acenderam logo depois do meio dia. A escuridão assustou os moradores apressados que se viram impelidos a olhar para o céu acinzentado daquela tarde e identificar que não se tratava de nenhuma tempestade tropical porque a nuvem trazia fumaça e não chuva.

Uma nuvem de fumaça facilmente identificada por qualquer pessoa que olhasse detalhadamente para o alto. Além da escuridão, as pessoas começaram a sentir  ardência nos olhos e irritação na garganta. E todos começaram a se perguntar de onde vinha tanta fumaça?

A fumaça vinha de milhares de quilômetros acima, na direção da linha do equador. A fumaça que tomou conta dos céus de São Paulo desceu para os estados do sul e alcançou a Argentina. Sim. A fumaça denuncia a floresta em chamas. Quantas vidas da fauna e da flora transformadas em fumaça!

A fumaça denuncia a ganância do mercado que transforma em fumaça a floresta nas suas mais variadas formas de vida, de alimentos, de nascentes de águas cristalinas, de espécies que fazem deste bioma o mais completo do mundo. A fumaça denuncia que a estupidez do mercado tem vencido a ciência que anuncia que a função ambiental da floresta, dentre outras, é produzir chuvas. Sim, os rios aéreos, ou rios voadores, formados pela evapotranspiração, que leva água em forma de vapor pela região Centro-Oeste, Sul, Sudeste do Brasil, chegando até a Argentina pelas correntes de ar que se formam sobre a Amazônia com suas árvores altas.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) somente no primeiro semestre de 2019,  7.000 quilômetros quadrados de desmatamento foram identificados na Amazônia. O que mais preocupa diante dessas estatísticas é o fato de que se trata de uma queimada planejada, oficializada, licenciada pelas instituições públicas. Madeireiros e empresários do agronegócio tem conseguido licença para derrubar e queimar a floresta e todas as espécies da fauna e da flora que nela habitam de forma irresponsável e irreversível.

A fumaça que sobe aos céus deixa um rastro de destruição e cheiro de morte pelo ar. Um cheiro de morte que causa náuseas ao nos fazer pensar no futuro dessa região e de outras regiões que dependem da dinâmica da floresta para existirem. Até quando os amazônidas terão seus corpos queimados junto com a floresta?

Nessa perspectiva é importante pensar na equação que resulta dessas queimadas:  quanto menos floresta menos rios voadores, menos chuvas na Amazônia e nas demais regiões do Brasil e maiores os impactos nas mudanças climáticas. Na substituição da floresta pelo pasto e pela soja, é importante saber que pasto e soja não produzem chuva, pelo contrário.

Menos chuva equivale a menos produção de alimentos em outras regiões, ao mesmo tempo que se queimam os diversos alimentos e remédios que a floresta produz milenarmente. Menos floresta representa menos vida para os povos que dela dependem, que nela coletam seus alimentos, caçam, pescam e bebem água pura. O revoar dos pássaros e das borboletas são queimados junto com a floresta. Milhares de insetos e repteis em processo de estudo para descoberta da cura de tantas doenças, ervas medicinais que salvam e cuidam de tantas vidas, animais de pequeno, médio e grande porte são queimados junto com a floresta.

Por fim, o cheiro de morte trazido pela fumaça das queimadas nos faz lembrar que a Amazônia está no centro das discussões internacionais no sínodo convocado pelo Papa Francisco que atualmente é uma das maiores autoridades em questões ambientais do planeta. No Documento de Trabalho do Sínodo da Amazônia, em seu parágrafo 9°, afirma-se que “a superabundância natural de água, calor e umidade faz com que os ecossistemas da Amazônia abriguem cerca de 10 a 15% da biodiversidade terrestre, armazenando todos os anos de 150 a 200 bilhões de toneladas de carbono. Por isso a Amazônia é essencial para a distribuição das chuvas em outras regiões remotas da América do Sul e contribui para os grandes movimentos de ar ao redor do planeta. Além disso, alimenta a natureza, a vida e as culturas de milhares de comunidades indígenas, camponesas, afrodescendentes, tanto ribeirinhas como urbanas. No entanto, convém destacar que, segundo peritos internacionais, no que diz respeito à mudança climática de origem antropogênica, a Amazônia é a segunda área mais vulnerável do planeta, depois do Ártico” (Instrumentum  Laboris, 2019, p. 9, parágrafo 9).

Trata-se de uma verdade inconveniente, parafraseando o título de outro filme, e talvez por isso, o sínodo da Amazônia tem sido tão atacado por setores da política e da economia que não querem que este debate venha à tona. Para saber se o Brasil está fazendo uma escolha correta, queimando a maior floresta tropical do planeta, basta recordar, apenas uma questão, dentre tantas outras implicações: soja e pasto não produzem nem distribuem chuvas; engordam os bolsos das corporações internacionais e trazem miséria e destruição para os povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais e camponeses da Amazônia; empurram os pobres para as cidades, e exterminam a vida do ecossistema.

 

* Artigo publicado no site Amazonas Atual

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