Irmã Maria Irene Lopes dos Santos, Assessora da Comissão Episcopal para a Amazônia ( CNBB) e Secretária Executiva da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), nomeada pelo Papa Francisco para o conselho pré-sinodal para o Sínodo da Amazônia, com o tema: “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral”.

1.Qual é o principal problema da Amazônia? Superexploração de território, corrupção, desmatamento, poluição, escravidão …?

Hoje, não temos como destacara apenas um problema. Os olhares e radares, a cobiça e a preocupação de organizações mundiais, militares e empresas mineradoras e madeireiras, cientistas e ambientalistas se voltam para a Amazônia, que se transforma do inferno verde ao deserto vermelho. O avanço do agronegócio capitalista sobre a Amazônia é como um trator que derruba casas e árvores, jardins e roças de ribeirinhos e de povos indígenas. Motosserras e plantação de soja, exploração de minérios e os quartéis dos militares fazem parte de programas oficiais, uns, como dizem, para o desenvolvimento, outros para a proteção.

2) Dada esta realidade, a Igreja deveria ser mais corajosa e profética?

A Igreja da Amazônia, pelo seu contexto histórico, sempre foi corajosa e profética. A história da Igreja na Amazônia revela que foi sempre a minoria que lucrava às custas da pobreza da maioria e da depredação inescrupulosa das riquezas naturais da região, dádiva divina para os povos que aqui vivem há milênios e os migrantes que chegaram ao longo dos séculos passados.

Retomo aqui o compromisso dos participantes do encontro dos 40 anos do documento de Santarém onde a Igreja refirma seu compromisso na Amazônia.

“ ‘Podem roubar-nos tudo, menos a esperança’ – Dom Pedro Casaldáliga. No caminho de “ Santarém” lançamos-nos novamente nas estradas e rios, nas aldeias e quilombos, nos interiores e periferias das cidades nos grandes centros urbanos desta imensa Amazônia, abraçando a missão que nos foi confiada, comprometidos com toda criação e na busca de sermos autênticas comunidades de fé alimentadas pela Palavra e pela Eucaristia. Nesta hora histórica, o nosso coração não poucas vezes se angustia por causa das tantas dificuldades, aparentemente insuperáveis, que nos desafiam. No entanto, continuamos a ser chamados e enviados como missionários e profetas para alimentar a esperança, qual âncora firme e segura (Hb 6,19), de um mundo novo, inaugurado por Jesus Cristo Crucificado e Ressuscitado”. Muitas são as testemunhas desse compromisso corajoso e profético da Igreja que, ao longo dos anos, vêm doando a vida, e até o sangue, nessas terras amazônicas.

3) Como é o rosto de uma Igreja amazônica e indígena?

O rosto de uma Igreja Amazônica é o rosto do povo que ali vive. Indígenas, quilombolas, ribeirinhos, atingidos por grandes projetos, moradores das periferias, são alguns dos tantos rostos que dão vida à Igreja que se estabelece nesse chão. Rostos que trazem histórias de resistência, de luta, de compromisso com o Evangelho, de partilha, de cuidado com a natureza, de valorização da cultura e da história, que dá voz aos pequenos, valoriza a juventude e a mulher e que escuta os clamores dos mais vulneráveis.

O Sínodo para a Amazônia, não tratará apenas da questão indígena, embora esses povos devam receber um enfoque especial por causa da ameaça de extinção que paira sobre muitos deles, devido ao desrespeito às suas terras ancestrais em toda Pan-Amazônia.

4) O que entendemos por ecologia integral?

“Tudo está intimamente vinculado (interligado)”, escreve o Papa no início do capítulo quarto da Laudato si, intitulado: Uma ecologia integral. Para Francisco, “não existem duas crises separadas, uma ambiental e outra social, existe uma só, uma crise socio-ambiental”. Assim, entendemos que ecologia integral é aquela que fala do todo, das pessoas, da sociedade, do meio ambiente, da cultura, da economia, da espiritualidade, da nossa relação com o Criador e com toda a criação. É uma ecologia que leva em consideração a vida cotidiana, nossos desafios e alegria, pois nos ajuda a perceber que tudo está interligado, que todas as coisas estão em íntima relação, e que o cuidado, a preservação, o zelo deve ser com tudo. A harmonia deve ser constantemente buscada e o egoísmo, violência e exploração não têm espaço.

5) O que você espera do próximo Sínodo na Amazônia?

O Papa Francisco, quando definiu o tema do Sínodo, nos pede caminhos novos para Igreja e para uma ecologia integral. Nossa responsabilidade é identificar estes caminhos novos, junto como os povos amazônicos. Vamos pensar no nosso pulmão do planeta, pensar caminhos novos para juventude, para a vida religiosa, para os padres, para a evangelização, para a Igreja… Aproveitemos essa oportunidade para sonhar caminhos novos para as comunidades e para o mundo. Que o Sínodo nos ajude a pensar esses caminhos novos para quem vive ali na Amazônia, mas, sobretudo, pensar esses caminhos com eles. Que seja um momento de valorização das lideranças, das populações tradicionais, da sua cultura, da sua história, da sua religiosidade, da sua fé. Eu espero, também, que este evento eclesial ultrapasse a instância da Igreja Católica, com um alcance nacional e internacional. Que todo o mundo olhe diferente para a Amazônia e para as pessoas que ali vivem.

6) O Papa mostrou muitas vezes sua preocupação pela Amazônia e pelas pessoas que vivem lá. Sua voz é ouvida o suficiente?

Nunca, na história dos Sínodos, os povos originários receberam uma atenção e afeição tão peculiares. Penso que a voz de um pastor como papa Francisco, já está sendo ouvida em muitos lugares do planeta e ele quer, nesse Sínodo, que todos os povos originários também tenham voz. A preparação dessa atividade eclesial exige que sejam escutadas as pessoas que vivem na Pan-Amazônia, no território. Para isso, foi elaborado um texto base de reflexões e algumas questões para contribuir com esse movimento de escuta. Todas as pessoas poderão enviar suas contribuições e terão oportunidade de se expressarem e enviarem suas manifestações acerca dos diversos temas ao Sínodo.

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