Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas
Hoje, mais do que antes, para evangelizar temos que ter uma ideia, uma imagem e um sentimento. Por isto é que Jesus é o primeiro, o maior e o melhor evangelizador. Os seus Evangelhos narram muitas cenas épicas, poeticamente bonitas, humanamente curiosas e teologicamente eficazes, que sempre me deixam com água na boca e nos olhos.
Certa feita, Jesus passando pelo mar da Galileia, viu Pedro e André que lançavam as redes, João e Tiago que lavavam e consertavam as redes (Mc 1,14-20; Mt 4, 18-22). Foi em uma cena como esta que Jesus disse a Pedro: “vai mais para o fundo e lança suas redes para a pesca” (Lc 5, 4).
Jesus é de fato um homem “quase” aquático. Tinha o cordão umbilical ligado à água: foi gerado na “caixa d’água”, o ventre de Maria (Lc 16-38); foi batizado no rio Jordão (Mt 3,13-17); bebeu da água do poço de Jacó (Jo 4,7); navegou muitas vezes pelo mar da Galileia, mar abaixo, mar arriba (Mc 6,45); fez do mar e do barco a sua cátedra (Mc 4,1-2; Lc 5,1-3); ordenou que o mar se acalmasse e ele o obedeceu (Mc 4,39); mandou que os discípulos seguissem o homem com o cântaro de água (Mc 14,13); na ceia lavou, com esta água, os pés dos discípulos (Jo 12,1-17); na cruz, do seu peito jorraram água e sangue (Jo 19,34); na ressurreição comandou a pesca milagrosa (Jo 21,1-13). E disse que do seio de quem nele crer jorraria rio de água viva (Jo 7,37-39). Talvez por causa de tudo isto, ele escolheu os primeiros apóstolos entre os pescadores e os transformou em pescadores de homens.
As duas cenas das redes, acima referidas, são cenas do passado ou da atualidade? São do livro ou da vida? Dos dois. O certo é que tratam-se de três atos contínuos: lançar, lavar e consertar as redes. Ao lançar as redes os peixes forçaram, tentando fugir das armadilhas ou dos enganchos, e as redes romperam alguns fios. Foi preciso que João e André consertassem tais redes. Assim começa a história vocacional e missionária de Pedro, André, Tiago, João, e também a nossa e a de todo o mundo.
A pandemia da covid-19 foi uma desgraça em nossas vidas. Matou muitos sonhos, sujou, rompeu e rasgou muitas das nossas redes. Deixou muitos buracos e muitos fios soltos. Lavou muitas mãos, com água e álcool em gel, e muitos rostos, com lágrimas. Redes rompidas não seguram peixes. Os peixes são sabidos e inteligentes, às suas maneiras. Eles sabem se defender e escapar das nossas armadilhas. E escapam pelos buracos, pelas fendas e frestas das redes rompidas.
Nossas redes estão quase todas rompidas. É preciso ir ao conserto. Vamos dar uma olhada em nossas redes, com as quais costumamos pescar, antes, durante e no pós-pandemia, e descobrir se elas estão ou não precisando de consertos. E se, no discernimento, descobrirmos que elas se romperam, é a hora de as puxar, lavar, enrolar e levar à oficina para o conserto. Temos ainda que saber quais linhas, quais agulhas e quais outros instrumentos utilizar para este conserto. Pense em sua paróquia e ou na sua comunidade de fé como uma rede lançada ao mar que se rompeu com esta pandemia, e que, por causa disto, agora está precisando de conserto. Talvez tenha mais pontos soltos e mais furos do que aparentemente imaginamos. E vamos ao conserto. O que está faltando para consertar as nossas redes? Coragem? Discernimento? Audácia? Ousadia? Criatividade? Oração? O que mais? Emendar os fios, um a um, é um trabalho manual, mental e técnico, exigente, cansativo, dispendioso e custoso. Mas a arte de pescar e a de evangelizar são semelhantes. Evangeliza-se bem como se pesca bem.
Por causa da pandemia a nossa Igreja está como uma rede depois da pesca. Se na pesca, nossas redes se romperam, vamos ao conserto? Precisamos tirar os peixes, mas também os entulhos, as sujeiras e consertar os buracos. Quais redes devemos consertar? Quais fios se desataram ou se romperam? E o que podemos fazer? Sabemos quais foram os peixes que rasgaram as nossas redes? E quais os que escapuliram? Peixes pequenos ou grandes? Comuns ou especiais? Fortes ou fracos? Mansos ou bravos?
O sofrer nos ensina a amar. Quem passou pela vida e não sofreu, não viveu, vegetou. A Igreja está no mundo, mas o mundo também está na Igreja. Os dois estão juntos, no mesmo mar e no mesmo barco, pescando juntos, sofrendo juntos e juntos se salvando e salvando vidas. O que fazer com as redes para as escutas do Sínodo 2021-2023? Com quais redes vamos as escutas das pessoas neste Sínodo? Costumo dizer que Palmas é a Igreja formada por água (Lago), por pedra (Serra) e por areia (Jalapão). No tempo de Jesus não se pescava de anzol. Sempre de rede. Pescar de anzol é um ato individual e solitário, enquanto que pescar de rede é sempre um ato coletivo e comunitário. Qual dos dois modos de pescar devemos adotar? Hoje é desejável não pescar sozinho, mas em grupo. Portanto, joguemos nossos anzóis no lixo e peguemos as redes para a pesca, de sinodalidade em sinodalidade. Por uma Igreja sinodal, em comunhão, participação e missão.