Dom Pedro Brito Guimarães

Arcebispo de Palmas – TO

Já se passaram cinquenta dias, desde que as nossas Igrejas estão vazias e de portas fechadas. Nem mesmo os mais negativistas poderiam imaginar tanto tempo assim. Parece fantasia, mas não é. É a pura e a dura realidade. O mundo está doente, de uma doença mortal. O novo coronavírus, a convid-19, veio ao improviso, como um tsunami; derrubando certezas científicas, políticas, sociais, econômicas e eclesiais. Por causa disto, estamos em estado de emergência. “Até o profeta e o sacerdote vagueiam sem rumo pela terra” (Jer 14,18). Não é brincadeira, não é uma “gripezinha”, é uma pandemia. Lembro-me que no momento em que assinei aquele Decreto, algumas lágrimas caíram dos meus olhos. Espero que neste “vale de lágrimas”, as minhas lágrimas tenham se juntado as de todos que choram as perdas de seus entes queridos. Espero também que todo este sacrifício não seja em vão, mas tenha ajudado a salvar vidas e a acordar a Igreja de pedras vivas que pode estar dormindo dentro de nós.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) a covid-19 é uma “pandemia”. A palavra “pan-demia” é formada por duas palavras gregas: “pan” significa tudo, todo e em todo lugar; e “demia” significa povo. Pandemia é, portanto, uma doença infectocontagiosa que atinge todos os povos, em todos os lugares. Esta pandemia concretamente desconsertou o mundo, embora haja pessoas que acham exagerada esta compreensão e a vê como algo sem ação e reação, sem causa e efeito. A cosmovisão de muitos brasileiros só chega a estes dois pontos mortos: maximalismo (pandemia) x minimalismo (gripezinha). E daí não sai e nem passa. Este embate ideológico é gerador de muitos conflitos e polarizações que se transformou em intermináveis controvérsias e inimizades.

Diante desta triste realidade, causadora de tantas dores, sofrimentos e mortes, a atitude primeira do cristão, seguidor de Jesus, deve ser a de solidariedade, de compaixão, de cuidado, de amor pela vida, de comunhão e fraternidade. Graças a Deus, são muitos os samaritanos que estão cuidando, com amor sincero e ternura fraterna, do nosso povo sofredor. Basta pensar nos médicos e nos apoiadores dos diversos serviços hospitalares, nos motoristas de ambulâncias, nos gestores e políticos sérios, empenhados na luta para vencer esta batalha; nos padres, diáconos, consagrados e nos diversos serviços eclesiais, de muitos homens e mulheres que rezam e atuam na caridade discreta para com os necessitados. Mas, infelizmente, uma parcela significativa do nosso povo não se compadece de quem sofre, vive na indiferença, pensa apenas no lucro e no proveito político, colocando o dinheiro e o poder acima da vida e da dignidade das pessoas. Neste estado de coisas, vem-me à memória a parábola, na qual Jesus do Bom Pastor que, porque dá a vida pelas suas ovelhas (Jo 10,10), dá amor, atenção, cuidado, ternura, consolo e esperança. E nós? Será que, a exemplo de Jesus, estamos sendo bons pastores ou, ao contrário, mercenários, ladrões e assaltantes? Somos desafiados a lançar em nossa sociedade as sementes do amor e da fraternidade. Diante de tantos gestos e sinais de indiferença, de perda do senso de humanidade, da busca de proveito próprio, encima da dor e da morte alheias, não podemos ficar indiferentes. Que o Senhor nos livre de um coração fechado ao bem e ao amor!

Passados cinquenta dias da publicação do Decreto, com o qual decretamos o fechamento das nossas Igrejas para celebrações presenciais, evitando, assim, a aglomeração de pessoas e o aumento do número de contaminados, me vem à mente a pergunta que muitos estão se fazendo: esta situação é passageira, é algo para ficar no passado, nos registros de nossos livros de memórias, ou é um fenômeno que nos assusta e nos preocupa para o futuro? Quando as portas de nossas Igrejas estiverem abertas, entraram homens e mulheres de corações abertos? A alerta sobre a possibilidade de esta situação se tornar uma realidade frequente, num futuro não muito longínquo, está dada. O coronavírus mandou seus avisos prévios. É preciso saber lê-los.

Concretamente, o que fazer? Não estamos e não podemos nos calar. Mas palavras bonitas não salvam vida e nem enchem barrigas. Discursos inflamados também não. Em meio a esta pandemia, aprendamos a escutar mais a ciência, a promover e defender a vida, a sermos mais abertos ao diálogo e à vida fraterna. Sejamos uma Igreja viva, que ergue o cálice da vida, que bebe o cálice da vida e que compartilha este mesmo cálice da vida com quem o deseja receber e comungar. Faz-me pensar o que disse o padre Tomás Halík, refletindo sobre a imagem de Igreja do Papa Francisco, como um “Hospital de Campanha”. Ele sugere três atitudes para a Igreja que podemos fazê-las nossas: primeiro, fazer o diagnóstico (identificar os sinais dos tempos, o que todo esse sofrimento nos pode ensinar); segundo, fazer a imunização (oferecer remédios preventivos, investir mais na qualificação de profissionais de primeiros socorros da vida); e terceiro, ajudar na convalescença e na reabilitação (curando as feridas e os traumas de quem está doente e incidindo nos corações dos que se dizem sadios o Evangelho da misericórdia, do perdão e da reconciliação). Não basta abrimos as Igrejas e fecharmos os corações. Somente assim, poderemos continuar tendo Igrejas abertas e um povo cheio de vida e solidário, e não Igrejas fechadas em uma sociedade doente. Término, citando o nosso mártir tocantinense, padre Josimo: “se eu me calar, quem os defenderá”?

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