A Comissão para a Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota contra a tese do Marco Temporal para as terras indígenas no Brasil. Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que discute a definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena e desde quando essa ocupação deverá prevalecer.
De acordo com o STF, estão previstas 39 sustentações orais por partes e interessados. O objeto de julgamento tem repercussão geral, ou seja, servirá de parâmetro para a resolução de outros casos semelhantes. São mais de 80 em tramitação na Justiça.
“Esperamos e recomendamos que a Suprema Corte vote contra essa conceituação, pois historicamente os povos indígenas já não reconhecidos e são cotidianamente violados em seus direitos”, afirmou a Comissão, por meio de seu presidente, dom Sebastião Lima Duarte, e do secretário, dom Vicente de Paula Ferreira.
“A Constituição adota o critério de ocupação tradicional da terra, que em nenhum momento faz referência a uma temporalidade específica. Ainda em 1988, os povos indígenas eram tutelados pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), não tendo condições de comprovar judicialmente que suas terras estavam sendo disputadas”, sustenta a Comissão.
No texto, é destacada ainda a preocupação com o aumento de violações e ataques por parte de setores econômicos, do Governo Federal e de projetos no Legislativo. “Atrás destes Projetos de Lei se escondem interesse para exploração de atividades econômicas por não indígenas dentro de seus territórios, como mineração, agronegócio, energia, turismo, entre outros”, denuncia.
Confira o texto na íntegra:
Não ao Marco temporal, sim às demarcações das terras indígenas
A Comissão de Ecologia Integral e Mineração (CEEM), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), solidária aos pobres e comunidades em conflito com mineração no País, tem estado preocupada com o aumento das violações cometidas por mineradoras. Assusta-nos, ainda mais, a conivência do governo brasileiro com essa dramática situação.
Sabemos que uma das últimas fronteiras minerais para o setor avançar, com sua política de acúmulo de riquezas, têm sido as áreas protegidas pela Constituição de 1988. Dentre elas, as terras indígenas e unidades de conservação (Resex, Flonas entre outras) têm sido alvos de constantes ataques pelos discursos do Presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que fomenta os conflitos nos territórios. Para agravar a situação, o Presidente enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 191/2020, que estabelece as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas. Além disso, institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas, ou seja, abre as portas a mineração, petróleo, hidrelétricas e à infraestrutura necessária aos empreendimentos, favorecendo diversos grupos econômicos interessados na tomada dos Territórios Indígenas.
Ainda com objetivo de ampliar o apoio, cada dia mais restrito, de setores econômicos para o Governo, foi aprovado, em junho de 2021, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 490/2007, que altera a Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio. Nele, o principal debate que se coloca, no momento, é a conceituação e definição política do marco temporal, com o entendimento de que “o primeiro fator é marco temporal da ocupação, […] § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e por eles habitadas em caráter permanente, […]. Para sua configuração há um dado fático necessário: estarem os índios na posse da área em 05 de outubro de 1988.”
Ou seja, segundo a concepção apresentada e votada na CCJ, só pode ser considerado Terra Indígena um território que os povos conseguirem comprovar que estavam ocupando no dia 05 de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição. Ora, a Constituição adota o critério de ocupação tradicional da terra, que em nenhum momento faz referência a uma temporalidade específica. Ainda em 1988, os povos indígenas eram tutelados pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), não tendo condições de comprovar judicialmente que suas terras estavam sendo disputadas.
Atrás destes Projetos de Lei se escondem interesse para exploração de atividades econômicas por não indígenas dentro de seus territórios, como mineração, agronegócio, energia, turismo, entre outros, permitidos pelo Projeto de Lei 490/2007. Sendo permitido somente o usufruto do território para subsistência dos povos.
Mas com tantas permissões para atividades econômicas, como que os povos conseguirão manter a produção e reprodução de sua vida social? É inadmissível pensar, por exemplo, qualquer povo vivendo o transtorno pelo risco do rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração, ou recebendo pulverização de venenos junto com as lavouras de soja.
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, no último dia 25 de agosto, a discussão sobre a conceituação jurídica do Marco Temporal. Diversas manifestações de organizações da sociedade civil, nacionais e internacionais, bem como de órgãos públicos como a 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), ocorreram contra a conceituação do Marco Temporal. No próximo dia 01 de setembro está prevista a retomada da discussão no pleno do STF. Esperamos e recomendamos que a Suprema Corte vote contra essa conceituação, pois historicamente os povos indígenas já não reconhecidos e são cotidianamente violados em seus direitos.
Dom Sebastião Lima Duarte
Bispo da Diocese de Caxias (MA)
Presidente da Comissão Episcopal Pastoral Especial Ecologia Integral e Mineração – CEEMDom Vicente de Paula Ferreira
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte (MG)
Secretário Geral da Comissão Episcopal Pastoral Especial Ecologia Integral e Mineração – CEEM
Fonte: CNBB