Por Profa. Dra. Márcia Maria de Oliveira

UFRR

Profa. Dra. Márcia Maria de Oliveira com Papa Francisco, durante Sínodo para a Amazônia. Foto: Arquivo Pessoal.

Nesta quarta-feira, a Comissão Episcopal Especial para a Amazônia (CEA) e a Rede Eclesial Panamazônica (REPAM-Brasil) em parceria com a Conferência Nacional dos Religiosos do Brasil (CRB Nacional), realizou o lançamento oficial do Documento de Santarém, publicado pela Edições CNBB.

O Documento foi elaborado durante o IV Encontro da Igreja Católica na Amazônia, realizado nos dias 6 – 9 de junho de 2022, no Seminário São Pio X, em Santarém, PA. O evento contou com mais de 100 participantes representantes dos nove Estados que formam a Amazônia. Diferentemente de 50 anos atrás, houve uma equidade de participação entre leigos/as, religiosos/as, sacerdotes e bispos, com uma expressiva participação de mulheres que trouxeram excelentes contribuições para as reflexões e as tomadas de decisões.

O Documento de Santarém foi redigido de forma participativa durante o evento. Uma equipe de sistematização (da qual fiz parte) formada por leigos/as, bispos e sacerdotes contribuiu com a elaboração do texto intitulado ‘Documento de Santarém 50 Anos: Gratidão e Profecia’. A principal preocupação da equipe foi a fidelidade ao documento original, escrito 50 anos atrás.

De forma pedagógica, a estrutura e o cronograma do IV Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal subsidiaram a elaboração do documento. O ponto de partida foi a ‘memória’. Buscou-se contextualizar a Amazônia nos 50 anos que se passaram. Na análise de conjuntura concluiu-se que muitas coisas mudaram. Houve melhoras substanciais em diversos sentidos. Naquele tempo, pouco se sabia sobre a Amazônia. Por isso, um dos pontos centrais das prioridades assumidas no primeiro encontro de Santarém era dar a conhecer o território e seus povos tremendamente ameaçados pelo então governo militar que havia decidido pelo extermínio dos povos indígenas

imagem. Canção Nova Notícias

disfarçado com o projeto de integração.

Passados 50 anos, o território continua extremamente ameaçado e sofrendo ataques de todos os lados. A destruição da floresta, a contaminação dos rios e da terra, outrora denunciadas, continuam em ritmo acelerado. O projeto de exploração predatória de todos os recursos do bioma foi amplamente assumido pelo Estado Nacional e por grandes empresas nacionais e transnacionais.

Os povos indígenas, as comunidades quilombolas e os povos tradicionais continuam ameaçados. Grupos inteiros são deslocados de seus territórios para dar lugar aos grandes negócios ligados à extração mineral, à produção energética e ao agronegócio autorizados pelo governo federal. A marca do “progresso econômico capitalista” tem deixado um rastro de destruição, doenças, forme, miséria e expulsão. As cidades cresceram de forma acelerada e sem planejamento. Os pobres são “amontoados” nas periferias das capitais sem acesso aos direitos básicos como saneamento, trabalho, saúde e educação.

Uma das sessões de análise de conjuntura foi protagonizada pela líder indígena Alessandra Munduruku que apresentou denúncias graves de violação dos direitos humanos dos povos Munduruku terrivelmente afetados pelo garimpo ilegal na região. Alessandra é presidente da Associação indígena Pariri dos Povos Munduruku que vivem no médio rio Tapajós. Traz no corpo as marcas da violência contra os povos indígenas na luta pela demarcação e proteção de seus territórios. “Perdemos lideranças mulheres e mães e eu sei, sou testemunha que o mercúrio está no sangue dos povos porque foi comprovado por exames e temos médicos que estão sendo ameaçados porque participaram desta pesquisa” afirma Alessandra. E repete várias vezes, com voz firme e decidida: “não tenho medo, não somos bandidos! Se quiserem me matar, me matem, porque aonde eu for, vou denunciar!”

Na mesma sessão foi apresentada a situação de violência aos camponeses e camponesas da Amazônia. O mapa dos conflitos agrários e socioambientais é assustador. Todos os dias lideranças camponesas são ameaçadas, coagidas, emboscadas e assassinadas na Amazônia, especialmente quando se posicionam em defesa dos interesses coletivos e contrárias à invasão do agronegócio com seus monocultivos e o envenenamento das águas, da terra e do ar que respiramos na Amazônia.

Em meio a tantos sofrimentos, as mulheres indígenas e camponesas apresentaram esperanças que animaram os participantes do evento e encheram seus corações do verbo esperançar conjugado com o amazonizar. Num gesto provocativo e libertador as camponesas distribuíram sementes de várias espécies da Amazônia e alertaram para a importância de fortalecer as pequenas iniciativas de produção de alimento sem veneno, para o cuidado da casa comum, para os valores do Bem Viver espalhados por todo o território.

Ao longo dos últimos 50 anos, muitas vozes se levantaram em defesa da Amazônia e dos seus povos. Gente de dentro e de fora do Território que se tornou conhecido mundialmente. Por isso, um dos compromissos assumidos no Documento de Santarém foi o fortalecimento das alianças com instituições que atuam em defesa dos direitos humanos em nível internacional, que reconhecem a Natureza como sujeito de direitos e que entendem a importância do Bioma Amazônia para garantia da vida na “Casa Comum”.

 Dessa forma, o lançamento do documento foi realizado em uma Coletiva de Imprensa, em formato híbrido, que contou, além da nossa participação, com a participação do arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Ulrich Steiner, Cardeal da Amazônia; de Maria Petrolina Neto, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Rondônia; da Irmã Maria Inês Vieira Ribeiro, presidente da Conferência Nacional dos/as Religiosos/as do Brasil e de Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, bispo de Itacoatiara.

Por fim, o Documento de Santarém 50 anos: Gratidão e Profecia, como foi intitulado, é uma atualização das Linhas Pastorais que reafirmam o compromisso da Igreja em relação à defesa dos Direitos Humanos, que aprova e propõe a ministerialidade através da ordenação presbiteral dos diáconos permanentes; se compromete com  o fortalecimento das comunidades eclesiais de base; assume o cuidado da Casa Comum como prioridade; reafirma a acolhida e a inclusão dos migrantes, refugiados e deslocados no território. E finalmente reconhece que não existe nenhum impedimento pastoral nem teológico para a ordenação diaconal das mulheres, logo, admite a possibilidade de conceder este ministério ordenado como forma de fazer justiça às mulheres que historicamente participam ativa e efetivamente da caminhada da igreja sem o devido reconhecimento. Para assistir o lançamento do documento e se inteirar do debate assista:

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