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Por Luis Miguel Modino

REPAM-Brasil

A Reforma da Cúria tem sido um processo longamente trabalhado pelo Papa Francisco e seus colaboradores. Uma reflexão recolhida na Constituição Apostólica Praedicate Evangelium. Ela nos mostra, segundo Dom Leonardo Steiner, que “a razão de ser da Cúria é a evangelização, a missão da Igreja”.

A Constituição nos faz ver que “estamos retornando às fontes. Irmos percebendo que a graça de viver o Evangelho e de anunciar está na comunidade de fé”, afirma o arcebispo de Manaus. Ele reflete sobre o clericalismo à luz da caminhada da Igreja da Amazônia, insistindo que “cada ministério tem seu lugar, tem sua missão”, e continua dizendo: “uma Igreja sinodal ajudar-nos-á na superação do clericalismo”.

O arcebispo também fala da experiência da Igreja da América Latina e Caribe, com uma “reflexão teológica e eclesial a partir dos pobres”. Junto com isso reflete sobre uma novidade surgida do Sínodo para a Amazônia, a CEAMA, e as novas possibilidades que ela oferece. Tudo isso no caminho sinodal, sustentado na escuta, que “deverá ajudar a Igreja a ser presença transformadora”.

 

No dia 19 de março o Papa Francisco deu a conhecer a Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, que entrará em vigor no dia de Pentecostes, festa que faz memória do envio dos discípulos a evangelizar com a força do Espírito Santo. Até que ponto é importante a ênfase que a nova Constituição faz na pregação, no anúncio do Evangelho como prioridade fundamental na vida da Igreja e de todo batizado?

A missão da Igreja é evangelizar. A última palavra de Jesus aos discípulos foi de envio: “Ide”; enviados para anunciar. Como ele foi enviado pelo Pai, assim envia os discípulos a evangelizar. Nos discípulos estão todas as gerações de discípulos missionários. Os ministérios, as vocações, os carismas, as pastorais, são modos de anúncio que o Espírito Santo suscita na Igreja. A Igreja como esse movimento que o Evangelho desperta e o Espírito mantém e vivifica.

As comunidades eclesiais, as dioceses e prelazias, as Conferências Episcopais, a Cúria Romana deveriam ser a reverberação do “Ide!”. A Constituição Apostólica emposta todo o serviço da Cúria partindo da evangelização. A razão de ser da Cúria é a evangelização, a missão da Igreja. Todos os batizados estão na graça do “Ide”. Como é bom sermos recordados da nossa missão e a que servem as estruturas. Supera-se, assim, o modo da normatização, da cobrança, e passa-se à recordação, ao apoio, à ajuda, ao cuidado, ao pastoreio. Todos a serviço do Reino de Deus.

 

Em um encontro que o Papa Francisco teve com os jesuítas chilenos em 2018, afirmou que o Vaticano II só seria assumido plenamente depois de 100 anos. A Reforma da Cúria e da Igreja recolhida na Praedicate Evangelium pode ser considerado um passo decisivo nesse caminho? 

Praedicate Evangelium evidencia o próprio da Igreja, a missão da Igreja: evangelizar. O Concílio Ecumênico Vaticano II nos colocou a caminho. O movimento de deixar-se inspirar pelo mistério da encarnação, da redenção é renovador e purificador. Mudar estruturas, modos de agir, de anunciar, exige tempo. É processo, uma cultura! Cultivar o espírito das comunidades primeiras, narrado nos Atos e testemunhado pelo Padres.

Num primeiro momento vemos um caminhar animado, depois vem a insegurança e o desejo de retornar ao que era, e, por fim, a busca de ser sempre mais fiel ao Evangelho, sob a inspiração do Espírito Santo. Existe uma caminhada. Ao lermos e estudarmos os textos do Magistério damo-nos conta do processo iniciado e desenvolvido, apesar de oposições e desinformações. Evangelii Gaudium ajudou a perceber o horizonte que ilumina e os passos que somos provocados a dar. A Constituição oferece um significado mais profundo e exigente a serviço da Cúria, pois é um caminhar junto: todos anunciando e vendo como melhor proclamar e viver o Evangelho.

A Reforma da Cúria abre maior autonomia para as Igrejas particulares e os bispos na caminhada pastoral. Como isso pode favorecer a vida da Igreja e os processos evangelizadores?

As Igrejas particulares são a visibilização da Igreja através de suas comunidades, de sua ação misericordiosa, da sua pastoral. Nelas acontece a ação do Espírito que tudo vivifica, transforma. Ali acontece a vida do Evangelho. Na medida em que cada Igreja particular oferece a Palavra, o Pão, serve aos desvalidos e excluídos, torna-se sinal da fraternidade, do acolhimento, é consolo e reconciliação, ela testemunha, anuncia a vida que nasceu da cruz e da ressurreição. Assim, elas vão assumindo a missão, a razão de existir: evangelizar, viver o Evangelho.

Assumindo os processos evangelizadores que o Magistério propõe, que a Conferência Episcopal oferece, elas crescem e se tornam sinais do Reino. Uma Igreja aprendendo com a outra. É na Igreja particular que se torna visível o modo de ser e viver que o Crucificado-Ressuscitado deixou. Nos tempos antigos, a vida do Evangelho acontecia na Igreja particular, na comunidade. Estamos retornando às fontes. Irmos percebendo que a graça de viver o Evangelho e de anunciar está na comunidade de fé. É na comunidade que se é revestido de Cristo, é a comunidade que cuida da distribuição do pão e das vestes, que acolhe os desacolhidos. É na comunidade, no testemunho de cada fiel, que Cristo se torna visível.

O clericalismo é um dos grandes pecados da Igreja segundo o Papa Francisco, um elemento que de novo aparece na nova Constituição. Como ajudar a superá-lo e avançar em uma Igreja sinodal, edificada a partir do batismo?

Vamos descobrindo que todo o Povo de Deus participa da missão evangelizadora; todos as pessoas batizadas participam e são Igreja. Na Amazônia percebemos como os leigos se sentem Igreja, como participam ativamente assumindo ministérios, participando das pastorais, responsabilizando-se pela comunidade. Cada ministério tem seu lugar, tem sua missão, expressa o ser Igreja, o Reino de Deus. Vamos superando o clericalismo na medida em que oferecemos formação para aprofundamento da fé, abrimos mais espaço aos leigos e leigas, incentivamos a participação de todos no processo da sinodalidade.

Uma Igreja sinodal ajudar-nos-á na superação do clericalismo. Na reflexão teológica, na formação para o presbitério, a sinodalidade eclesial pode oferecer um sentido mais amplo e profundo do ser presbítero. Como encanta ver as irmãs e os irmãos assumindo a graça batismal sendo ativos, sendo discípulos missionários. É admirável ver em nossas comunidades os catequistas e os catequistas, as mulheres e os homens no cuidado dos pobres. Essa presença de Igreja que nasce do batismo e confirmado na crisma. É o Povo de Deus a caminho!

O Papa Francisco conhece bem a Igreja latino-americana, e poderíamos dizer que tem incentivado passos que poderiam ser considerados como “experimentos” dessa Reforma que agora tem sido promulgada. Até que ponto podemos dizer que isso é uma realidade e em que tem ajudado a Igreja do continente latino-americano para avançar nessa Reforma?

Na Igreja da América Latina temos Medellín, Puebla, Santo Domingos, Aparecida, sem esquecer a reflexão teológica e eclesial a partir dos pobres. Na Amazônia temos o Documento de Santarém, o Sínodo para a Amazônia que gerou a Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), e a Assembleia Eclesial da América Latina e Caribe. São indicações das buscas do ser presença do Evangelho. Indica um caminho que estamos a percorrer e toda a Igreja se encontra em movimento.

Papa Francisco nos havia despertado para a grandeza da misericórdia e agora ele insiste na sinodalidade. Um caminho que se abre para uma Igreja sempre mais samaritana, missionária, presença do Reino de Deus. Talvez as comunidades, os pastores, os teólogos e teólogas, a vida religiosa, tenham-se deixado tocar e inspirar pelo Espírito que conduz a história e a vitalidade da Igreja. Se formos refletir o passado recente, veremos como fomos conduzidos pelo Espírito da vida nova. Fico admirado como foram surgindo testemunhas vivas do Evangelho. Bastaria sondar a presença de mulheres e homens mártires do nosso tempo.

 

Recentemente o senhor foi eleito vice-presidente da Conferência Eclesial da Amazônia, uma novidade nascida, por indicação do Papa Francisco, do Sínodo para a Amazônia. Como esse tipo de inciativas eclesiais e não só episcopais podem ser assumidas em outras realidades eclesiais?

A Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA) é a manifestação de que a Igreja pode ter expressões que levem em consideração todo o Povo de Deus quanto à evangelização, o modo de ser: uma Igreja sinodal. Todos refletindo, rezando, escutando o que o Espírito diz às Igrejas, às comunidades. Estamos no exercício da Conferência Eclesial: a participação das Igrejas da Pan-Amazônia nas suas diversas expressões ministeriais e vocacionais nascidas do batismo. Uma Conferência que expresse o ser católico, a catolicidade. Leigos e leigas, presbíteros, vida consagrada, bispos: Eclesial.

A Conferência poderá servir de inspiração para as Igrejas particulares quanto às Assembleias diocesanas, os Conselhos pastorais, a dinâmica evangelizadora. Nas Diretrizes para a Evangelização da Igreja no Brasil encontramos a insistência nas comunidades missionárias. As comunidades de base, pequenas comunidades, comunidade paroquial, todas as comunidades serem comunidade missionária. Comunidades que evangelizam, que assumem a alegre responsabilidade de falar de Jesus e testemunhar a Jesus, o Reino vivido. Um caminho iniciado, muito a ser percorrido.

Como a Reforma da Cúria e a nova Constituição podem marcar o caminho a ser percorrido pelo Sínodo sobre a Sinodalidade?

A Constituição, lida com vagar, faz perceber o fundo da missão da Igreja ao modo da sinodalidade. Com a Praedicate evangelium acentua-se a escuta e pode-se evitar a defesa de certas estruturas e ideias. O Sínodo que estamos celebrando, busca ser um espaço de escuta eclesial, a escuta do Espírito Santo. Se pensarmos, refletirmos o caminho que estamos percorrendo de envolver todas as Igrejas particulares com suas comunidades, é um movimento extraordinário, quase inimaginável. A escuta, a sinodalidade, é livre, não impõe, busca a verdade e, depois, fala com amor.

O que nascer dessa escuta, desse movimento eclesial, deverá ajudar a Igreja a ser presença transformadora nas realidades em que as comunidades se encontram. A escuta poderá despertar melhor as Igrejas para o anúncio, o testemunho, a caridade. Será exigente para os irmãos e irmãs a serviço da Igreja na Cúria, pois às vezes lhes falta o respiro da comunidade que celebra, cuida dos pobres, vive na carência. Como a Constituição evidencia a importância da Cúria na missão evangelizadora da Igreja ela poderá oferecer uma colaboração significativa, tendo presente a Igreja na sua universalidade.

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