Um encontro entre a Comissão Especial para Ecologia Integral e Mineração (CEEM), a Comissão para a Amazônia e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), realizado no dia 19 de outubro, renovou o compromisso da Igreja em defesa dos direitos das pessoas e da natureza, especialmente na região amazônica. Reunidos de forma virtual, as comissões da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o organismo definiram três pontos possíveis para ações conjuntas para defender a vida e a Amazônia.

Padre Dário Bossi, missionário comboniano e assessor da CEEM, escreveu sobre o encontro, destacando as inspirações para as reflexões, os desafios observados diante da realidade da mineração no Brasil, as ações das comissões e da Repam-Brasil neste contexto e, por fim, o caminho possível de ações conjuntas.

 

Os mais poderosos nunca ficam satisfeitos com os lucros que obtêm, e os recursos do poder econômico têm aumentado muito com o desenvolvimento científico e tecnológico. (…) Se a chamada por Deus exige uma escuta atenta do grito dos pobres e ao mesmo tempo da terra, para nós «o grito da Amazônia ao Criador é semelhante ao grito do Povo de Deus no Egito (cf. Ex 3, 7). É um grito desde a escravidão e o abandono, que clama por liberdade». (Querida Amazônia, 52)

Essa citação, da exortação apostólica de Papa Francisco que relança o Sínodo da Amazônia para a volta aos territórios, inspirou os trabalhos do dia.

Mineração: uma ferida aberta

Moema Miranda, assessora da CEEM e da REPAM-Brasil, destacou que o Brasil é um país minerado desde o começo da colônia, onde se afirmou um modelo econômico chamado de “acumulação primitiva”, ativo ainda hoje.

Mais recentemente, no começo dos anos 2000, o chamado “boom das commodities” caracterizou uma segunda onda de colonização no Brasil. Nesse período, em que os preços das matérias primas subiram consideravelmente, aumentou ainda mais a agenda exportadora no País, e os lucros das empresas mineradoras se agigantaram.

Nos territórios minerados consolidou-se a “minério-dependência”: economias de enclave, quer dizer dominantes e exclusivas para inteiras regiões, acabam excluindo a possibilidade de desenvolvimento de alternativas produtivas e prendendo muitas comunidades a esse único modelo extrativo-predatório. Quando a mineração termina de retirar tudo o que era de seu interesse, abandona essas regiões; ficam os buracos, o descuido ambiental e a falta de perspectivas.

Essas contradições fizeram-se ainda mais evidentes no atual período pós-boom da mineração: os preços dos minérios diminuíram, mas as atividades extrativas, em lugar de se reduzirem, aumentaram e limitaram o respeito das leis ambientais e dos direitos trabalhistas, para manter ainda convenientes margens de lucro para as empresas. É o período de graves acidentes, verdadeiros crimes ambientais, como o de Mariana e de Brumadinho.

O governo que atualmente detém o poder no Brasil radicalizou essa opção. Em plena pandemia, declarou a mineração uma atividade essencial. Defende a flexibilização das leis ambientais, promove impunidade nas operações ilegais de garimpo e fomenta medidas para que a mineração avance em áreas protegidas, como territórios indígenas e reservas legais.

Isso seria, para a Amazônia, o golpe final grande vetor de contaminação e destruição

Uma Igreja comprometida

A Comissão para Ecologia Integral e Mineração foi criada pela CNBB como uma das ações concretas para assumir no Brasil os desafios e as perspectivas apontadas pela encíclica Laudato Si’, para o cuidado da casa comum.

Também no Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) os bispos compreenderam a urgência de uma ação nesse sentido, e publicaram uma carta apostólica contundente, sobre os perigos do extrativismo predatório (“Discípulos missionários custódios da Casa Comum”).

A CEEM se propõe acompanhar as comunidades atingidas pela mineração nas regiões mais atingidas do País; já realizou encontros de estudo e formação no Regional Nordeste 5, Maranhão e em Minas Gerais.

Também oferece assessoria aos bispos em cujas dioceses tem conflitos por mineração; um mapeamento realizado no ano passado documenta pelo menos 250 conflitos no Brasil, no território de 86 dioceses.

Finalmente, atua em nível de incidência internacional, facilitando articulações e denúncias nos organismos de defesa dos direitos humanos e mantendo interação com o Vaticano e o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral.

Da mesma maneira, a Comissão Episcopal para a Amazônia e a REPAM-Brasil atuam nesses três níveis, de acompanhamento dos conflitos mais graves nos territórios, de assessoria aos bispos e de articulações internacionais.

Algumas das ameaças mais graves que essas três organizações da Igreja enxergam são o projeto de mineração em Terras Indígenas, a expansão descontrolada e ilegal do garimpo, a tese do marco temporal na demarcação das Terras Indígenas, que será julgada no final de outubro pelo STF, no Recurso Extraordinário com repercussão geral denominado “caso Xokleng”.

Caminhos possíveis

O encontro definiu algumas possibilidades de ação conjunta da CEEM, Comissão para a Amazônia e REPAM – Brasil.

Primeiro, aprofundar uma compreensão comum da organização estruturada dos projetos econômico-extrativo-predatórios que ameaçam a Amazônia, à luz do Documento Final do Sínodo e dos sonhos social e ambiental da exortação Querida Amazônia. Para isso, a aliança com o mundo universitário e da pesquisa é essencial.

Segundo, identificar estratégias de longo prazo, conjuntas, para a defesa da Amazônia. Entre elas, o protagonismo dos povos originários, que “quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida” (LS 146); a promoção das formas de economia “de Clara e Francisco” que há tempo se autossustentam e integram no bioma amazônico; a profecia da denúncia de decisões políticas que destroem a vida nessas regiões.

Terceiro, sensibilizar as comunidades cristãs e assumir com elas ações concretas e campanhas em defesa e promoção dos direitos das pessoas e da natureza.

“A criação geme e sofre em dores de parto”, concluiu dom Cláudio Hummes, presidente da Comissão para a Amazônia. “Podemos sim contribuir, e muito, se estivermos unidos, para que o mundo seja melhor!”

 

Com informações do site da CNBB

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